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23/06/2021 às 12h10min - Atualizada em 23/06/2021 às 12h10min

Justiça do Trabalho registra queda de quase 40% no total de ações trabalhistas em Uberlândia

Redução foi verificada em três anos, de 2017 a 2020; Reforma Trabalhista e a pandemia estão entre as causas da diminuição de processos

LORENA BARBOSA
Segundo o juiz Marco Aurélio Treviso, com a pandemia, houve diminuição na empregabilidade | Foto: Arquivo pessoal
Dados da Justiça do Trabalho de Uberlândia apontam queda de quase 40% no número de ações trabalhistas em três anos. Além das dificuldades trazidas pela pandemia do coronavírus, a Reforma Trabalhista de 2017, sancionada pelo então presidente Michel Temer, também reduziu o acesso do trabalhador à Justiça. No ano de 2017, Uberlândia tinha uma média de quase 12.400 processos trabalhistas por ano. No ano seguinte, em 2018, essa média caiu para 7.600. Em 2020, a quantidade média de ações trabalhistas foi de 7.500, chegando à queda de 39,51% em três anos.

De acordo com o juiz da 1º Vara da Justiça do Trabalho de Uberlândia, Marco Aurélio Marsiglia Treviso, a reforma trouxe algumas dificuldades para que o trabalhador possa ingressar com ações na Justiça do Trabalho. Ainda segundo o juiz, a pandemia contribuiu com a queda porque muitos trabalhadores tiveram seus contratos encerrados e houve diminuição na empregabilidade.

A partir da reforma trabalhista de novembro de 2017, o trabalhador que ingressa na Justiça do Trabalho e perde a ação, ou parte dela, pode ser condenado a pagar os honorários do advogado da parte contrária, chamado no meio jurídico como honorário de sucumbência, que, no caso, são dos advogados das empresas. De acordo com o juiz, a norma trabalhista acaba sendo mais prejudicial se comparada à Justiça comum.

“Qualquer pessoa que vá à Justiça tem direito de não pagar os honorários de sucumbência à parte contrária, mesmo se perder a demanda, caso seja considerado pobre na acepção jurídica da palavra. Com exceção a essa regra é o trabalhador. Só que o trabalhador é a pessoa que mais precisa do poder judiciário. E o trabalhador desempregado é a pessoa que mais é considerada pobre, para todos os efeitos, visando ajuizar uma demanda. Isso sem dúvida nenhuma faz com que haja um distanciamento do trabalhador em relação à procura do poder judiciário”, disse o juiz.

INIBIÇÃO
A advogada e presidente da OAB Uberlândia, Angela Botelho, tem observado que, desde 2017, houve uma inibição daquele trabalhador que tem algum problema na empresa, seja ele o excesso de trabalho na jornada do colaborador, o assédio moral, o não pagamento de verbas, o trabalho excessivo, o desvio de função, entre outros. “Às vezes, está sendo difícil o trabalho dentro do ambiente de trabalho e ele [trabalhador] não consegue fazer provas suficientes para entrar com o processo trabalhista. É preciso ter provas documental ou testemunhal”, explicou   Angela Botelho.



Em concordância com a avaliação do juiz da 1º Vara da Justiça do Trabalho de Uberlândia, a advogada e presidente da OAB Uberlândia também acredita que a cobrança dos honorários de sucumbência pode ter gerado esse afastamento do trabalhador do poder judiciário.

Ela orienta que, para entrar com uma ação trabalhista, o trabalhador tem que levar ela enxuta e quase na certeza de que vai ganhar. "Às vezes, você tem R$ 10 mil de um pedido que você ganhou, mas, em compensação, você tem que pagar honorários de sucubência sobre um pedido de R$ 500 mil que você perdeu, aí se for 10% é R$ 50 mil, ou seja você não vê nem parte do que ganhou e ainda fica devendo. Se você tiver patrimônio, o seu patrimônio responderá por essa dívida. E é vice-versa, se a empresa perder, ela tem que pagar honorários para o advogado do empregado”, concluiu.

Este ponto é objeto de questionamento no Supremo Tribunal Federal (STF), desde 2017. O pedido é para que esse artigo da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) seja considerado inconstitucional porque fere o acesso da população ao poder judiciário. Mas a ação ainda não foi julgada.

PANDEMIA
O juiz da 1º Vara da Justiça do Trabalho de Uberlândia, Marco Aurélio Treviso, destacou que as demandas judiciais relacionadas à pandemia devem surgir no futuro. Segundo o juiz, o trabalhador tem dois anos, contado o prazo da extinção do contrato de trabalho, para reclamar em juízo. Ajuizada a ação, ele pode questionar os últimos cinco anos trabalhados.

“Quem foi encaminhado para o home office está dentro do prazo, e hoje no Brasil é muito difícil o trabalhador ajuizar qualquer ação, questionar qualquer coisa enquanto ainda estiver trabalhando. Então, o trabalhador que teve a vida trabalhista mudada durante a pandemia, e ainda está empregado, não vai se aventurar a entrar com ação agora, justamente porque sabe da dificuldade de recolocação profissional caso venha a ser dispensado”, disse o juiz.

A advogada e presidente da OAB Uberlândia, Angela Botelho, explicou que vem percebendo um aumento dos questionamentos nos escritórios de advocacia para tirar dúvidas quanto à nova legislação trabalhista. E as dúvidas partem dos dois lados. Dos advogados que representam empresas e daqueles que defendem sindicatos e trabalhadores. Mas que, no momento, a prioridade tem sido evitar as ações trabalhistas.

“O brasileiro quer estar trabalhando, precisa sobreviver, manter sua família, pagar seus estudos e desenvolver todos os seus projetos de vida. E sem a fonte de renda ele cai na marginalidade. Então, o emprego, hoje, é o que, no contexto geral, o trabalhador deseja manter. E o empregador quer dar emprego, porque ele também tem projetos de investimentos, quer crescer a empresa, quer sobreviver dela. Acaba sendo mão dupla para ambos”, explicou a presidente da OAB.

AÇÕES AJUIZADAS
O juiz da 1º Vara do Trabalho de Uberlândia cita que as ações ajuizadas, em sua grande maioria, são de ex-funcionários de empresas que não conseguiram manter as atividades,  fizeram a dispensa dos trabalhadores e se viram com dificuldades para honrar os compromissos relacionados à rescisão de contrato. E isso pode estar diretamente ligado ao fato de o poder público não ter oferecido nenhuma linha de crédito especial para as empresas, com juros menores, durante a pandemia.

“Um grande número de pequenos empresários teve dificuldades. O que levou a ações por falta de pagamento por verbas rescisórias. Ou porque a empresa encerrou ou reduziu o quadro de funcionários”, esclareceu o juiz.

Ainda durante o período da pandemia foi publicada uma série de normas para regulamentar as questões ligadas aos contratos de trabalho. Segundo o magistrado, as normas foram aprovadas às pressas pelo Congresso Nacional, e quando isso ocorre começam a surgir questionamentos sobre a interpretação, o alcance e até mesmo quanto à constitucionalidade e aplicação dessas normas aos contratos de trabalho.

Depois da pandemia, o meio jurídico espera que a Reforma Trabalhista de 2017, e as normas aprovadas durante a pandemia, sejam avaliadas. A expectativa da Justiça do Trabalho é que em 2022 haja um número maior de ações trabalhistas.

DIÁLOGO
Segundo a advogada e presidente da OAB Uberlândia, Angela Botelho, apesar dela também aguardar o aumento dessas ações trabalhistas em 2022, a orientação é sempre optar pelo diálogo.

“Entendemos que as demandas judiciais mais complexas devem ser encaminhadas para o Judiciário. Mas algumas demandas são mais simples e não há necessidade. Cada ação custa milhões para a sociedade, e manter no Judiciário questões que podem ser resolvidas dentro de um sindicato, dentro de um escritório de advocacia, no RH [Recursos Humanos] de uma empresa, é desperdício do dinheiro público”, finalizou a advogada.

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