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16/01/2020 às 09h32min - Atualizada em 16/01/2020 às 09h32min

Direita ou esquerdas nos governos?

Claudio di Mauro
*Este texto tem a colaboração da Jhenifer Gonçalves Duarte, aluna do Curso de Jornalismo da UFU


É muito comum ouvirmos e lermos que acabou a disputa entre esquerda e direita, conceitos que estariam superados. Segundo alguns setores, geralmente de direita, não existe mais a luta política entre direita e esquerdas, que seria coisa do passado. Com a derrubada do Muro de Berlin, Francis Fukuyama uma figura conservadora, um dos ideólogos do governo Ronald Reagan, mentor intelectual de Margaret Thatcher, defendeu a ideia de que chegamos ao fim da história e o capitalismo venceu.

Mas, a realidade do mundo desmente Fukuyama. As mobilizações na Argentina, no México e na Espanha atual desmontam os argumentos dos que pensam que terminou a disputa entre esquerda e direita. Na Espanha, sopram novos ventos que sugerem um alento para a humanidade. Após muitos anos de crises, sob a égide de governos de direita, o País nos oferece uma nova postura, pautando a luta contra a austeridade. 

No final de 2019, o líder partidário de esquerda Pablo Iglesias afirmou no Congresso que a verdadeira “traição” praticada na Espanha era atacar os direitos dos trabalhadores, vendendo edifícios e moradias públicas para fundos privatizadores dos serviços públicos. Essa política casa-se perfeitamente ao modelo que está sendo aplicado no Brasil pelo governo Bolsonaro, articulado por Paulo Guedes. Aqui também se dá uma traição contra os interesses nacionais e entregam-se riquezas para corporações estrangeiras.

Com a eleição realizada em 2018 na Espanha, o vencedor que assumiu a Presidência do país foi Pedro Sánchez Pérez Castejon. Pedro Sánchez não encontrou guaridas pela direita, em função de suas posições de “centro-esquerda”, com isso foi empurrado para se articular e comprometer com uma agenda progressista com a qual ele apenas fazia acenos, mas não dava passos verdadeiros. Nomeou Pedro Iglesias como vice-primeiro-ministro, Yolanda Diaz como Ministra do Trabalho, Irene Montero, para o Ministério da Igualdade. O líder de Izquierda Unida, Alberto Garzón, se tornou Ministro do Consumidor, tratando-se de um comunista. E muito importante foi a nomeação do sociólogo Professor Doutor Manuel Castells, personagem reconhecido internacionalmente como Ministro das Universidades. Uma verdadeira revolução no governo espanhol. 

Ainda é muito difícil de prever até onde essas corajosas escolhas do governo espanhol poderão se consolidar. Mas, na visão que me foi encaminhada por e-mail, procedente do geógrafo e amigo Francisco Paco da Universidade de Saragoza,“vivimos en España una transición política y social muy interesante. Las viejas formulas de los viejos partidos ya no sirven. El nuevo gobierno tiene el importante reto de ensayar nuevas fórmulas y esto leva consigo uma importante incertidumbre.”

O governo estabelecido não possui claros aliados internacionais, terá que enfrentar uma crise constitucional que está posta no país, provocada pelo governo de direita que estava no comando, pelas regras orçamentárias impostas pela União Europeia, além do enfrentamento com uma oposição virulenta composta pelos partidos de direita e pelas principais corporações econômicas e midiáticas existentes no país e apoiadas por interesses estrangeiros.

Neste diapasão foi ouvido o aplaudidíssimo discurso no Congresso Espanhol proferido por Pablo Iglesias, no qual afirmou aproximadamente o seguinte que tenho o cuidado de reproduzir: “Senhores e senhoras, não há liberdade se o salário não lhe permite chegar ao final do mês... Uma mensagem para as mulheres, próximo governo vai trabalhar para garantir todas as conquistas obtidas pelas mulheres e para obtenção de novas conquistas... Mensagem também para Gays, Lésbicas, todo o coletivo LGBTI: o próximo governo vai trabalhar para que possam amar livremente e possam organizar suas famílias como queiram... Mensagem para as pessoas migrantes, o próximo governo vai defender os direitos humanos de todas as pessoas que fugindo da pobreza e das guerras vieram trabalhar conosco... Uma mensagem também para os compatriotas que tiveram que se exilar por razões econômicas: o próximo governo vai trabalhar para que, se quiserem, possam voltar à Espanha... Uma mensagem também para todos os compatriotas, sejam catalães, bascos, de Andaluzia, de Canárias, de onde quer que seja, que vivam suas identidades territoriais com liberdade, o próximo governo vai defender suas línguas, suas instituições e sua liberdade, para se emocionar com os símbolos que queira... E por fim, uma mensagem, senhoras e senhores, para a gente trabalhadora, o próximo governo vai defender as condições materiais da liberdade, porque não há liberdade se não se consegue chegar ao final do mês. Porque não há liberdade se não se tem um sistema de saneamento público que assegure os principais, os melhores profissionais do saneamento do mundo que vai atende-lo independente do bairro que se tenha nascido. Porque não há liberdade sem uma Escola Pública, sem uma Universidade Pública que assegure que todo mundo possa estudar, independente do bairro em que se tenha nascido.”

Nesse discurso de Pablo Iglesias estão contidos alguns dos principais componentes que caracterizam as esquerdas mundiais. Não acabou o embate entre direita e esquerda. É o discurso de uma geração que deseja fortemente transformar a realidade social essa ordem e esse progresso vigentes e completamente ultrapassados.

Assim é que somos chamados a escolher entre os caminhos oferecidos pelas ideologias, direita ou esquerda? Haverá sim quem se diga de centro, ou seja, “nem tanto ao céu e nem tanto ao mar”. Mas essas pessoas na hora de se decidir, em geral tenderão para a direita. Em verdade são de direita, desde o começo. Trata-se de uma direita envergonhada, que não possui coragem de se definir.  No caso brasileiro, uma direita que estava envergonhada dentro de guarda-roupas e que, com Bolsonaro, saiu do armário com muito ódio no coração e na mente.



*O conteúdo desta coluna é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.









 
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