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24/02/2022 às 08h00min - Atualizada em 24/02/2022 às 08h00min

Não basta não sermos machistas, é necessário ser antipatriarcal

CLÁUDIO DI MAURO
Parafraseando Angela Davis ao afirmar que “Numa sociedade racista, não basta não sermos racista. É necessário ser antirracista”, abordamos aqui outras questões essenciais, ou seja, os “costumes” ligados ao machismo, patriarcal que está impregnado nas relações humanas.

Vivemos em uma sociedade onde a estrutura é formada por dominação de europeus brancos, homens que foram constituídos em donos de terras, pela cessão das capitanias hereditárias, escravizando índios, no primeiro momento. As capitanias foram destinadas a homens brancos, de confiança da coroa portuguesa.  A catequização aplicada pelos jesuítas, vindos de Portugal, se utilizou da Bíblia como documento de base para conseguir a aculturação e “civilização” dos indígenas. Ensinou-lhes que as mulheres devem ser submissas aos homens. As mulheres têm funções específicas a serviço da “família patriarcal” devendo todas as honras ao marido. Assim é que a hierarquia para dominação fez parte desse processo de catequização.

É importante reiterar que nossa cultura se estruturou com base em homens brancos, donos de terras, escravocratas e machistas. Isso está fixado no centro da nossa formação cultural. Com essas características, estão no centro da dominação de classes no Brasil os tratamentos desiguais e preconceituosos contra indígenas, negros e mulheres. São temas interseccionais e assim tem que ser entendidos. Cruzar fortemente as categorias sexismo, racismo, capitalismo, trabalhando de maneira articuladamente. Não se trata aqui de um tratamento da temática na perspectiva do identitarismo, isoladamente, mas no reconhecimento dessas características aplicadas pela luta de classes, em nossos tempos nas terras brasileiras.

O sociólogo Florestan Fernandes aprofundou suas pesquisas e mergulhou fundo no Brasil escravagista. Afirmou Florestan em seu Significado do Protesto Negro sugerindo que “...Não haverá democracia real, ou superação do capitalismo, enquanto o país não acertar contas com o racismo...”. Mais à frente afirma o sociólogo ”...a democracia só será uma realidade quando houver, de fato, igualdade racial no Brasil e o negro não sofrer nenhuma espécie de discriminação, de preconceito, de estigmatização e de segregação, seja em termos de classe, seja em termos de raça”. 

Igual aprofundamento deu Darcy Ribeiro ao estudar O Povo Brasileiro. Mostrou nossas origens em relação aos povos originários, o extermínio e a tentativa de “civilizar“ os indígenas; a ação conquistadora dos portugueses; o drama da escravidão, trazendo para as terras brasileiras, seres humanos da África para serem escravizados. Brutalidades sem limites, praticadas por homens brancos e machistas.

No caso dos indígenas, até hoje somos submetidos a informações de comportamentos inadmissíveis. Aldeias indígenas são combatidas com o uso de “chuvas de agrotóxicos”.  No município de Caarapó, no Estado do Mato Grosso do Sul, lideranças da aldeia Guyraroká, informam que nesse lugar “...se vive no meio do veneno...”, assunto que tem sido identificado e para o qual se está mobilizando o Ministério Público. A chamada “chuva de venenos” não se restringe a esse caso, há generalização em diversas regiões do Brasil. Com essas tecnologias não são atacados apenas os povos originários, mas pequenos agricultores, assentamentos rurais e modelos da produção familiar.

Há um componente fundamental que está na estrutura cultural no Brasil, o machismo patriarcal. Estudos do IBGE demonstram que as mulheres trabalham 10 horas a mais, por semana, do que os homens. Exemplos desses tipos de exploração contra mulheres (nossas filhas, mães, irmãs, amigas) podem ser obtidos aos milhares. Assim é que o patriarcado tem responsabilidades sobre a formação e manutenção do “status quo” da cultura de vida no País.

Certamente é por isso que o Movimento dos Trabalhadores sem Terra – MST luta contra todos os tipos de preconceitos, discriminações, injustiças e violências. Trata-se do rompimento com todas as “cercas” que nos impedem de vivermos como seres (todos e todas) livres. Trata-se, portanto, de uma luta sem tréguas para as transformações sociais em todos os seus âmbitos, políticas, tecnológicas, econômicas e éticas. É indispensável vencer todos os tipos de agressividades que são inerentes à racionalidade capitalista e que nos conduzem para situações cada vez mais violentas contra os setores subalternizados, com a clara distinção em categorias. São categorias estimuladas a se formar, na lógica de dividir para oprimir e dominar.

Cabe sim, aos intelectuais orgânicos a demonstração de que essas divisões, tratadas separadamente, não servem aos processos de libertação das camadas sociais oprimidas. É importante entendê-las como parte essencial do processo de dominação promovido pelo capitalismo. Essas lutas setoriais devem ser integradas à luta geral da libertação da humanidade. Isso não significa em nenhum momento, ignorar suas idiossincrasias, nem deixar de aprofundar seu entendimento, mas compreender que individualizadas, produzirão poucos resultados nas vitórias que devemos obter para a derrocada do capitalismo. Daí, a necessidade de compreender suas relações intrínsecas com a luta de classes.

Por isso, como disse Angela Davis “...não basta não sermos racista. É necessário ser antirracista.”, assim como disse Florestan Fernandes “...Não haverá democracia real, ou superação do capitalismo, enquanto o país não acertar contas com o racismo...” e complementamos, não haverá verdadeira libertação e vitória sobre o capitalismo enquanto as mulheres forem subjugadas, na perspectiva da estrutura da família patriarcal.

 
*Na preparação deste artigo recebi colaborações e as aproveitei da introdutora das abordagens da Geografia Feminista na Argentina, Professora Mónica Colombara, a quem agradeço.   

 
*Este conteúdo é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.
 
           
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