Buscando auxiliar na recuperação efetiva de membros comprometidos por um Acidente Vascular Cerebral (AVC), pesquisadores da Universidade Federal de Uberlândia (UFU) desenvolveram um sistema de treinamento utilizando realidade virtual. A iniciativa se trata de um jogo para reabilitação de pessoas com sequelas nos braços após terem sido acometidas pela patologia.
O jogo foi criado em 2019 por um grupo de pesquisadores da Faculdade de Engenharia Elétrica (Feelt), os então mestrandos Gabriel Cyrino e Júlia Tannús, além do doutorando Leandro Mattioli e os professores Eduardo Naves e Edgard Lamounier. O AVC, popularmente chamado de derrame, acontece quando os vasos que levam sangue ao cérebro entopem ou se rompem, provocando paralisia da área cerebral afetada e, consequentemente, de outras partes do corpo.
A novidade era controlada por meio de um aparelho chamado Myo. O equipamento conseguia capturar os movimentos do braço do paciente, mas de uma forma livre. Já para calcular o grau de espasticidade, foi desenvolvido um dispositivo no Núcleo de Tecnologia Assistiva (NTA), por Andressa Rastrelo Rezende e Camille Marques Alves, que eram mestrandas do Programa de Pós-Graduação em Engenharia Biomédica (PPGeb) da UFU.
Conhecidos como Jogos Sérios, eles são utilizados de forma educacional e já existem para o tratamento de AVC, mas, em sua maioria, não detectam movimentos compensatórios. Algumas formas de compensação são claras, mas outras são sutis o suficiente para passar despercebidas, como a utilização do outro membro, movimento no tronco e ombros, e outras formas de facilitação, sendo confundidas com recuperação.
A falta de detecção desses movimentos compensatórios pode levar o paciente a aprender padrões novos e incorretos, comprometendo as sessões de treinamento. Pensando nisso, Cyrino, agora em seu doutorado em Engenharia Elétrica na UFU, se uniu às fisioterapeutas Najara Zago e Roberta Aramaki, ao professor de Engenharia Elétrica Alexandre Cardoso e ao professor de Engenharia Biomédica Alcimar Soares para aprimorar o sistema e detectar os movimentos compensatórios. O trabalho também contou com o apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), com o Grupo de Realidade Virtual e Aumentada (GRVA) e com o Laboratório de Engenharia Biomédica (BioLab) da UFU.
“Após a defesa e testes dessa versão de 2019, nos aproximamos mais no BioLab e identificamos várias formas de dar continuidade ao projeto e corrigir a principal falha apontada na primeira versão: a captura com o Myo permitia que o paciente fizesse movimentos compensatórios que poderiam agravar o estado dele ao invés de reabilitar”, explicou Cyrino.
Desse modo, os pesquisadores desenvolveram um sistema que consiste em um Jogo Sério de realidade virtual personalizável, com níveis e tarefas adaptáveis. A interação com o jogo é feita através de uma alça de uma plataforma robótica que pode ser configurada para estimular ou restringir a execução dos movimentos. “A solução permeada por Jogos Sérios parece indicar que a utilização dos mesmos suporta bons tratamentos de natureza fisioterápica e de reabilitação de usuários que sofreram AVC”, enfatizou Alexandre Cardoso.
O SISTEMA
O modelo proposto é dividido em três elementos principais: uma plataforma robótica, um Jogo Sério e uma rede de rastreamento. No jogo, o paciente deve controlar uma ave de rapina para caçar e fugir de predadores, com objetivos e desafios a serem cumpridos. Para isso, são colocados rastreadores de movimento 3D em diferentes pontos do braço parético, aquele afetado pelo AVC. Por meio desses rastreadores, é possível detectar um movimento compensatório.
Por exemplo, se no jogo o pássaro precisar virar para a direita e o sistema detectar que o paciente está utilizando um movimento compensatório, o pássaro não se move, induzindo o paciente a fazer os movimentos corretamente. O sistema também é composto por um painel de controle, onde o terapeuta pode cadastrar, alterar e consultar os dados do paciente, configurar os parâmetros gerais do ambiente virtual, selecionar os níveis de cada sessão e adaptar os desafios para cada um deles.
“A maioria dos Jogos Sérios se limitavam a simples ambientes 2D ou ambientes 3D de baixa qualidade gráfica, o que poderia afetar o interesse e o engajamento do paciente. Assim, o Harpy Game foi concebido, onde, através de um ambiente lúdico e realista, permitiria ao fisioterapeuta a customização dos níveis e tarefas a partir de um painel de controle desenvolvido”, explica Cyrino.
Para o experimento, foram utilizados cinco rastreadores posicionados no peito, braço, antebraço e mão, além de um rastreador utilizado como referência. A partir dos dados coletados e de uma análise utilizando um modelo musculoesquelético biomecânico, é possível corrigir os movimentos compensatórios. Como resultados, os pesquisadores perceberam que a utilização de um sistema integrado pode ser de grande valia para o processo de reabilitação neurológica, principalmente quando realizada em ambientes altamente ajustáveis que respeitam as limitações individuais, oferecendo ao terapeuta ferramentas para analisar a evolução e os resultados do tratamento.
Cyrino destaca que o principal desafio é o tratamento dos dados capturados para identificação e classificação dos movimentos. “Assim, será possível identificar, por exemplo, quais conjuntos musculares foram ativados e quais não foram, para que o fisioterapeuta possa retroalimentar o tratamento com tais informações”, completou.
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