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11/12/2018 às 08h43min - Atualizada em 11/12/2018 às 08h43min

3 discos em 18

ENZO BANZO
Nunca entendi muito bem as tais listas de melhores do ano. Seja a lista do que for: filme, novela, ator, atriz, boteco ou padaria. Quando o assunto é disco, eu, que vira e mexe lanço álbuns, fico ainda mais confuso. É que essa ideia de melhor sempre esteve, para mim, muito mais perto do olho de quem vê, ou do ouvido de quem ouve, do que na obra-objeto-coisa em si. O disco é obra do artista, a lista é obra da crítica. Portanto, sujeita a crítica.
 
Dito isto, sinto-me com liberdade para apontar uma seleção pessoal de três discos que compuseram cenas importantes da minha vida sensível no ano que finda. Gostar de música é um atributo sobretudo afetivo. Contam aqui discos do presente que provavelmente serão, no futuro, lembranças vivas do passado.
 
Falando em lista, se você usa o Spotify, o próprio aplicativo cria a sua, nem é preciso se dar ao trabalho. Fui abrir a minha para ver se batia com o que eu pensava, e não deu outra: a número 1 da spotilista é "A mais (Rubião Blues)", faixa de abertura do álbum Outono no Sudeste, de Maurício Pereira. Na mosca.
 
Eu já aguardava por este disco antes mesmo do lançamento: além de trazer inéditas do Maurício (que depois da faixa "Trovoa" não precisaria compor mais nada), o álbum contaria com a fina produção de Gustavo Ruiz, produtor do último do Porcas Borboletas. Quando veio o primeiro single, a faixa "Mulheres de bengalas", meu coração não se conteve com aquele "toc toc toc" cantado com a expressividade sentimental que a sutileza da voz do Pereira carrega. Fora do mundo, dentro da música, era assim que me sentia. "Por um instante sou todo ouvidos", cantava a canção.
 
O título do álbum me intrigava... Eu, que sempre morei no Sudeste, nunca parei para pensar no seu outono: "tá quente, tá seco, o ar tá particularmente imundo hoje, e isso deixa o pôr do sol ainda mais bonito"... é preciso ouvir o arranjo de andamento lento e inebriante, e se ver na história cotidiana que Maurício canta e conta, enquanto "tá rolando um carteado forte ali na borracharia". O jeito é concordar com ele: "põe outra cerveja aí..."
 
Sigo a trilha, e a segunda peça da minha tríplice coroa vem de um dos nossos mestres maiores, que fazia tempo não nos instigava com novas canções. "Ok ok ok", é de Gil que estou falando. Segundo o próprio, é este seu primeiro disco de velho. Estreia aos 76? O fato é que sofremos com a doença do Gil, o luminoso, e sua resposta em forma de canção talvez constitua o trabalho mais pessoal de sua carreira. A voz de Gil carrega a marca do tempo. E Gil sabe fazer desta voz sua potência de expressão.
 
Aquele velho papo, canções e poemas são retratos do real ou pinturas fictícias do artista? Gil explora mais do que nunca esta fronteira. Divaga poeticamente na fissura do real, seja sobre a "vil situação" política, seja sobre os netos, os médicos ou si mesmo. O singelo samba "Quatro pedacinhos" é um dos pontos de maior evidência desta junção de vida e poesia, dos corações físico e sentimental: "um para saber se estou curado com os remédios que ela me deu, um para saber se estou errado por ter juntado o meu destino ao seu".
 
Fecha a trinca um disco voador solto pelo espaço em canções desnudas: "Um satélite perdido", de Gustavo Galo e Peri Pane. Valorizo a canção que para em pé mesmo sem roupa, sem os acabamentos da produção, garantindo sua força no registro honesto do compositor ou intérprete. E este é um disco que traz canções quase em modo bruto, podendo atingir brutalmente a sensibilidade de quem se entrega à sua audição: "eu sei onde isso dói, sei que o coração vive somente de sangrar".
 
O que mais gosto no álbum são as baladas, de palavras soltas sobre o violão batido, culminando  naquele tipo de refrão que dá vontade de fechar os olhos e pegar carona na aeronave. Textos marcados pelo labor poético da simplicidade: "nunca mais nos encontramos depois que você se mudou de bairro, ah, os amores impossíveis", conclui a faixa "Um poema para Belchior", parceria da dupla com o poeta arruda.
 
Galo e Peri conceberam esta obra numa viagem que fizeram de São Paulo para a Chapada dos Veadeiros, uns dois ou três anos atrás. Passaram por Uberlândia no caminho de volta, fizeram um belíssimo show no Ponto dos Truões. Quem viu, viu, teve até participação de trovão. Tomamos cerveja, falamos da vida, na sala da minha casa compusemos a faixa "Consertamos disco voador". Opa, agora você sabe, nesse eu sou parceiro, logo, sou suspeito. Mas a cada nova lista, me pergunto: quem não é? (Pode me mandar a lista).
 
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