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06/02/2020 às 08h39min - Atualizada em 06/02/2020 às 08h39min

Conexão dos saberes: saber popular e saber científico

CLÁUDIO DI MAURO
*Texto elaborado em coautoria com o Professor Luiz Gonzaga Falcão Vasconcellos- IG/UFU

Desde o início da vida humana na Terra nossa existência tem sido o resultado de saberes construídos, mesmo antes da sistematização da ciência. Assim é que o saber popular antecede o processo de organização do conhecimento científico que não pode prescindir da sabedoria acumulada ao longo da vida humana na Terra. O saber popular ganha forma e é transmitido pelo suceder de gerações nas diversas culturas, em todos os tempos no decorrer dos milênios do processo de constituição humana (homem / mulher). As culturas são constituídas por saberes que avançam de maneira ininterrupta e crescente, lado a lado ao permanente surgimento  de novas questões e desafios.

Na modernidade houve o momento da sistematização dos saberes adotando uma metodologia denominada como "científica" que pode em muitas circunstâncias, dada sua forma e maneira de abordar e sistematizar realidades e as questões postas, propiciar melhores  condições de vida na Terra, tanto para o homem-mulher (seres humanos) quanto para os demais seres.

Através de milênios os seres humanos vêm culturalmente acumulando seus conhecimentos e saberes. Os saberes com menor sistematização, conhecidos como saberes populares, precisam ser devidamente reconhecidos em sua relevância para o bem estar humano. "Trata-se de aprender a ler a realidade (conhecê-la) para em seguida poder reescrever essa realidade (transformá-la)", afirmou Paulo Freire em sua obra Pedagogia do Oprimido e  ”o mundo não é, o Mundo está sendo”. Em outras palavras, o Mundo não está pronto, está sim em construção e transformação.

Os estudiosos e pesquisadores das diversas áreas do saber não podem prescindir das experiências que são desenvolvidas através dos tempos, historicamente em perspectiva de "conhecimento popular". Essas experiências são fontes e têm permitido desdobramentos científicos. Cada vez  maiores parcelas de estudiosos e pesquisadores se empenham em diálogos e caminhos  com vistas a conexão dos saberes científicos e populares em sentido de mão dupla.

Ainda há estudiosos e  pesquisadores que em função de visão estreita e preconceituosa não valorizam os saberes populares. Mas, torna-se indispensável reconhecer que o saber popular é ponto de partida para o refinamento e avanço do conhecimento. Sem o amálgama desses saberes com certeza as demandas e necessidades humanas ficam prejudicadas e empobrecidas, em todos os sentidos. Claro, que não se pode imaginar o saber popular como algo que resolve por si só as questões postas pelas necessidades e demandas cada vez mais complexas, da humanidade. Ele deve ser questionado como também assim deve ser com o conhecimento científico.

Pelo dito, fica evidenciada a importância lado a lado, do saber científico e do  popular, em prol do avanço do conhecimento. O mundialmente reconhecido geógrafo Milton Santos foi um crítico da abordagem do desenvolvimento da tecnologia e da ciência apartadas de sua dimensão política. Ele nos apresentou os argumentos de que rumamos para um período popular da história. A geógrafa Maria Adélia de Souza, professora aposentada da USP, em palestra na UNICAMP afirmou “O período popular da história, a que se referiu Milton Santos, envolve uma nova humanidade, onde se construirá a paz através da consolidação de mecanismos solidários que não serão fabricados em laboratórios. Já estamos em pleno período popular da história”.

Assim é que o mestre Milton Santos identificava a solidariedade brotando no seio dos setores populares, como iniciativa das populações subalternizadas, e por vezes desconsideradas por governantes, e não estudada na proporção que deveria ser no âmbito das universidades e outras instituições de pesquisa.

Em função desse modelo excludente de inclusão social, as populações empobrecidas são forçados a criar onde vivem, estratégias de vida, sob a pobreza e a miséria, seja no campo ou na cidade. Os bens e a solidariedade inerentes às comunidades rurais, dos sem-terra e sem teto, dos povos das florestas, dos quilombolas estão escondidos muitas vezes não interessando as elites e aos seguimentos socioeconomicamente melhor aquinhoados.

Nessas situações, por vezes contando somente com o saber popular e relações solidárias se forjam outras formas de viver, diferentes da violência que é divulgada como se fosse o único padrão para a vida humana. Em algum momento o conhecimento científico aprenderá com essas realidades e se constituirá em saber de toda e para toda gente. Isso sem dúvidas será fruto de pensamentos e práticas em favor de novos mundos possíveis.


*O conteúdo desta coluna é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.








 
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