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28/04/2022 às 08h00min - Atualizada em 28/04/2022 às 08h00min

Anistia, comissão da verdade e crise na democracia representativa

CLÁUDIO DI MAURO
No Seminário PARA A TRANSFORMAÇÃO DO BRASIL, o doutor Douglas Martins fez uma intervenção na qual abordou alguns dos problemas que permanecem em função do golpe civil-empresarial-militar que levou o Brasil a uma ditadura de décadas com início em abril de 1964. Houve complementações pelo Prefeito de Araraquara, o excelente Edinho Silva. Com base nas duas intervenções preparei este texto.

Na Ditadura houve perseguição política, prisões, torturas e mortes de pessoas que discordavam e lutavam pela redemocratização do Brasil. E até hoje os responsáveis por esses crimes não foram devidamente julgados e punidos. Na Argentina e no Chile, países que também tiveram ditaduras simultâneas ao Brasil, os algozes tiveram julgamentos e condenações, o que reabilitou as histórias desses países. Não foi o caso do Brasil. Aqui a reparação não foi tratada com o rigor que seria indispensável para contar a efetiva história do período ditatorial.

Pelo caráter que foi adotado no processo de transição da ditadura para a democracia brasileira, em 1979 criou-se uma Lei de Anistia que anistiou aqueles que eram considerados “terroristas de Estado”. O conceito de “terrorista de Estado” foi instituído pelo Ato Institucional número 5 – o AI5, implantado no Governo Militar do General Costa e Silva. Esse conceito atingiu as pessoas que lutavam pela redemocratização, contra o estado totalitário ditatorial. Mas, não os reconhecia para os governantes que aplicaram o golpe, torturaram e mataram cidadãos em nome das estruturas governamentais.

Essa diferença de tratamento foi dada pelo estabelecimento de que os membros das Forças Armadas (Exército, Marinha e Aeronáutica), seriam os garantidores da Lei e da Ordem.

Ao atribuir essas funções aos membros das Forças Armadas, essa importante instituição foi reduzida a sobrepor funções que seriam destinadas às Polícias.

Para enfrentar essas distorções e reconhecer os casos de pessoas que foram perseguidas e prejudicadas no período ditatorial o Brasil constituiu no Ministério da Justiça uma Comissão da Verdade. Diversos processos foram devidamente preparados para reconhecer tais perseguições e para o que o Estado Brasileiro se desculpasse daqueles que ainda estão vivos e de seus familiares.

Essa concepção abriu as condições para representantes do Exército, como recentemente publicou o General Vilas Boas, se insurgissem contra a Comissão da Verdade. O argumento usado é que a Comissão da Verdade era constituída só por representantes das esquerdas. Com base nesses argumentos, a Comissão da Verdade foi desestruturada e deixou de atuar e o governo Bolsonaro deu uma nova composição para Comissão da Anistia. A capacidade de reparação da história do Brasil, mais uma vez foi colocada na perspectiva dos governos militares.

Sem que a história do Brasil seja contada com a devida reparação, temos agora um governo Federal em que prevalece a intervenção com presença militar na vida política brasileira. Dizemos que se trata de um governo de ocupação, onde calcula-se que mais de 6 mil cargos são ocupados por militares da ativa ou da reserva.

Trata-se de um governo com raízes autoritárias, diferente daquele objetivo de construção de uma sociedade participativa e democrática. Houve intervenção nos Conselhos em diversas instâncias e nos quais a sociedade civil foi proporcionalmente excluída.

Assim é indispensável o debate sobre a ditadura que acometeu o Brasil desde 1964 e o que está acontecendo atualmente no governo brasileiro.

Esse é o Brasil que precisa ser deixado para trás, no passado. Mas, aprendemos muito com essa história para não repetir tantos erros cometidos.

O que está evidente é que a democracia representativa está em crise. Torna-se indispensável o debate para construção da Reforma Política, como uma das reformas mais importantes na atual atuação e nas funções do Estado Brasileiro.

A quantidade de abstenções, votos nulos e em branco são nitidamente a demonstração de que as estruturas políticas e sociais estão em crise. O modelo está em confronto com a sociedade brasileira. A história do Brasil exige que nestes momentos tenhamos a coragem de construir a Reforma Política que seja capaz de gerar uma relação mais direta entre as estruturas de governo e a cidadania.

Está evidente que, ao contrário do que tem acontecido, será necessário o fortalecimento dos Conselhos Populares. Conselhos temáticos precisam ser viabilizados para jovens, idosos, LGBT+, negros, mulheres, indígenas. Todos esses Conselhos precisam ser articulados na perspectiva da luta de classes de forma a aproximar as estruturas de governos das pessoas. Na concepção da dialética, a negação do sistema deve gestar a antítese, construída coletivamente de forma a que haja a articulação de novas formas de governo e de desenho do sistema político.

O Brasil vive tempo em que essa demanda está eclodindo nos grotões, nas ruas e nas avenidas.  Esse poderá ser o novo Brasil jovem que está nascendo. É preciso que o governo que se estabelecerá no próximo ano tenha nitidez, enxergue e seja protagonista dessas transformações. 

 
*Este conteúdo é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.


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