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26/08/2019 às 16h54min - Atualizada em 26/08/2019 às 16h54min

Kombi enfrenta estrada até Jalapão onde só carros 4x4 chegam

Mayara e Ederson conseguiram chegar até uma das cidades mais belas do Tocantins

MAYARA PELEGRINI E EDERSON MACHADO
Aventura do casal começou no último dia 24 de junho | Foto: Arquivo Pessoal
“Quando saímos de Uberlândia, tínhamos a certeza que não daria para conhecer o Jalapão (TO) onde só carros 4x4 chegam”, esse foi o pensamento de Mayara Pelegrini e Ederson Machado antes de criarem coragem, enfrentarem a estrada, atolarem a kombi na areia e finalmente conhecerem os espetáculos naturais de uma das cidades mais belas do Tocantins.
 

Conhecer novas pessoas, fazer amigos e deslocar Mayara para Palmas, pois, ela estava com uma infecção nos rins, também fez parte desse capítulo da viagem. Veja mais dessa aventura do casal uberlandense no relato da semana do De Boas na Kombi.
 
“Quando saímos de Uberlândia, tínhamos a certeza que não daria para conhecer o Jalapão (TO) onde só carros 4x4 chegam. Mas no meio do caminho tinha um homem, que disse: “Fui lá duas semanas atrás, passando por Dianópolis, de Kombi vocês chegam lá tranquilamente”. Digitamos Jalapão no Google Imagens e nem pensamos duas vezes, no outro dia cedinho já estávamos na rodovia com o mapinha que o cara desenhou para nós.

No começo da estrada de terra, íamos seguindo junto aos vários caminhões que circulavam por ali. Com o tempo foram sumindo os caminhões, as fazendas e o sinal do celular. Passamos cerca de duas horas sem ter algum sinal de vida até que, para fugir das costelas e por pura inexperiência, passei para o outro lado da pista bem devagar, e a Kombi atolou pela primeira vez. Descemos, tentamos tirar, mas ela só afundava mais. Antes de começarmos a ficar preocupados com o deserto do lugar, surge uma família em uma caminhonete e nos tira do atoleiro.




Seguimos mais um pouco e atolamos novamente. Eu comecei a ficar grilado, a Mayara começou a rir e eu pensei: pra que ficar grilado, estou em casa heehehe. Entramos na Kombi, preparamos um açaí e quando terminamos passou um caminhão que nos tirou novamente do atoleiro e falou: daqui pra frente, engata a segunda e acelera sem medo, se não você vai atolar várias vezes ainda. Segui o conselho e fomos sambando a Kombi até finalmente chegar em Mateiros, a cidade base do Jalapão.

Fomos andar pela cidade para conhecer e conversar com as pessoas, e logo percebemos que não daria para chegar em nenhuma das atrações de Kombi e os guias estavam cobrando R$ 500 a diária. Decidimos tentar conseguir uma carona, pois, colocar nossa casa na estrada não ia rolar, já que não tinha peças de Kombi na região e um guincho pra tirar a gente de lá, seria, no mínimo R$ 4 mil. No outro dia bem cedinho fomos pra saída da cidade e em questão de segundos parou um carro e nos ofereceu carona.

Era o José e a Marlene, um casal de aposentados que viaja muito pelo Brasil e América do Sul. Com eles fomos aprendendo dicas de como andar de carro na areia, lugares lindos que devemos conhecer e, mais uma vez, sobre como e quando nos abrimos e confiamos nas pessoas. Ficamos com eles por dois dias no Jalapão, fazendo tudo juntos e essa proximidade é muito intensa, faz com que o vínculo criado seja forte e dê a sensação que nos conhecemos há muito tempo. Com eles fomos na Cachoeira do Formiga, alguns fervedouros, a comunidade quilombola Mumbuca e as dunas. São lugares maravilhosos, com uma natureza super preservada, que dá uma esperança de que tenhamos mais lugares assim onde a preocupação com o ambiente se faz presente em cada detalhe.

Despedir deles não foi fácil e estamos percebendo que a vida na estrada é repleta desses encontros maravilhosos, que marcam a gente de uma forma muito intensa, mas que também é cheia de tchaus, e que não são tão fáceis quanto podem parecer. O pôr do sol nas dunas foi o jeito perfeito de despedirmos e foi lá que a Marlene tirou uma foto com a gente. Ela disse que era para guardar de lembrança dos filhos que ela não teve.




No outro dia cedinho já íamos embora, mas a Mayara acordou sentindo dores que foram ficando cada vez mais fortes e me pediu para levá-la até o postinho de saúde. Lá, as duas técnicas em enfermagem nem deram muita moral para ela hahahaha, mas pela nossa insistência, ligaram para a médica. Ela chegou vendo a Mayara se contorcendo de dor, já começou a fazer exames de toque na barriga pra ver se podia ser apêndice ou algo assim. Apesar da boa intenção, ela disse que ali não tinha o que ser feito e nos aconselhou a ir para Palmas, porque poderia ser algo sério. Ela deu duas injeções para a dor, arrumou soro para levarmos e mais um remédio para dor, caso precisasse (e precisou hahahaha), além de fazer uma oração com a mão na barriga da Mayara. Acho que foi o atendimento mais humano que já presenciamos. Ela veio pelo programa Mais Médicos, é cubana e antes dela chegar na cidade, os moradores ficavam 15 dias com médico e 15 semanas, além de custar muito para a o município, que já não tem muito dinheiro.

No meio disso tudo, corri atrás de um guia para nos levar para Palmas cortando o Jalapão. Coloquei a Kombi na sombra, levantei o teto para ficar com entradas de ar, e deixei bastante água e ração para a Khaleesi, nossa gatinha. Fizemos todo o trajeto em 5 horas e meia. A Mayara estava deitada no banco da frente meio drogada com as injeções e acordando de vez em quando com dor e eu no banco de trás chorando, um turbilhão de emoções e medo. Chegando no hospital em Palmas a Mayara foi atendida muito rápido e os exames indicaram que a médica em Mateiros estava certa, não era apêndice, e sim uma infecção nos rins.

Tivemos tanta sorte que já tínhamos marcado com minha irmã e meu cunhado de encontrarem a gente em Palmas, já que a prima dele (Camila) mora na cidade. Desde que chegamos, ela estava no hospital nos esperando e em todos os momentos, nos deu total apoio e suporte. Não sei o que teríamos feito sem ela.

Com a Mayara sendo medicada e tendo todo o suporte da Camila, começou outra saga: eu tinha que voltar ao Jalapão o mais rápido possível para buscar a Khaleesi (estávamos muito preocupados com ela sozinha há 2 dias) e a kombi. Nós tínhamos agendado uma carona, mas acabou que o carro da pessoa tinha quebrado, então eu fui para a rodoviária, onde sai uma van que faz o trajeto Palmas-Mateiros. A van andou 67km e quebrou, ainda no asfalto e sem sinal de telefone hahahah. Só 4 horas depois conseguimos uma carona para a próxima cidade, onde consegui ligar para a Mayara para ela tentar encontrar alguém para me levar.

Ela conseguiu alguém que iria para Mateiros, mas o cara só chegou onde eu estava às 19h e de lá foram 12 horas de viagem até Mateiros, com problemas na roda e no carro, e sem nenhuma comunicação com alguém. No fim, deu tudo certo, a khaleesi estava bem e no outro dia, peguei mais 12 horas de rodovia para voltar a Palmas com a Kombi. Todos esses perrengues me ensinaram muito como dirigir em estradas horríveis como aquelas e fui embora sem atolar.

Essa vivência ensinou e mexeu bastante com a gente. A vida das pessoas em Mateiros e em muitas cidades no interior do Brasil é muito sofrida. Estradas péssimas, sem sistema de saúde, tudo muito caro. Quando saímos da nossa realidade e nos defrontamos com esses contextos sociais, sentimos como se estivéssemos levando um soco no estômago. Saber que o Brasil é um país extremamente desigual é diferente de viver na prática, conhecer os rostos e histórias por de trás de tantas injustiças e problemas sociais.

A população da cidade poderia ter sua vida melhorada de tantas formas, mas uma simples melhorada nas estradas já possibilitaria um avanço gigantesco. Essa é a grande reclamação de todos na região. Ir ao Jalapão de 4x4, atolar e ter essa aventura pode parecer muito divertido enquanto turistas, mas quando paramos para olhar para as pessoas que vivem ali, é um preço muito alto a ser pago por elas”.

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