O Ministério Público Federal (MPF) e o Ministério Público Estadual (MPE), em Uberlândia, ajuizaram uma ação civil pública, com pedido de liminar, para obrigar a União, por meio do Ministério da Agricultura (Mapa), a mudar a forma que é realizada a fiscalização do leite de origem bovina. Os órgãos constataram que o leite bovino está sendo comercializado com presença de resíduos e contaminantes hormonais prejudiciais à saúde humana.
Na ação, os MPs pedem ao Judiciário que proíba a produção, industrialização e comercialização do produto e de seus derivados com a presença desses resíduos e contaminantes. Também é solicitada uma maior participação dos laticínios e cooperativas produtoras de leite nas fiscalizações e testes dos produtos. Sendo assim, também são réus na ação as empresas: Cooperativa Central Mineira de Laticinios Ltda, Cooperativa Agropecuaria Ltda de Uberlandia, Itambé Alimentos S/A Laticínios, Triangulo Indústria e Comércio Ltda -ME, Parmalat Indústria e Comércio Laticínio Ltda e o Sindicato da Indústria de Laticínios e Produtos Derivados no Estado de Minas Gerais (Silemg).
De acordo com as informações da Procuradoria da República e da Promotoria de Justiça da cidade, o leite bovino é uma das principais fontes de contaminação da população por resíduos, contaminantes e outras substâncias. O problema ocorre não só pela falta de fiscalização das áreas de produção, mas principalmente pela não realização de um controle efetivo quando do recebimento do leite cru nas indústrias de laticínios.
A finalidade do Programa Nacional de Controle de Resíduos e Contaminantes em Produtos de Origem Animal (PNCRC) é promover a segurança química dos alimentos de origem animal, mediante rígido controle de resíduos, cuja análise deveria ser feita no ato do recebimento do leite pelos laticínios, bem como fiscalizações diárias na zona produtora pelos auditores do Mapa.
Mas, atualmente, são realizados poucos testes para fins de efetividade do PNCRC. Além disso, são poucos laboratórios, tanto do próprio Ministério da Agricultura quanto de credenciados, e faltam verbas para manter a atual capacidade operacional.
INVESTIGAÇÕES
Segundo o procurador da República Cléber Eustáquio Neves e o promotor de Justiça Fernando Rodrigues Martins, autores da ação, no ano de 2018, o Mapa realizou testes em 1.082 amostras, constatando apenas oito violações. “Ora, só o rebanho leiteiro mineiro conta com mais 7 milhões de cabeças, ou seja, sobressai daí que o PNCRC é só ‘para inglês ver’, porque é notória a falta de fiscalização e efetividade”, informam na ação.
Ainda conforme a petição, em análises feitas em amostras, foi possível constatar a presença de resíduos e contaminantes que afetam a qualidade do leite. Entre as substâncias foram encontradas quinolonas (enrofloxacino e ciprofloxacino, entre outros) e parasiticida ivermectina, que podem apresentar efeitos negativos sobre a saúde como desencadear o fenômeno da resistência parasitária aos princípios ativos utilizados, além de efeitos mutagênicos e teratogênicos em mamíferos.
HORMÔNIOS
As análises também detectaram a presença de hormônios, a exemplo da ocitocina, muita utilizada diariamente, sem aprovação do Mapa, pelos produtores de leite para aumentar o período de lactação das fêmeas. Esse uso indiscriminado do hormônio vem aumentando o índice do protozoário tripanossomíase (Trypanosoma Vivax) no rebanho leiteiro, fator determinante que pode causar a brucelose em humanos.
Outro problema detectado é que a venda desse hormônio é feita sem qualquer controle de receita, sendo adquirida por qualquer pessoa em lojas de revenda de produtos veterinários. A ocitocina é usada normalmente para estimular contrações musculares do útero das vacas no momento do parto, contribuindo assim para expulsão do bezerro e da placenta. Mas os produtores rurais descobriram que seu uso promove a descida do leite em maior quantidade, pois age sobre a glândula mamária no período de lactação.
Para Cléber Neves e Fernando Martins, esse hormônio vem sendo usado indiscriminadamente e suas consequências na saúde humana são imprevisíveis. “Como se vê, os produtores estão fazendo uso da ocitocina, e como não há estudos sobre essa indicação, seus efeitos sobre a saúde do animal e da população que ingere o leite são imprevisíveis, devido ao uso continuado da droga e possível efeito cumulativo no organismo”.
PEDIDOS
Em razão de todos os fatos, os MPs pedem que o Mapa seja obrigado a publicar, em até 30 dias, um ato normativo para que essas substâncias hormonais só sejam comercializadas mediante emissão de Receituário Especial Controlado, e não somente Notificação de Compra Pelo Médico Veterinário. É pedido também que, caso a fiscalização detecte o uso desses hormônios, fora do uso autorizado, que todo o estoque seja apreendido, sem prejuízo de eventual interdição do local.
A ação solicita ainda que o Mapa faça fiscalizações semanais em áreas consideradas produtoras de leite cru bovino, principalmente em produtores já identificados em outras fiscalizações. O objetivo é verificar o uso inadequado e indevido do hormônio ocitocina, somatotropina bovina e outras substâncias, promovendo a apreensão de estoques desses produtos, quando se constatar seu uso descontrolado, sem prejuízo de eventual interdição.
Foi pedido que o Mapa publique, também em 30 dias, ato normativo estabelecendo limite zero para presença de ocitocina, somatotropina bovina e outras substâncias de efeitos similares no leite destinado a consumo humano, em quaisquer de suas fases de produção.
Em relação aos laticínios e cooperativas produtoras de leite, os autores pedem que, no máximo 30 dias, implantem e façam funcionar equipes de profissionais vinculadas a laboratórios credenciados pelo Mapa, para realizarem prévio controle do leite bovino recebido de produtores rurais para fins de industrialização e beneficiamento. É necessário que promovam análises físico-químicas do produto, avaliando a presença de resíduos e contaminantes para fins de descarte do leite e seus derivados impróprios para o consumo humano e animal, desde que ultrapassem os limites previstos no Codex Alimentarius, EMA, FDA Americano.
Por fim, os MPF e MPE pedem que a União, por intermédio do Ministério da Agricultura, e dos laticínios em razão de sua omissão em realizar os devidos testes laboratoriais e autorizar a comercialização do leite bovino com a presença de inúmeros resíduos e contaminantes e outras substâncias prejudiciais à saúde humana, sejam condenadas na obrigação de indenizar o dano moral coletivo causado à sociedade no valor mínimo de R$ 20 milhões.
O Diário de Uberlândia entrou em contato com a Advocacia-Geral da União que, por meio de nota, informou que ainda não foi notificada sobre a ação e que está analisando o caso. O Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) também disse que não recebeu qualquer notificação do MPF e ou do Ministério Público de Minas Gerais, de Uberlândia.
Já o Sindicato da Indústria de Laticínios e Produtos Derivados no Estado de Minas Gerais (Silemg), por meio do diretor executivo, Celso Costa Moreira, disse que ainda não foram notificados da ACP, mas esclareceu que todos os controles de qualidade são feitos diariamente. “Primeiramente, ainda na propriedade rural, coletam uma amostra de leite que vai para análise na indústria. E ainda, uma vez por mês, fazem uma análise em um laboratório oficial. Todo o processo é realizado com muito rigor e respeito ao consumidor. O controle é feito”.
A reportagem também procurou as demais empresas citadas, mas até a publicação da matéria não houve retorno.
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