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20/10/2023 às 09h30min - Atualizada em 20/10/2023 às 09h30min

Violência contra crianças e adolescentes cresce em Uberlândia

Agressões físicas e de lesão corporal tiveram alta de 23% em 2023, comparado ao ano passado

IGOR MARTINS | DIÁRIO DE UBERLÂNDIA
Somente neste ano, Uberlândia registrou 71 casos de violência contra crianças e 152 contra adolescentes | Foto: Agência Brasil
Os crimes de violência contra crianças e adolescentes em Uberlândia tiveram um salto de 23% em 2023, na comparação com o ano passado. Os dados divulgados pela Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp) levam em consideração as notificações registradas entre janeiro e agosto nos dois períodos.

Nos oito primeiros meses deste ano, foram contabilizadas 71 ocorrências de violência contra crianças de 0 a 11 anos de idade. Do total, 41 (57%) foram casos de lesão corporal, quando há ofensa à saúde ou lesão física. Os outros 30 (42%) foram vítimas de vias de fato ou agressão. No ano passado, foram 55 notificações no total.

Contra adolescentes de 12 a 17 anos, o aumento foi de 4,8% nos casos de violência. Entre janeiro e agosto de 2023, foram 152 notificações no total, sendo que 79 (51%) foram de lesão corporal e 73 (48%) de agressões. No ano passado, o total de ocorrências registradas do tipo atingiu a marca de 145 casos.

De acordo com a psicóloga Simone Neves, a violência contra crianças e adolescentes costuma acontecer de várias maneiras e as consequências físicas e psicológicas também se dão de formas diversas. Todo o estresse emocional e sofrimento das vítimas pode acarretar em uma série de prejuízos no curto e longo prazo, na visão da especialista.

Isso por que, segundo a especialista, é durante a infância e a adolescência que os jovens costumam ter o desenvolvimento afetivo, cognitivo e social. De acordo com Simone, uma das reações mais comuns entre jovens que sofrem algum tipo de agressão é o uso de substâncias químicas e alcoólicas, além da repetição do ciclo da violência.

“Nós temos situações autodestrutivas, prejuízos no campo do desenvolvimento cognitivo, como o atraso na aprendizagem. Temos a percepção de que a violência traz estragos significativos, principalmente quando ela ocorre de maneira reiterada. É uma situação de estresse muito grande e, em situações como essa, o corpo tende a se defender. As consequências e os estragos são para uma vida toda”, analisou a psicóloga.


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Ainda segundo Simone Neves, o fato de grande parte dos casos de violência contra crianças e adolescentes serem praticados pelos responsáveis agrava ainda mais a situação. Ao ser vítima de uma agressão, os jovens entram em um paradoxo que pode ser difícil de compreender em uma época de pouca idade.

“A pessoa que me ama me maltrata, a pessoa que me ama é violenta comigo. Essa é a expectativa que a criança ou o adolescente leva para o mundo. Isso afeta completamente suas relações sociais. A violência por parte de pais ou responsáveis se torna ainda mais grave. São pessoas que deveriam proteger aquele jovem”, disse.

Ainda assim, a especialista afirma que é possível verificar sinais de que uma criança ou adolescente esteja sendo vítima de violência. Uma das principais características de jovens que são agredidos é o retraimento excessivo. Nesta idade, as vítimas costumam ficar mais quietas, sendo nítida a alteração no comportamento.

“Os jovens costumam vestir roupas para ocultar as marcas da violência. Ele quer esconder a violência que ele sofreu por medo de ser punido. Possivelmente, o adolescente não vai falar, porque ele se sente culpado. É possível notar o retraimento e a inibição. Um fato muito característico é a violência. Os adolescentes que sofrem agressões geralmente têm um discurso agressivo, além da insegurança”, avaliou Simone.

CONSELHO TUTELAR
O Conselho Tutelar é o responsável por garantir os direitos fundamentais das crianças e adolescentes. O órgão surgiu após a publicação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), atuando sempre que os direitos dos jovens foram ameaçados ou violados pela própria sociedade, pelo Estado e pelos pais ou responsáveis.

Em entrevista ao Diário, o conselheiro tutelar Deivid Tiago Palmezoni, que atua em Uberlândia, falou sobre o trabalho desempenhado pelo órgão na cidade. Segundo ele, o Conselho não atua nas esferas criminais ou investigativas de um possível caso de agressão a menores de idade. Isso compete à Justiça, à Polícia Militar (PM) e Polícia Civil (PC).

Ao ser acionada para averiguar uma ocorrência de agressão, o Conselho Tutelar vai até o local denunciado e orienta a família da vítima sobre a proteção daquela criança ou adolescente. A partir disso, é registrado o Boletim de Ocorrência (BO) e o menor é atendido em uma unidade de saúde, em caso de violência física. No caso de violência sexual, o atendimento deve ser feito pelo Hospital de Clínicas da Universidade Federal de Uberlândia (HC-UFU), através do Núcleo de Atenção Integral a Vítimas de Agressão Sexual (Nuavidas).

“O Conselho Tutelar colhe todas as informações e encaminha para o Centro de Referência Especializado de Assistência Social (Creas), onde vão acompanhar o caso com o nosso monitoramento. Se a vítima não tiver nenhum outro parente, o Conselho faz uma solicitação para o Judiciário para essa criança ou adolescente ter um acolhimento emergencial, no sentido de ir para uma família acolhedora temporariamente. O objetivo disso é promover os responsáveis para que ela retorne para um ambiente seguro. O nosso objetivo não é retirar os filhos das pessoas, mas garantir que eles tenham condições de se recuperar”, disse.

Ainda de acordo com Palmezoni, qualquer pessoa pode contribuir com o trabalho do Conselho Tutelar. O órgão, segundo ele, tem portas de entrada simplificadas. Uma delas é a espontânea, quando o cidadão vai até o local para registrar a denúncia. A lei respalda que quem denuncia tenha o anonimato e não sofra com retaliações.

“Atualmente, o Disque 100 é o melhor mecanismo, porque a pessoa não precisa estar fisicamente no Conselho Tutelar. O anonimato é garantido. A pessoa fala onde está acontecendo o fato, e essa denúncia também chega para a Promotoria de Justiça e para a Delegacia”, relatou.

O Disque Denúncia, através do 181, também pode ser uma opção para denunciar um caso de agressão. A plataforma atua no combate à violência contra o idoso, a mulher, as pessoas com deficiência e a criança e ao adolescente, pelo núcleo de violência doméstica.

Este núcleo foi desenvolvido para monitorar as denúncias cadastradas com o objetivo de priorizar e qualificar o atendimento. O serviço possui parceria com as delegacias especializadas Delegacia Especializada no atendimento de Crianças e Adolescentes Vítimas (DCAV) e Delegacia Especializada na Proteção da Criança e do Adolescente (DPCA) e com os conselhos tutelares, enviando as denúncias e solicitando maiores e melhores providências: https://www.disquedenuncia.org.br/denuncie 

DELEGACIA ESPECIALIZADA
Titular da Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher (DEAM), a delegada Lia Valechi informou que a unidade atua em casos de violência física contra crianças e adolescentes, quando são praticados no ambiente doméstico e familiar. O papel da Delegacia nestes casos diz respeito à responsabilização criminal de cada caso.

De acordo com a delegada, a pena para agressões físicas contra crianças e adolescentes pode chegar a três anos de cadeia, podendo ser agravada se a vítima evoluir para óbito decorrente das lesões. Quando ocorre violência contra os menores, a Delegacia tem a responsabilidade pela instauração de um inquérito para apurar o caso.

“Quando o Conselho Tutelar toma conhecimento do caso, é feita uma notícia de fato para a Delegacia, para que nós procedamos com a apuração dos fatos. O conselho atua para que sejam resguardados os direitos das vítimas e os encaminhamentos devidos. É sempre muito importante que havendo vestígios de lesão, a vítima precisa receber atendimento médico, para depois comprovar o crime de lesão corporal”, detalhou Lia Valechi.

A delegada relatou ainda que a DEAM de Uberlândia tem recebido várias denúncias caluniosas nos últimos tempos, em razão da chamada “alienação parental”. Isso ocorre quando há uma disputa judicial pela guarda da criança ou do adolescente, havendo o interesse de uma das partes na desqualificação de um dos genitores.

“O genitor busca prejudicar a visão da criança em relação ao outro genitor. É algo que acontece juridicamente, buscando ter uma guarda unilateral ou para suspender direitos de visita. Estamos atentos para estes casos de prática de crime de denunciação caluniosa”, disse a delegada.

COMPARATIVOS

Crianças vítimas de lesão corporal – 0 a 11 anos
Janeiro a agosto de 2022: 30 vítimas
Janeiro a agosto de 2023: 41 vítimas

Crianças vítimas de vias de fato/agressão – 0 a 11 anos
Janeiro a agosto de 2022: 25 vítimas
Janeiro a agosto de 2023: 30 vítimas

Adolescentes vítimas de lesão corporal – 12 a 17 anos
Janeiro a agosto de 2022: 56 vítimas
Janeiro a agosto de 2023: 79 vítimas

Adolescentes vítimas de vias de fato/agressão – 12 a 17 anos
Janeiro a agosto de 2022: 89 vítimas
Janeiro a agosto de 2023: 73 vítimas


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