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02/02/2022 às 18h30min - Atualizada em 02/02/2022 às 18h30min

Pais questionam limitação de vagas para crianças deficientes em escolas municipais de Uberlândia

Município publicou instrução normativa que delimita em 10% número de matrículas por turma nas instituições; determinação fere estatutos da Pessoa com Deficiência e pode ser considerada inconstitucional, segundo a Comissão da OAB

SÍLVIO AZEVEDO
Município publicou instrução normativa que delimita em 10% número de matrículas por turma nas instituições I Foto: PMU/DIVULGAÇÃO
Uma instrução normativa publicada em novembro de 2021 pela Prefeitura de Uberlândia que limita em 10% a capacidade máxima de vagas ofertadas por turma para alunos com deficiência nas escolas municipais está gerando dificuldades para pais com filhos autistas que precisam realizar as matrículas neste início de ano.
 
Um dos pontos questionados por alguns responsáveis é que essa redução da oferta está obrigando os pais a procurarem escolas mais distantes de casa. As reivindicações chegaram ao Diário de Uberlândia por meio de um coletivo de pais de crianças autistas.  Por meio das redes sociais, o “Coletivo Amor Autista” trouxe o problema à tona. “Recebemos denúncias de pais de crianças autistas de Uberlândia que tiveram vaga negada próximo da sua residência devido a uma instrução normativa (que é inconstitucional) que limita em 10% o número de crianças com deficiência por turma nas escolas municipais”, diz a publicação.
 
Segundo o Coletivo, com a falta da vaga em uma escola próxima a residência, muitas mães precisariam se deslocar de ônibus para garantir a frequência dos filhos às aulas. Um dos argumentos utilizados pelos pais é que o Transtorno do Espectro do Autismo (TEA) pode causar crises durante o trajeto. Em entrevista à reportagem, a representante do Coletivo Amor Autista, Maria Bertolino, que é mãe de uma criança com autismo, relatou o problema. “Entre as conversas com mães, elas relataram a dificuldade de pleitear uma vaga prioritária na educação infantil e ensino fundamental da sua comunidade, pelo fato de a Prefeitura ter divulgado a instrução normativa. Então, essa já começou a sentir o impacto negativo dessa instrução”, destacou.
 
 “A gente tem toda a problemática estrutural e as pessoas não reconhecem a deficiência invisível. A criança pode entrar em crise porque o movimento brusco, ônibus lotado, muito cheiro, muito estímulo. Desorganiza essa criança e faz com que ela entre em crise, porque isso é uma característica do autismo, principalmente nos primeiros anos de vida, que a criança está em adaptação na questão da socialização”, disse Maria Bertolino.
 
MATRÍCULA NEGADA
O professor universitário José Celson Braga é um dos pais que está tendo que enfrentar o problema. Ele tentou matricular o filho de três anos, que é portador de transtorno do espectro autista (TEA) em uma escola municipal de educação infantil de rede municipal no Santa Mônica, mas foi surpreendido com a notícia de que não conseguiria uma vaga na escola, que fica próxima de casa.
 
Quando foi procurar saber o motivo, foi informado a respeito da instrução normativa. “Quando procurei a escola, descobri que tinha sido porque a Secretaria de Educação colocou uma instrução normativa que limita 10% das vagas das turmas são para crianças com deficiência. Entrei com recurso, detalhando informações de renda, detalhando outras informações. Recebi um documento negando a vaga e dizendo que seria por conta da instrução normativa e que a escola é pequena, funcionando em um uma casa e não tinha um espaço suficiente”, relatou.
 
Após recorrer e, mais uma vez ter o pedido negado pela escola, ele recebeu a orientação de que deveria aguardar o período de matrícula. Foi então que o pai decidiu procurar o Conselho Tutelar. “A lei vem a dizer que a criança tem direito a educação. Fui ao Conselheiro Tutelar e disse que o direito da criança estava sendo ferido com a instrução normativa. Eles afirmaram não estar sabendo dessa instrução”, disse Celson.
 
Ainda de acordo com o professor, o assunto foi parar no Conselho Municipal de Educação, que convocou uma reunião extraordinária e o pai foi convidado para relatar o problema e a Secretaria de Educação para explicar a situação. Porém, antes da reunião, Celson recebeu a ligação da Prefeitura disponibilizando vagas em escolas de período integral ou em bairros distantes de onde mora.
 
“Meu filho faz terapia de manhã e eu queria uma escola a tarde, mas as opções foram de escolas distantes ou de tempo integral. Como pai não vejo isso como inclusão. Como vou colocar meu filho no período integral se ele faz terapia de manhã e as aulas vão até às 15h? Como eu tiro uma criança 11h da terapia, almoça e 12h, 13h, deixo ele na escola e busco às 15h. Como ele vai acompanhar as atividades da escola oferecidas durante o dia?”, questionou.
 
Passada a reunião do Comitê Municipal de Educação, Celson disse que lhe ofereceram uma vaga em outra escola no bairro onde mora. “Então estou esperando essa semana as escolas voltarem para fazer a matrícula. Então estou aguardando”, disse.
 
Além da legalidade da instrução normativa, a representante do Coletivo de Pais também disse que a Prefeitura promoveu uma substituição de professores especializados no apoio às crianças com limitação. “É uma barreira a mais para a criança de ter o direito de ir à escola a pé, próxima a casa dela sem passar por mais dificuldades sociais que a condição já traz naturalmente. O ideal seria a Prefeitura adaptar, aumentar o profissional de apoio, pois existe um cargo específico para atender essa demanda. Antigamente era o professor de apoio, que era formado e especializado. A prefeitura já criou um cargo de nível médio, profissional de apoio, já sucateou. Então já que já fez esse sucateamento, deveriam ampliar esse profissional para atender a demanda, não fazer uma instrução normativa para enxugar o número de crianças com deficiência nas escolas”, questionou.
 
NORMATIVA INCONSTITUCIONAL
De acordo com a vice-presidente da Comissão da Pessoa com Deficiência da OAB Uberlândia, Fernanda Pantaleão, os parágrafos da instrução normativa que determinam essa porcentagem de vagas para crianças deficientes são inconstitucionais, pois ferem, além da Constituição Federal (CF), os estatutos da Pessoa com Deficiência (EPD) e o da Criança e do Adolescente (ECA).
 
“Além disso, se a gente for aprofundar, se a gente pegar o Estatuto da Pessoa com Deficiência, de 2015, no artigo 98 tem uma alteração que é feita em uma legislação de 89, que constitui crime punível cancelar, suspender, cessar a inscrição de alunos em estabelecimentos de ensino de qualquer curso ou grau, público ou privado, em razão da deficiência”, disse.
 
Ainda de acordo com Fernanda Pantaleão, não há razão para limitar a quantidade de crianças com deficiência, gerando sentimento de exclusão. “A criança, além de tudo, está nos primeiros contatos com a sociedade e se estabelecerá através da escola. Essa imposição, que gera uma dificuldade para os pais, vai trazendo várias violações nos direitos da criança e do adolescente que não vai interferir meramente, só, na educação, mas no desenvolvimento da criança propriamente dito”, destacou.
 
Com a instrução normativa em mãos, a vice-presidente da Comissão da Pessoa com Deficiência da OAB Uberlândia afirmou que buscará outros pontos questionáveis na Instrução Normativa e que a questão será debatida na reunião da Comissão da Pessoa com Deficiência da OAB Uberlândia para tentar, junto ao poder público, derrubar os parágrafos que limitam a quantidade de alunos com deficiência nas escolas.
 
“Junto com a Comissão vou levar para verificar uma forma de derrubar isso. É uma forma explicita de exclusão. Não há qualquer motivo. O Estatuto da Pessoa com Deficiência não limita, pelo contrário, são formas de garantia de que haja aplicação dos direitos. E isso (instrução normativa) está limitando o acesso a um direito. Isso é grave”, reiterou.
 

O QUE DIZ O MUNICÍPIO
A reportagem questionou a Prefeitura de Uberlândia sobre a quantidade de vagas, assim como o número de alunos com deficiência matriculados e na lista de espera nas escolas municipais. O Diário também questionou o motivo da limitação de 10% das vagas para as turmas e quais os critérios utilizados para a distribuição dessas vagas.

O Município também foi questionado sobre a substituição de professores especializados, ponto levantando pela representante do Coletivo de Pais Autistas nesta matéria. Entre os questionamentos, o Diário perguntou sobre o motivo de essa alteração ter sido feita e se houve perda na qualidade do serviço ofertado. 

A respeito da instrução normativa, o Município disse por meio de nota que essa ação tem o intuito de atender da melhor forma os estudantes com deficiência, não lhes sendo negado o direito à vaga nas escolas (regulares), conforme preconiza a Constituição Federal, a LDBEN e demais dispositivos legais.

A Prefeitura disse que não há limite de vagas para estudantes com deficiência e que, quando as escolas recebem inscrições desses alunos, esses são classificados em ordem prioritária de atendimento ou direcionados para unidades localizadas nas proximidades de suas residências. 

Esclareceu ainda que não exclui os estudantes por suas diferenças e que o intuito desse "limite de 10%", o que de acordo com o Município oferece ainda a possibilidade de análise, já que é só um parâmetro de organização, de estudantes públicos da Educação Especial "por sala", é ofertar um trabalho de qualidade. 

Segundo a nota, são avaliados aspectos como o tamanho da sala de aula, a condição dos estudantes (se fazem o uso de cadeira de rodas, por exemplo), organização dos apoios em sala de aula quando for o caso (profissional de apoio escolar, intérprete educacional).  De acordo com o Município, quando ocorre a situação de não haver vaga devido ao contexto apresentado, o estudante é remanejado para outra escola e não fica sem vaga, tendo direito ao transporte escolar. Esclareceu ainda que todas as deficiências são atendidas.
 
A respeito do questionamento feito sobre a substituição dos professores especializados, observação feita pela representante do Coletivo de Pais Autistas, o Município disse que há um equívoco, pois, com o novo Plano de Cargos e Carreiras da Educação, foram criados os cargos de profissionais para atuarem nos serviços da Educação Especial disponibilizados nas escolas municipais, que atuam junto aos estudantes em sala de aula e em questões de alimentação, locomoção e higienização. 

Disse também que oferece formação continuada a esses profissionais e acompanhamento in loco nas escolas por profissionais especializados que compõem a equipe da Educação Especial no centro de estudos. Esclareceu ainda que a Rede Municipal de Ensino conta com professor de Atendimento Educacional Especializado, professor de Braille, professor/instrutor de Libras, intérprete de Libras/ intérprete educacional e profissional de apoio escolar.

A Prefeitura informou que atualmente existem 2.444 estudantes declarados como deficientes matriculados na Rede Municipal de Ensino e OSCs parceiras da SME. Neste momento, há oito crianças inscritas em processo de matrícula a ser concluído antes do dia 7 de fevereiro, quando haverá o início das aulas.

A respeito do caso do pai que buscou uma vaga no EMEI Santa Mônica, a Secretaria Municipal de Educação esclareceu que foi ofertada uma vaga ao pai em turnos e escolas diversos, porém, houve recusa. Segundo o Município, o procedimento foi registrado em Ata com a assinatura do pai e que a demora em finalizar o processo ocorreu pelo fato de que as vagas ofertadas não foram aceitas.

A Secretaria Municipal de Educação disse que continuou buscando a vaga no turno pretendido pelo pai, tendo sido aceita pela família a que foi disponibilizada na EMEI Zacarias Pereira da Silva. O Município afirmou que aguarda a presença do responsável para a formalização da matrícula.


 

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