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19/01/2020 às 09h00min - Atualizada em 19/01/2020 às 09h52min

Programa Entrega Legal acompanha gestantes que estão em dúvida sobre maternidade

Iniciativa também auxilia na processo de adoção de bebês; veja como aderir ao programa em Uberlândia

IGOR MARTINS
Juiz da Vara da Infância e da Juventude de Uberlândia, José Roberto Poiani, afirma que projeto dá subsídios para decisão das mães | Foto: Igor Martins

Uma gravidez indesejada pode trazer várias consequências para a vida da gestante e do bebê. Em julho de 2018, por exemplo, uma recém-nascida ainda com o cordão umbilical foi encontrada abandonada em cima de uma pilha de tijolos no assentamento Santa Clara, em Uberlândia. Além de abandonos, acontecem ainda vendas de crianças, adoções ilegais e abortos clandestinos, colocando em risco a saúde da mãe e dos pequenos.

Foi pensando em casos como estes que o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) lançou o programa Entrega Legal, em outubro do ano passado. A iniciativa tem como objetivo conscientizar a população sobre a legalidade na entrega de bebês para adoção, garantindo a integridade da criança e a destinando para uma família que tenha melhores condições de cria-la, assegurando ainda a integridade física e psicológica da mãe.

A campanha foi possível graças a uma alteração na Lei do Marco Nacional da Primeira Infância, sancionada em março de 2016. A norma prevê a entrega voluntária da criança à Justiça pela gestante que não deseja ficar com o filho, sem a criminalização pelo abandono, resguardada pela Constituição Federal e Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

Na opinião da professora Fernanda Pantaleão Dirscherl, a regra trouxe importantes alterações nas garantias do direito fundamental de crianças e adolescentes perante a sociedade brasileira. Segundo ela, a criação do ECA em 1990 demonstrou um avanço na forma como os pequenos são vistos e tratados de acordo com os fundamentos básicos da Constituição Brasileira.

“As crianças eram vistas como meras coisas, sujeitos sem direitos. Houve uma preocupação de tentar garantir que as necessidades básicas dessa faixa etária fossem atingidas. [A Lei do Marco Nacional da Primeira Infância] é uma lei avançada. O Brasil foi o primeiro país da América Latina a reconhecer e valorizar as pessoas dessa idade”, disse a uberlandense de 30 anos.
A iniciativa Entrega Legal chega ainda para dar suporte a todas as comarcas de Minas Gerais para a execução da lei 13.509 de 2017, que levou alterações ao ECA no que tange aos procedimentos do sistema de garantia de direitos quando uma mulher grávida manifesta o interesse de não cuidar do filho.

O Juiz da Vara da Infância e da Juventude da comarca de Uberlândia, José Roberto Poiani, afirma que o processo busca entregar à mulher subsídios para que ela tome uma decisão madura quando der à luz. “O atendimento realizado pelos órgãos competentes não quer influenciá-la a ter ou não a criança, mas sim empoderá-la, sem qualquer tipo de julgamentos ou preconceitos”, disse.

PROCEDIMENTOS
Ainda segundo Poiani, o programa Entrega Legal não possui uma duração de processo bem definido, uma vez que a procura da mulher pela Justiça pode variar entre início, meio ou final da gestação. O papel desempenhado pelos órgãos competentes, em todos os casos, é o de acompanhar a mãe durante todo o período gestacional remanescente até mesmo após o parto, uma vez que arrependimentos são bastante comuns neste tipo de caso, de acordo com o próprio juiz.

Por ser formado por diferentes entidades, o projeto pode ser acionado pela gestante em unidades de saúde, maternidades, Centros de Referência de Assistência Social (Cras), Centros de Referência Especializado de Assistência Social (Creas) e pela própria comarca de Uberlândia, localizada na avenida Rondon Pacheco, no bairro Tibery. O magistrado salienta ainda que todo o processo pode ser sigiloso, caso a mulher prefira.

Com a Justiça acionada, a mulher é encaminhada para a Vara da Infância e da Juventude, onde tem início o que é chamado de “escutatória”, em que a mãe é ouvida, procurando entender os motivos que a levaram a acionar este meio legal. Ela tem à disposição, por exemplo, acompanhamento psicológico e social, mas cabe a ela querer usufruir este tipo de serviço, oferecido por profissionais dos serviços públicos da cidade.

Com todo o acompanhamento durante o período gestacional, ela pode abrir mão da maternidade antes mesmo da criança nascer. O pós-parto é um outro momento em que a mãe deve ser ouvida para saber se deseja ou não continuar com a criança. A lei ainda prevê um prazo de 10 a 15 dias após dar à luz para que ela se retrate, e então a mulher é chamada ao Fórum para tomar a decisão final, com a presença de um Defensor Público, advogado e de representantes do Ministério Público (MP). Se ela reafirmar o desejo de não exercer a maternidade, o bebê é encaminhado a uma família adotiva em até 30 dias. Até lá, o pequeno é levado a um acolhimento familiar.

O juiz afirma que em caso de arrependimento dentro do prazo estabelecido pela lei, a criança pode ser devolvida à mulher e ela pode ser acompanhada por no mínimo 180 dias. “Os arrependimentos acontecem bastante. Mas o não arrependimento não é crime. O poder familiar dela é extinto e ela não será processada por abrir mão dessa maternidade. Não é uma condenação, mas uma forma humanizada de tratar a mulher e a criança”, falou Poiani em entrevista ao Diário.

Entretanto, o jurista salienta que uma vez que a situação jurídica da criança é definida, não há como voltar atrás. Se o bebê é encaminhado para uma família adotiva, a mãe não pode se arrepender mais uma vez. “Não podemos eternizar esse direito de arrependimento. Com as questões definidas, não há volta. É para o bem da criança e da mulher.”
 
Programa desenvolve trabalho psicológico e social


 Psicóloga Paula Baccelli diz que Entrega Legal trabalha com forma justa a mães e bebês | Foto: Arquivo Pessoal

 
Um dos grandes diferenciais do programa Entrega Legal, do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), é o trabalho psicológico e social desenvolvido diretamente com a mulher. Os profissionais acionados por meio das políticas públicas oferecidas pelo município têm o objetivo de acompanhar e ajudar a mulher na tomada de decisão a respeito da adoção dos bebês, representando um grande desafio para psicólogos e assistentes sociais.

Para a psicóloga Paula Baccelli, a iniciativa do TJMG é especial e necessária para uma situação afetiva muito negligenciada na sua peculiaridade. Segundo ela, entregar um filho para adoção sempre esteve ligado a muita dor, culpa e preconceito social, quando na verdade, trata-se de ter ou não condições psicológicas, mentais, afetivas e financeiras de se manter a criança.

Na opinião de Baccelli, é importante ter um programa que reconheça a necessidade de se trabalhar essa questão da forma mais justa para todos os lados envolvidos, oferecendo assistência psicológica e social para o processo transcorrer com o máximo de equilíbrio possível. “Saber que os pais biológicos dessas crianças foram preparados para as colocarem para adoção permite que o emocional dessas pessoas se mantenham em harmonia”, afirmou a psicóloga.

Baccelli pensa que só o fato de o tema ser acolhido devidamente pelos órgãos competentes, longe dos preconceitos envolvidos, já prova a importância do Entrega Legal. Para ela, que é especializada em psicologia familiar, quem passar pela iniciativa certamente será uma pessoa melhor e com chances de seguir a vida e se refazer, no caso da adoção.

Trabalhos como a Constelação Familiar Sistêmica, amplamente utilizado no campo do Direito Familiar, são uma alternativa para famílias que decidirem entrar na campanha de adoção do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, segundo Paula Baccelli. “Este tipo de ação faz a diferença para um processo cada vez mais justo e com menos perdas afetivas. Ajuda na entrega consciente, evitando que os pais se arrependam e criem situações dolorosas para as crianças, além de evitar que esta pessoa fique presa em uma culpa eterna, dificultando que eles sigam suas vidas.”
 
Telefones para participar ou indicar para alguém o Programa Entrega Legal
Vara da Infância e da Juventude: 3228-8300/3228-8319
UBS Brasil: 3232-3722
UBS Tocantins: 3217-2210
UBS Custódio Pereira: 3232-4757
UBS Dona Zulmira: 3238-1455
UBS Guarani: 3226-8193
UBS Nossa Senhora das Graças: 3213-1855
UBS Patrimônio: 3214-9755
UBS Santa Rosa: 3215-5134/3217-5886











 


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