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05/12/2019 às 14h14min - Atualizada em 05/12/2019 às 14h14min

A vida pede coragem

IVONE ASSIS
Nesta semana eu participei de uma palestra (como ouvinte) sobre PCD (Pessoa Com Deficiência). Ouvi histórias incríveis, como a palestra do técnico Alexandre Silva Vieira, um dos mais representativos treinadores do paradesporto brasileiro, cuja narrativa foi desde o modo como ele venceu o preconceito e o medo, até como ele e sua equipe de treinandos (Alexandre/Letícia Lucas Ferreira) saltaram da terceira menos pior para a melhor equipe paralímpica do mundo, até que, em 2019, já com mais atletas, essa equipe se tornou hexa, lembrando sempre do quanto o Praia foi, e é, essencial nesse processo de transformação.

Ouvi, maravilhada, a jovem Laila Garcia, vítima de paralisia cerebral, contar sobre sua superação, passando de muda e “inválida” para campeã mundial de natação paralímpica, por 1 centésimo de segundo.

Angela Márcia de Souza deu uma aula sobre Poliomielite e Síndrome Pós-Pólio, doenças das quais ela é sobrevivente. Angela descreveu sua trajetória, seus medos e tratamentos, superações e conquistas. Falou sobre uma doença com registros datados de 1600 a.C. e que, hoje, em pleno século XXI, na Era da Tecnologia, ainda se sabe tão pouco sobre ele.

Ouvir aqueles heróis exporem suas batalhas diárias, e sempre concluírem com o anseio de querer se superar ainda mais, traz-nos a questão: De onde vem tanta força de vontade? Todos nós buscamos sobrepujar, mas, com aquelas pessoas ali, a determinação é converter deficiência em eficiência. É um esforço que vai além do simples querer. É um superar, e superar-se. É dizer ao mundo: “Sou capaz de qualquer coisa, desde que eu queira e me esforce para tal”. E se estamos falando é de eficiência, por que há tanta resistência em atender a esse público seleto, seja na aceitação, na contratação, na aprovação...? Na “igualdade” não digo, porque eu, por exemplo, teria que melhorar muito em meus esforços, para me igualar à força de vontade que habita na maioria deles.

Diariamente, observamos denúncias de irregularidade no estacionamento, na sinalização, nas calçadas, nos semáforos... então, acaso não é isto uma deficiência dos “normais”? Não seria uma “cegueira humana”?

Toda essa vivência remeteu-me à literatura de Guilherme de Freitas, nas obras “O quarto 65: uma janela para a vida” e “Desafiando a ciência: uma metáfora da vida”. Nessas obras, o autor apresenta o milagre diário que é viver “em meio à sobrevivência”. Guilherme Pinheiro de Freitas é sobrevivente de um AVC sofrido aos 33 anos de idade. Então, em sua primeira obra, “O quarto 65...”, o autor descreve sua migração de médico ortopedista para paciente com Síndrome do Encarceramento. Ali, o leitor vai acompanhar a trajetória de uma drástica mudança de vida, e também vai encontrar a força que ninguém sabia existir dentro de Guilherme.

Na segunda obra, “Desafiando a ciência: uma metáfora da vida”, o autor revela o processo desafiador que é a arte da espera, da tolerância, da confiança, da persistência, da resiliência, da admiração e do reapaixonar pela vida, dentro de um cotidiano com duras restrições de movimentos motores, em um corpo cuja mente explode ideias e movimentos. O autor apresenta fatos pitorescos, e também narra sobre a gratidão, a emoção, o aprendizado, a fé, o papel crucial de seu irmão em sua vida, e a importância de se levar coragem e esperança ao próximo, por meio da palavra e do ouvir. Discorre sobre viagens, receitas culinárias, o encantamento do seu primeiro banho de mar, na condição de cadeirante. Mas também o autor narra como a escrita o ajudou a ajudar outras pessoas. Isso me lembra Kafka, em sua carta a Max Brod, aos 05/07/1922: “Escrever é o que me sustenta. [...] um escritor que não escreve é, de fato, um monstro cortejando a insanidade”. Ainda, o autor narra sobre as dificuldades encontradas nos processos de alimentação, banho, aceitação, processo fisiológico... mostrando ao leitor que nem tudo são flores. Há angústias, mas, como nos ensina Guimarães Rosa, a vida pede coragem.


*Esta coluna é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.










 
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