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24/10/2019 às 08h34min - Atualizada em 24/10/2019 às 08h34min

Função social da cidade

CLÁUDIO DI MAURO | GEÓGRAFO DOCENTE NO IG/UFU

No próximo ano 2020, teremos eleições municipais e os postulantes aos cargos no Executivo e no Legislativo deverão apresentar o plano de governo que aponte com clareza o que e como trabalharão na formulação de políticas públicas. Tais planos deverão ser voltados para permanência e continuidade ou para as transformações das questões mais candentes e de interesse público, tais como saúde, educação, habitação, transporte, segurança pública com construção da paz, mobilidade, acessibilidade, meio ambiente, culturas e diversidades, entre outras. É indispensável que no decorrer da administração o plano possa ser acompanhado e controlado pela população. Estamos trabalhando este tema em companhia do Professor Luiz Gonzaga Falcão Vasconcellos, colega do Instituto de Geografia da UFU e dos nossos discentes de Planejamento e Gestão Urbana.

É preciso compreender a cidade como resultado da “produção” do espaço geográfico, entendido como sócio ambientalmente construído, propiciando o reconhecimento do espaço usado/usufruído, histórico. No capitalismo à moda brasileira, o modelo imposto se impõe no espaço usado e se fundamenta na propriedade privada da terra que em função das desigualdades sociais articula muitas cidades dentro de uma só. A cidade dos endinheirados, donos dos meios de produção e das terras é muito diferente da cidade dos setores de trabalhadores empobrecidos e explorados. Na cidade se promove a reprodução e a acumulação do capital (e da renda da terra), o que lhe confere a feição adotada dentro dos princípios desse modelo de planejamento. A cidade sempre é planejada para ser como ela é e de quem ela é.

No caso de Uberlândia, as relações políticas possuem a nítida composição de governos com os proprietários das terras, do empresariado dos setores industrial e do agronegócio de produção capitalista. Esses são de fato os setores que têm poder para gestar a cidade como ela é. Assim são geradas as diferenças/desigualdades socioespaciais de oportunidades e usufruto da cidade inerentes ao modelo urbano capitalista, agravadas no caso brasileiro. Tais desigualdades permanecerão e poderão mesmo ser aprofundadas, ainda que, de maneira hipócrita e por isso enganosa, no discurso, se busque o estabelecimento da função social da cidade.

Nessas condições, como a cidade poderá exercer o que está previsto no Artigo 182 da Constituição Cidadã de 1988, onde foi consagrada a exigência do cumprimento da “função social da cidade”? Some-se a isso também a “função social da propriedade” que será tratada em outra oportunidade.

Segundo a Constituição Federal, a cidade deve necessariamente “acolher, zelar e incluir”, em termos da qualidade de vida, toda a sua gente. Reforçando essa intenção, o Estatuto de Cidade, Lei Complementar 10.257/2001, também trata do assunto com a exigência de acesso e usufruto da cidade, enquanto direitos e oportunidades para todos os cidadãos. O que está dito nas Leis em nada se assemelha à realidade vivida pelos habitantes urbanos.

Para o efetivo exercício da sua função social, a cidade precisará oferecer acesso a bens, serviços, equipamentos, espaços públicos, sistemas de transporte e mobilidade, saneamento básico e habitação de certa maneira equânime para o conjunto de seus habitantes de forma justa, laica e democrática. Um município, no caso, Uberlândia, estará exercendo sua função social quando seus cidadãos tiverem a vida individual e coletiva digna e prazerosa, e quando seus cidadãos tiverem participação no planejamento e nas decisões que envolvem a cidade, permitindo mesmo a criação de instrumentos de participação e desenvolvimento de novos direitos.
Os processos eleitorais são exatamente os melhores momentos para que a cidadania em geral, conheça e analise como os grupos político partidários pretendem alcançar seus objetivos de “governança” nos municípios. Como exercerão suas atribuições de respeitar a legislação, oferecendo para os habitantes a cidade que cumpra sua função social e garanta a função social de suas propriedades.

Deve-se lembrar que Prefeito, Vice-Prefeito e Vereadores são agentes, -servidores públicos, portanto não são donos de seus mandatos. Precisam permanentemente prestar contas sobre os compromissos assumidos quando das eleições, bem como devem ser responsabilizados se não agirem de acordo com a ética, e obediência da Constituição e demais leis. Os mandatos são obtidos por delegação, através do voto, o que exige permanente prestação de contas.

A sociedade deve chamar para si o controle dos mandatos eleitorais municipais, especialmente porque é no município e na cidade onde vive a maioria das pessoas e onde se pode ter maior contato e controle sobre a atuação dos agentes políticos. Cabe também ao Ministério Público, que tem a responsabilidade de atuar em favor dos interesses difusos, exigir que as leis sejam respeitadas e que a cidade tenha de fato e efetivamente a prevista função social.
 

*O conteúdo desta coluna é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.





 

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