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25/08/2022 às 08h45min - Atualizada em 25/08/2022 às 08h45min

Inspeção em unidades prisionais de Uberlândia revela superlotação, más condições de detentos e casos de tortura

Relatório divulgado pelo Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT) mostra precariedade das instalações, falta de assistência médica e alimentação inadequada

REDAÇÃO I DIÁRIO DE UBERLÂNDIA
Detentos relataram que foram obrigados a beber detergente e urina de outros presos I Foto: ARQUIVO DIÁRIO

Um relatório divulgado pelo Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT) apontou condições precárias em nove unidades prisionais de Minas Gerais, entre eles o Presídio Professor Jacy de Assis e a Penitenciária Pimenta da Veiga, em Uberlândia. O documento cita entre as diversas irregularidades: más condições de alimentação e das celas, falta de assistência de médica adequada, superlotação e até denúncias de tortura.
 
As visitas às instalações foram realizadas em maio deste ano por uma equipe técnica, composta por peritos, especialistas e membros da sociedade civil. O primeiro a ser vistoriado foi o Presídio Professor Jacy de Assis, no dia 2 de maio. Segundo o relatório, 600 presos foram entrevistados a respeito das condições do local.
 
A opção de iniciar a fiscalização pelo Presídio, de acordo com o levantamento, levou em consideração milhares de queixas feitas contra a unidade. Segundo o relatório, o presídio de Uberlândia é o que mais possui denúncias de tortura e violações em unidades prisionais e socioeducativas de Minas Gerais, com um total de 1.266 reclamações.

 

“A Jacy de Assis é historicamente uma unidade marcada por graves denúncias de tortura, que incluíam privação de água e comida, torturas físicas, uso desproporcional de armamentos menos letais, falta de atendimento médico, transferências arbitrárias, castigos coletivos e violências psicológicas”, afirma o documento.

 
INFRAESTRUTURA
A falta de estrutura adequada para alojamento dos detentos foi um dos pontos destacados pelo relatório.  Entre os problemas citados, está a superlotação nas celas. No dia da inspeção, o Presídio Professor Jacy de Assis tinha 1.666 presos para um total de 955 vagas.


 
Foi constatado ainda que os espaços são escuros, insalubres, pouco higiênicos e não possuem aberturas adequadas para circulação de ar. Nas celas não há tomadas, o que impede o uso de ventiladores para épocas de clima mais quente.
 
Na maior parte dos alojamentos, há apenas oito camas. No entanto, alguns locais chegam a alocar mais de 20 presos. “Em algumas celas, encontramos colchões suspensos, sendo usados como redes, o único modo de acomodar todas as pessoas ao mesmo tempo”, informou o documento.



 

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O relatório relata que nas celas há um lavatório de concreto com um cano para saída de água, uma instalação sanitária sem assento e sem tampa e um cano de água para banho. No entanto, segundo informado pelas autoridades, o cano não possui saída externa. Por isso, os presos tiveram que improvisar uma garrafa de plástico para a passagem da água. Além disso, algumas das instalações tinham vazamento, causando alagamento nas celas e proliferação de mofo.
 
Os detentos também relataram que o banho de sol tem ocorrido apenas duas vezes na semana. A legislação prevê, no entanto, o hábito diário por no mínimo duas horas. Outro problema apontado é a falta de produtos de limpeza suficientes para higienização. 
 
“No kit de higiene entregue pelo estado, o único material de limpeza entregue é sabão em pó, em quantidade já insuficiente considerando que a unidade não possui um serviço de lavanderia para uso pelas pessoas privadas de liberdade, ficando por sua conta a limpeza de roupas de uso pessoal, toalhas e roupas de cama”, denuncia o levantamento.
 
Ainda com relação à higiene, são disponibilizados mensalmente quatro rolos de papel higiênico, duas pastas de dente e cinco barras de sabão (inadequados para a pele) para uma cela de até vinte presos.



 

SAÚDE E ASSISTÊNCIA SOCIAL
O relatório também considerou como grave a situação do acesso ao atendimento de saúde no Presídio Jacy de Assis. Apesar da existência de equipe de assistência no local, os detentos do presídio foram encontrados com doenças respiratórias, doenças de pele, além de problemas crônicos como diabetes, hipertensão, epilepsia, sem acesso a medicamentos.
 
Segundo os relatos, há casos de pessoas que disseram estar há 10 anos na unidade sem nunca terem tido acesso um atendimento médico.  Os presos relatam ainda a falta de acesso à assistência social. O contato com os familiares, segundo apontado, tem sido prejudicado. Uma das reclamações é a dificuldade de realização de cadastro de visitantes, além da demora no recebimento das correspondências enviadas pelas famílias.
 
ALIMENTAÇÃO
O acesso à alimentação e à água potável também foi apontado como precário no presídio Jacy de Assis. De acordo com o relatório, as refeições são distribuídas entre o café da manhã, às 9h, o almoço, por volta de 12h, e o café da tarde, que é entregue junto com o jantar, aproximadamente às 15h. Os presos não têm acesso ao lanche noturno e o intervalo entre a última e a primeira refeição é de cerca de 16 a 18 horas.
 
A qualidade das marmitas também foi alvo de reclamações tanto dos presos quanto dos servidores. Um dos detentos disse que já encontrou “um pedaço de vidro” junto com a comida disponibilizada pela unidade. De acordo com os relatos, não há talheres ou colheres. Para se alimentarem, os presos fabricam os utensílios de forma improvisada.



 

A água, na maioria das celas também é limitada, sendo aberta apenas três vezes ao dia por 30 minutos. Os detentos armazenam parte em tanques improvisados no fundo da cela e utilizam para consumo, higiene pessoal e das roupas, além da limpeza das celas. Segundo o relatório, houve diversas queixas de que a água é imprópria para consumo.
 
VIOLÊNCIA
Os depoimentos dos presos relatam ainda que o banho de sol é marcado por agressões físicas e verbais cometidos pelos policiais penais. Segundo os relatos, os servidores fazem um “corredor polonês” para bater nos presos enquanto passam. Alguns deles disseram que foram retirados da cela e obrigados a beber detergente e urina de outras pessoas presas. O fato teria ocorrido entre fevereiro e março de 2022.
 
Outros detentos informaram ainda que policiais penais utilizam de uma bomba, chamada “urso branco”, que é jogada dentro de celas fechadas. O explosivo solta um pó branco que exala um odor que entorpece e provoca a perda dos sentidos nos presos. O uso do artifício em ambientes fechados é contraindicado, segundo a ONU, pois oferece risco de morte ou ferimentos graves por asfixia.
 
PIMENTA DA VEIGA
A equipe de fiscalização também esteve na Penitenciária Pimenta da Veiga, no dia 3 de maio, e constatou diversas irregularidades. Uma delas foi identificada na cela de triagem, que possui apenas 4 m² e instalação insalubre, sem ventilação adequada.
 
Alguns presos estavam dividindo este mesmo local há mais de um mês, sem acesso a banho de sol. A cela de triagem, segundo as autoridades, tem como finalidade a custódia de no máximo uma ou duas pessoas por tempo determinado, que estejam aguardando transporte, seja para audiência, consulta médica ou transferência.
               
O excesso de detentos em celas, assim como no presídio, também foi identificado na penitenciária. Em estruturas do pavilhão feminino, havia seis camas para nove mulheres, sendo que algumas eram obrigadas a dormir no chão com colchões de 7 centímetros de espessura.
 
A falta de ventilação adequada se repete, assim como no Jacy de Assis. Além disso, no fundo das celas, há uma instalação sanitária sem assento e sem tampa. Não há chuveiros e, sendo assim, os detentos são obrigados a tomar banho frio. Nos alojamentos, foi relatada a presença de ratos, baratas, mosquitos e escorpiões, principalmente na época do verão.
 
O banho de sol é limitado a três vezes por semana. O relatório também apontou um déficit de 82 servidores de segurança na unidade. Profissionais que atuam na penitenciária relataram que “não dão conta” da demanda da unidade.
 
Em relação à assistência médica, a fiscalização identificou um elevado número de mulheres que fazia automutilação como única forma de conseguir atenção e ter acesso ao atendimento na saúde. Detentos relataram ainda atendimentos odontológicos para cirurgia dentária sem uso de anestesia. Há ainda um depoimento de uma mulher portadora de HIV/AIDS que disse ter ficado 30 dias sem receber o coquetel de remédios. Ela disse que chegou a desmaiar várias vezes por conta da ausência do remédio.
 
As detentas relataram também um caso registrado em junho de 2021. Uma das presas teria clamando por socorro, após passar mal na ala feminina da unidade durante o dia todo. Sem atendimento médico, ela teria morrido sem assistência no dia seguinte por conta de um infarto. A denúncia foi encaminhada ao Ministério Público Estadual.
 
A mesma questão da precariedade da alimentação citada no Presídio Professor Jacy de Assis também foi relatada na penitenciária. Segundo os depoimentos, os detentos ficam por um período de aproximadamente 17 horas sem receber nenhuma refeição. “As marmitas estragam com facilidade, quando já não chegam azedas, o que impossibilita inclusive que sejam guardadas para serem comidas mais tarde. Foi relatado que, por vezes, a comida chega com mau cheiro, azeda e com cabelo e a salada, conforme informações colhidas em entrevista, às vezes chega com caramujos”, informou o relatório.
 
As reclamações também apontam má qualidade da água para consumo, que, segundo detentos, já sai suja do cano. A situação se repete também em relação ao kit higiene fornecido pelo estado, assim como a dificuldade para acesso às correspondências enviadas por familiares.

O QUE DIZ O ESTADO
Em nota, a Secretaria de Estado e Justiça e Segurança Pública (Sejusp) informou o recebimento do relatório do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura. Conforme relatado pelo órgão, o documento já começou a ser avaliado pelas equipes técnicas da secretaria.

O comunicado afirma ainda que os problemas de superlotação em algumas unidades prisionais são realidade não apenas em Minas Gerais, mas em todo o país. Além disso, a Sejusp ressaltou que os apontamentos do relatório estão relacionados a nove das 224 unidades responsáveis pelo acautelamento de adultos e adolescentes em todo o estado e, portanto, a secretaria não considera que os relatos podem ser generalizados ao nível de todo o sistema prisional e o socioeducativo.

"Somadas as entregas e ampliações dos últimos dois anos, já são mais de 1.300 novas vagas geradas no prisional e socioeducativo, além de R$ 77 milhões assegurados para a melhoria das condições estruturais desses locais. A Sejusp não compactua com eventuais desvios de conduta de qualquer servidor e tem uma postura de apuração célere e prioritária para casos relacionados a possíveis abusos com acautelados. A secretaria possui corregedoria própria e, o Estado, uma ouvidoria do sistema prisional e socioeducativo", diz a nota.


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