Diário de Uberlândia | jornal impresso e online Publicidade 1140x90
31/05/2023 às 18h58min - Atualizada em 31/05/2023 às 18h58min

Uberlândia registra 1,3 mil casos de violência doméstica no primeiro quadrimestre

Município acumula média de 11 vítimas por dia; número de ocorrências cresceu 5% em relação ao mesmo período de 2022

LUAN BORGES E SÍLVIO AZEVEDO | DIÁRIO DE UBERLÂNDIA
Sinal do X na mão é uma das formas de comunicar atos de violência | Foto: Agência Brasil
Uberlândia registrou, somente nos quatro primeiros meses deste ano, 1.335 casos de violência doméstica. O índice está 5% acima dos números percebidos no mesmo período de 2022, quando 1.269 ocorrências desta mesma natureza foram contabilizadas na cidade. O levantamento, feito pela Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública de Minas Gerais (Sejusp), revela que, em média, 11 mulheres são vítimas do crime todos os dias no município.

Os dados incluem violências física, sexual e psicológica sofrida por mulheres. Em 2023, Uberlândia acumula três feminicídios, sendo dois tentados e um consumado. Em entrevista ao Diário, o delegado-chefe da Polícia Civil em Uberlândia, Marcos Tadeu de Brito, salientou que muitos casos de feminicídio acontecem após atos de violência recorrentes.

 “Há a procura pela Delegacia da Mulher, aí o camarada pede pelo amor de Deus, que estava nervoso, de cabeça quente. Aí volta a fase da “lua de mel”. Passou essa fase, tem as fases de aversões morais, verbais, físicas, que pode culminar no feminicídio. Tivemos dois casos aqui que eram tragédia anunciada. O homem foi preso, vai pro semiaberto, se encontra com a vítima, se reúnem com amigos, têm uma discussão, chega em casa mata a mulher na frente do filho”, lembrou.

O delegado reforça ainda que existem diversos mecanismos para que as mulheres denunciem a violência doméstica. “Para denunciar, temos os Disque Denúncia 181 e 197, além do 190. Teve, inclusive, uma campanha com o X, onde a pessoa vai à farmácia, ao supermercado, o X na mão é um sinal de que ela está sendo vítima de violência. Também é possível ligar no 190 e pedir uma pizza, que também é um sinal de socorro. Hoje, a mulher tem várias possibilidades, canais, de comunicação com órgãos públicos que ela está sendo vítima de violência, além da Delegacia Virtual”.


• Compartilhe esta notícia no WhatsApp
• Compartilhe esta notícia no Telegram


VIOLÊNCIA INFANTIL
A violência doméstica e também sexual não se restringe apenas às mulheres. Outro dado repassado pela Sejusp mostra que em todo o estado, de janeiro a março deste ano, mais de 1,5 mil crianças e adolescentes, com idades entre 0 e 17 anos, já foram vítimas de crimes contra a dignidade sexual, que incluem o assédio sexual, importunação sexual, estupro, estupro de vulnerável, importunação ofensiva ao pudor, corrupção de menores, favorecimento da prostituição. 

A maior parte dessas vítimas, 942, tinham idade aparente entre 12 e 17 anos, enquanto na faixa etária de 0 a 11, foram 595. Os números revelam apenas ocorrências registradas. Por isso, a quantidade pode ser muito maior. 

Quando tinha nove anos, Najara Leite dos Santos, hoje com 38, descobriu que vinha sofrendo abusos de um parente próximo. “Descobri que era vítima de abuso com 9 anos de idade, em uma palestra na escola onde o palestrante disse que ali deveria ter muitas vítimas que não tinham coragem de falar, aí eu descobri que o que eu sofria era abuso sexual. E isso me machucou muito por anos”, relatou.

Mesmo após tantos anos, Najara ainda se lembra da primeira vez que sofreu a violência. “O dia que o correu o primeiro abuso, lembro dele me violentando e eu chorava muito no banheiro da casa da minha avó paterna. Quando ele terminou, chamou a minha mãe e disse que estava com manha, pois eu era tida como uma criança manhosa. Aí minha mãe me pegou e me bateu por eu chorar muito, mas ela não perguntou nada”.

A vítima revelou que a mãe sempre duvidou do ocorrido, já que Najara quando era criança não teve coragem para denunciar. “Mas, como falar se eu era ameaçada. Ainda sofro retaliação por parte da família que acredita que ele é inocente porque ele fala que não fez, que só tinha carinho de tio. Meu pai ainda não consegue lidar com tudo e sofre muito”, contou.

Conviver com essa dor causou problemas de saúde para a vítima, que sofreu sozinha por muito tempo e chegou a desenvolver obesidade mórbida. “Me martirizei, me machuquei muito por anos, adoecia para chamar a atenção que eu nunca tive, passava mal para as pessoas terem dó e querem estar comigo e se preocuparem, desenvolvi obesidade mórbida como forma de armadura e proteção, porque achava que sendo obesa ninguém iria nunca mais pôr a mão em mim sem eu permitir, mas nunca tentei nada contra a minha vida, apenas sofria calada as dores do abuso”.

A terapia foi o que ajudou Najara a superar o problema. Ela, que chegou a pesar 157 kg em agosto de 2022, atualmente está com 71 kg. Hoje, ela realiza um trabalho para auxiliar mulheres vítimas de abusos através das redes sociais. 

“Eu hoje busco ajudar não só as mulheres em si, mas todas as pessoas que têm alguma história com todo tipo de abuso, sexual, físico ou psicológico, até porque sabemos que os números de estatísticas nunca vão ser reais, por muita das vezes o medo tomar conta das pessoas, mas eu hoje levo a minha história e mostro que é possível sim mesmo que depois de anos você se libertar desse trauma se curar e seguir sua vida em frente”, explicou.

ASSISTÊNCIA
Um dos locais onde as mulheres vítimas de violência podem encontrar assistência é na organização da sociedade civil (OSC) SOS Mulher e Família, que oferece assistência multidisciplinar nas áreas de serviço social, psicologia e direito.

Atuando na defesa dos direitos das mulheres e das famílias há 27 anos, a OSC realizou mais de dois mil atendimentos e procedimentos em 2022 e, em sua maioria, dando prestando assistência continuada. Segundo levantamento feito em 54 desses atendimentos continuados, foi constatado que 37% são de violência psicológica, 22%, física, 20%, moral, 11%, patrimonial e 10%, sexual.

“Os serviços oferecidos se dão de forma multi e interdisciplinar, e também articulados em rede, ou seja, toda e qualquer demanda de caso de violência é tanto atendida na OSC a partir de busca espontânea ou encaminhamento de alguma outra instituição. Mas também a OSC encaminha cada caso atendido à outras instituições componentes da rede de enfrentamento às violências contra mulheres, como forma de aprimorar a abordagem especializada de cada caso, pois de modo geral, sempre atuamos na perspectiva de combater, prevenir, dar assistência e garantir que sejam respeitados e aplicados os direitos das mulheres”, explicou Cláudia Cruz, psicóloga na SOS Mulher e Família.

A profissional explicou que a violência deixa marcas impactantes peculiares em cada mulher, afetando todas as esferas de sua vida. “Os diferentes tipos de violência podem se dar, inclusive, de forma simultânea, o que faz com que, por mais que esta mulher mantenha sua ‘rotina de vida’, de certa forma ela ‘carrega’ os impactos desta violência por onde quer que vá. Tal processo, inclusive, pode deixá-la ainda mais vulnerável à violência, visto que manter sua ‘rotina de vida’ e ainda lidar com os impactos da violência, deixa, potencialmente, cada vez mais esta mulher fragilizada e até adoecida física e/ou emocionalmente”, explica a psicóloga.

A psicóloga destacou também a importância de tentar manter uma relação harmoniosa, porém salienta que, a qualquer sinal de abuso e desrespeito, a mulher deve buscar ajuda. 

“Se posicionar diante de comportamentos que se mostrem desrespeitosos, controladores ou mesmo já violentos, é fundamental para que se constitua relacionamento baseado em uma razoável harmonia e onde as diferenças, divergências ou conflitos não se desdobrem, necessariamente, em agressões e violências. Por outro lado, instalada a condição violenta em um relacionamento, faz-se oportuno a busca por serviços especializados, de modo que cada mulher consiga subsidiar-se para construir formas de superar a situação de violência”.



VEJA TAMBÉM:

Tags »
Notícias Relacionadas »
Comentários »
Diário de Uberlândia | jornal impresso e online Publicidade 1140x90