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01/10/2021 às 12h32min - Atualizada em 01/10/2021 às 12h32min

Em busca de igualdade, vereadoras de Uberlândia ainda sofrem com violência política

Nova lei sancionada pelo Governo Federal prevê regras para prevenir preconceito contra parlamentares femininas

SÍLVIO AZEVEDO
Gilvan Masferrer (DC) encontrou dificuldades mesmo antes de lançar sua candidatura | Foto: ALINE REZENDE/CMU
O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) sancionou sem vetos no início de agosto uma lei que estabelece regras para prevenção e combate a violência política contra mulheres. Com a publicação da medida no Diário Oficial da União, qualquer conduta que restrinja ou impeça os direitos políticos da mulher ou faça distinção de gênero será considerada crime. O Diário de Uberlândia conversou sobre o assunto com representantes femininas na Câmara Municipal e traz um panorama da atual realidade e a relação delas com o restante do legislativo, que por muitos anos foi dominado pelos homens.
 
Em seus 133 anos, Uberlândia teve apenas 20 mulheres vereadoras, sendo a primeira delas Maria Dirce Ribeiro, eleita pelo Partido Social em 1954. A atual legislatura registrou a eleição da maior bancada feminina da história, com oito parlamentares, sendo que uma, Drika Protetora (Patriota), faleceu em fevereiro decorrência da covid.
 
Em seu quinto mandato como vereadora, Liza Prado (MDB), lembra os desafios vivenciados durante sua primeira campanha vitoriosa, em 1992. “Engraçado que foi só começar os trabalhos que acabou o chocolate, as flores, acabaram as gentilezas. Esse negócio de ser a única mulher no meio de tantos homens era complicado porque a gente percebia que nos campos das ideias, sempre fui muito de ideias progressistas e as gentilezas, com minha posição firme, se esgotaram”, disse.
 
Em entrevista ao Diário, a parlamentar também comentou sobre o período em que assumiu cargos de liderança como superintendente do Procon em Uberlândia e presidente da Fundação de Educação para o Trabalho de Minas Gerais (UTRAMIG), do Governo de Minas, geridos, historicamente por homens.
 
“Tive que mostrar competência, liderança e estudar muito, porque em cada lugar que passei, dominar o que fazia, era fundamental. Todo que lugar que comecei, quando é mulher no meio político, as pessoas questionam a capacidade e aí você tem que mostrar mais do que o homem. Tem que provar que tem competência. Parece que do homem não existe essa cobrança”, afirmou Liza.
 
Eleita para o primeiro mandato em 2020, Cláudia Guerra (PDT) já milita nos campos do direito das mulheres desde 1992, quando se tornou pesquisadora da área. Mesmo com tanta experiência, inclusive fundando a ONG SOS Mulher e Família, em 1997, e o Conselho dos Direitos das Mulheres, em 1998, foi conhecer mais a fundo a violência política de gênero no legislativo como vereadora.
 
“Mesmo que tenha toda experiência, doutorado, extremamente qualificada, a gente verifica como é interessante a questão de gênero. Uma Câmara ainda predominantemente masculina, e somos sete mulheres. Somos ideologicamente mulheres diferentes, respeito a todas, mas somos diferentes em temos de projetos e visão de mundo, mas ainda é perceptível essa violência política de gênero no sentido de observações e comentários relativos à roupa, comportamento, e que não são recorrentes em relação a homens”, comentou Cláudia.
 
A vereadora também disse que mais de uma vez teve o discurso de debate “traduzido” indevidamente por colegas parlamentares homens, ficando com sentimento de que tentou ser desqualificada por ser mulher.
 
“Já aconteceu mais de uma vez de eu participar do debate, fazer colocações assertivas, com colocações didáticas bastante claras, e um colega vereador pegar o microfone na tribuna e querer traduzir o que eu disse. As mesmas palavras. É como se tivesse me desqualificando por eu ser mulher. Eu percebi na hora, comentei, não deixei passar em branco. Não me coloco no lugar de coitada, mas como uma igual, mencionei exatamente no momento. Pontuei o estranhamento de um colega, por ser homem, achar que tem mais condições, inclusive, de traduzir o que estava dizendo”, relatou.
 
TRANS
Se para uma mulher cisgênero já existe desconfiança e preconceito, para uma trans a violência política pode ser ainda maior. Também eleita para o primeiro mandato em 2020, Gilvan Masferrer (DC) encontrou dificuldades mesmo antes de lançar sua candidatura.
 
“Mesmo antes de me eleger, foi difícil encontrar um partido que me acolhesse e que apostasse em mim. A minha candidatura foi a segunda mais barata da atual legislatura, até porque foram pouquíssimos os que acreditaram em mim a ponto de me apoiar. Graças a Deus, eu consegui votos suficientes para me eleger e, dia após dia, eu tenho tentado mostrar o que sou capaz com o meu trabalho”, disse.
 
No plenário, Gilvan constatou que há desrespeito com as parlamentares mulheres, inclusive no uso da palavra. “Isso a gente pode comprovar, por exemplo, quando nós subimos na tribuna e não somos ouvidas porque os demais viram as costas, conversam em voz alta. Ou ainda quando julgam desnecessários projetos que visam à equidade de gênero”.
 
A parlamentar reclama ainda da forma de tratamento que recebeu no início dos trabalhos. “Se já é difícil paras as mulheres ‘cis’, imagina para mim que sou trans! No início, insistiam em me chamar de ‘vereador’, se recusando a me tratar no feminino. Sem falar quando meus projetos vão para votação que preciso fazer o possível e o impossível para conseguir apoio e driblar o conchavo daqueles que votam ‘não’ para minhas propostas simplesmente porque são inclusivas”, destacou.
 
PROCURADORIA
Após quatro anos de espera, foi implementada a Procuradoria da Mulher na Câmara de Uberlândia, tendo Cláudia Guerra como procuradora e Gilvan, Dandara (PT) e Taís Andrade (PV) como subprocuradoras.
 
“A procuradoria tem dois braços. Um que é preventivo contra a violência contra a mulher, e o outro combater a violência política de gênero, inclusive com formação, ações educativas, preventivas. Sabemos o quanto essa violência acaba inibindo as mulheres, tanto no pleito eleitora, quanto durante a campanha e depois de eleitas”, explicou Cláudia.
  A parlamentar lembrou de casos de violência política contra mulheres nos últimos anos. “Temos casos de assédio sexual, o assassinato da Marielle Franco também pode ser visto como exemplo de perseguição, além de vários outros no Brasil. Os índices são grandes. É muito difícil uma mulher que entrou na vida política e não tenha passado por isso, ou que não tenha percebido que sofreu violência política de gênero. Então a procuradoria acaba cumprindo essa função, também”.
 
Cláudia também comentou sobre a instituição da Comissão Permanente dos Direitos das Mulheres na Câmara, da qual é relatora. “São espaços importantes para afirmar as mulheres na politica e tentar reduzir esse processo de exclusão e discriminação”.
 
MAIS SOBRE A LEI
De acordo com a nova lei aprovada em âmbito nacional, fica vedada toda ação, conduta ou omissão com a finalidade de impedir, obstaculizar ou restringir os direitos políticos da mulher, bem como qualquer distinção, exclusão ou restrição no reconhecimento, gozo ou exercício dos seus direitos e das suas liberdades políticas fundamentais, em virtude do sexo.
 
Os partidos políticos também deverão fazer sua parte, obrigando que no estatuto de cada legenda contenha normas de prevenção, sanção e combate à violência contra a mulher.
 
Também houve alterações na legislação que rege os pleitos. A publicação incluiu no Código Eleitoral a previsão de crimes contra mulheres, entre eles, publicidade que deprecie a condição da mulher ou estimule sua discriminação em razão do sexo feminino, ou em relação à sua cor, raça ou etnia. A autora do projeto de lei é a deputada carioca Rosângela Gomes (Republicanos).


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