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30/01/2024 às 18h05min - Atualizada em 30/01/2024 às 18h05min

Investigações de trabalho análogo à escravidão aumentam 84% em Uberlândia e região

Pena para o crime é de reclusão de dois a oito anos, além de multa

JUAN MADEIRA | DIÁRIO DE UBERLÂNDIA
Além de Uberlândia, o levantamento abrange outras 61 localidades | Foto: Reprodução/Google Street View

O número de investigações abertas para apurar denúncias relacionadas ao trabalho análogo à escravidão quase dobrou em Uberlândia e região, conforme dados divulgados pela Polícia Federal (PF). Segundo a PF, no ano passado foram conduzidas 24 investigações destes casos, o que equivale a um aumento de 84% em relação a 2022, quando foram registradas 13 averiguações da mesma natureza.

 

Além de Uberlândia, o levantamento abrange outras 61 localidades, considerando o Triângulo Mineiro, Alto Paranaíba e parte do Noroeste de Minas. De acordo com as informações fornecidas pela PF de Uberlândia e pelo Ministério Público do Trabalho (MPT), as cidades de Patrocínio, Patos de Minas, João Pinheiro, Paracatu e Unaí apresentam os maiores índices de ocorrências na região.

 

Em relação às investigações conduzidas ao longo de 2023, dos 24 resultados obtidos, 16 resultaram na instauração de inquérito policial, sendo que alguns deles já foram relatados e outros ainda estão em andamento. Quatro casos foram cadastrados, porém não resultaram em investigações, sendo remetidos à Procuradoria da República em Uberlândia.

 

O levantamento revelou ainda que três destas ocorrências foram citadas recentemente e aguardam eventual instauração de inquérito policial. Um outro caso foi cadastrado como Registro Especial, indicando que está destinado apenas ao cumprimento de alguma diligência pendente. 

 

AUMENTO DOS CASOS

Em entrevista do Diário, o procurador do Ministério Público do Trabalho (MPT), Paulo Veloso, destacou que o aumento do número de casos tem relação com a generalização do processo de terceirização e a realização de mais ações fiscalizatórias por parte das instituições responsáveis. 

 

"O combate acontece através das fiscalizações, mas também quando existe a conscientização da população. É preciso que os empregadores saibam que estão sujeitos a responsabilidades penais, administrativas e trabalhistas; e que o empregado tenha consciência de que não é obrigado a trabalhar em situações degradantes”, explica.

 

Veloso explica ainda que o maior número de situações é registrado na zona rural. “De forma prevalente, as ocorrências se passam em áreas rurais, inclusive em locais de difícil acesso. Mas também existem alguns casos no meio urbano, como no serviço doméstico, ou construção civil, onde também há histórico de resgates”, complementa.

 

O procurador do MPT esclareceu ainda que nos casos de terceirização, muitas vezes o tomador de serviço não supervisiona as condições de trabalho dos empregados. “Então, os resgates acontecem muitas vezes em prestadoras de serviço, exatamente porque não há fiscalização adequada e eficiente”, enfatiza.

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RESGATE E PÓS RESGATE

Nas situações em que o trabalhador é encontrado em condições análogas à escravidão, ele passa por um processo chamado “resgate”, em que é retirado daquele local e o vínculo é encerrado. “Além disso, há o pagamento de todas as verbas trabalhistas e indenização por dano moral”, complementa o procurador do MPT.

 

Após serem resgatadas, as vítimas deste tipo de crime podem receber uma assistência oferecida pela Clínica de Enfrentamento ao Trabalho Escravo da Universidade Federal de Uberlândia (Cete/UFU), como explica a coordenadora Márcia Leonora.

 

“Nessa situação chamada ‘pós resgate’, oferecemos o funcionamento da assistência social, com documentos perdidos, acesso a programas sociais, facilitamos o atendimento médico e assistência jurídica completa. Com isso, buscamos restabelecer, quando possível, o vínculo com a família, que muitas vezes é perdido”, esclarece.

 

Além disso, o projeto, que é uma iniciativa da Faculdade de Direito da UFU, visa pesquisar e atuar na prevenção do trabalho escravo contemporâneo, por meio de conversas e atendimentos para esclarecer a população, assim como na demanda de resgatados. Em nove anos de existência, a clínica já atendeu mais de 600 pessoas. 

 

CASO RECENTE

Em janeiro deste ano, o MPT flagrou diversas irregularidades trabalhistas em uma agropecuária em Uberlândia. Durante a fiscalização, foram constatadas práticas como ausência de registro dos funcionários, jornada de trabalho excessiva e locais impróprios para moradia e convivência. A empresa deverá pagar, a título de indenização, o valor de R$ 40 mil pelas condutas ilegais. 

 

A procuradora do trabalho, Isabela Caldeira Lima, que atua no caso, relatou que foram colhidos depoimentos dos trabalhadores, sendo verificadas as práticas de trabalho degradante. 

 

“Entre as irregularidades estão a não concessão de descanso semanal remunerado, péssimas condições de conforto e higiene nos alojamentos, ausência de local adequado para preparo, guarda e conservação de alimentos, não fornecimento de água potável, ausência de instalações sanitárias, não realização de exame admissional. Foi relatado, ainda, a ocorrência de acidente de trabalho com um trabalhador que resultou na perda de parte do dedo da mão esquerda”, explicou. 

 

DENÚNCIAS

A população pode auxiliar o trabalho do Ministério Público do Trabalho (MPT) por meio de denúncias nos canais oficiais. Um deles é o “Sistema Ipê”, que permite que a irregularidade seja informada de forma anônima. 

 

Além dessa opção, o MPT possui um portal que recebe denúncias de qualquer pessoa sobre trabalho em condições análogas à escravidão. Também podem ser feitas queixas pelo telefone (34) 3131-3100. Já as reclamações a respeito de irregularidades trabalhistas em geral podem ser realizadas pelo site do Governo Federal.

 

“As denúncias são muito importantes, já que muitas vezes as ocorrências acontecem em locais de difícil acesso, localidades que o MPT desconhece. Portanto, as denúncias auxiliam as autoridades competentes a tomarem conhecimento sobre os casos e agirem”, destacou o procurador do MPT, Paulo Veloso.

 

TIPIFICAÇÃO PENAL

O trabalho análogo à escravidão é crime e está previsto no artigo nº149 do Código Penal. A pena é de reclusão de dois a oito anos, além de multa, sendo que a irregularidade pode ser tipificada de quatro formas (confira mais abaixo)

 

Além da área criminal, quem pratica a ilegalidade está passível de responsabilização nos âmbitos administrativo e trabalhista. 

 

“Existem as multas decorrentes das inspeções de trabalho, mas também a imposição de uma penalidade administrativa que segue para os cofres do Governo Federal. Nesse contexto, MPT atua para responsabilização do infrator, seja por meio de Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) ou ação civil pública e também a indenização por dano moral coletivo e individual”, salienta o procurador do MPT.

 

SITUAÇÕES QUE CARACTERIZAM O CRIME:

 

Trabalho forçado: aquele para o qual a pessoa não se voluntariou ou está sendo impedida de colocar fim a uma relação que não deseja, ou seja, contra a vontade do trabalhador.

 

Trabalho degradante: realizado em condições que agridem a dignidade da pessoa humana, sem respeitar as condições mínimas estabelecidas na legislação, de modo que a dignidade é violada. Exemplos: negar acesso à água potável ou a banheiros; alojamentos precários; ausência de refeitório. 

 

Jornada exaustiva: quando o trabalho é prestado acima dos limites tolerados pela legislação, sem respeito aos períodos de descanso. 

 

Servidão por dívida: quando o empregado é levado a contrair dívidas com o empregador de modo que não consiga romper com aquele vínculo. Exemplos: oferta de insumos ou serviços relacionados à alimentação ou saúde a preço superior ao de mercado, levando o empregado ao processo de endividamento que impede o término da relação trabalhista.  

 

O TERMO

“O termo ‘trabalho análogo à escravidão’ é utilizado porque o trabalho escravo foi abolido, então o que existe são empregados submetidos a uma condição de vida análoga, ou seja, semelhante à de escravo. “Não existe mais a figura do escravo, então por isso dizemos análogo ou semelhante”, explica o procurador do trabalho Paulo Veloso.

 

SITUAÇÃO NO PAÍS

Segundo o Ministério Público do Trabalho, o Brasil resgatou, somente em 2023, 3.151 trabalhadores em condições análogas à escravidão. O número é o maior desde 2009, ano em que 3.765 pessoas foram resgatadas.

 

Entre os estados, Minas Gerais segue em segundo lugar, com 643 pessoas resgatadas nestas condições, atrás apenas de Goiás, que teve 735 registros no ano passado.

 
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