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09/11/2018 às 07h58min - Atualizada em 09/11/2018 às 07h58min

Luta pela saúde e contra o preconceito

Justiça garante direito de família cultivar maconha para extrair óleo utilizado em tratamento de criança

VINICIUS LEMOS
Rodrigo Robledo segura pote com óleo de cânhamo produzido em casa; produto é utilizado no tratamento do filho | Foto: Vinícius Lemos
Ganhou repercussão, nesta semana, a decisão judicial que garantiu o direito a uma família de Uberlândia produzir maconha em casa para realizar a extração do óleo de cânhamo, utilizado no tratamento de uma criança, o Davih, de quatro anos, que sofre de paralisia cerebral e Síndrome de West, doença rara caracterizada por ataques epiléticos frequentes. O objetivo da família, com a ação judicial, foi o de garantir a frequência do tratamento, uma vez que o cultivo da Cannabis sativa sem autorização judicial poderia gerar problemas com a polícia, o que, por sua vez, interromperia a terapia e o quadro de melhora da criança. Em entrevista ao Diário de Uberlândia, envolvidos na ação disseram que, agora, esperam ajudar na quebra do preconceito contra o uso medicinal da Cannabis sativa.

O juiz da 3ª Vara Criminal de Uberlândia, Antônio José Pêcego, concedeu habeas corpus preventivo em favor dos pais do paciente. A produção da maconha poderá ser continuada a partir da ação movida com a concordância do Ministério Público Estadual (MPE).

O pai de Davih, Rodrigo Robledo, contou ao Diário de Uberlândia que passou a ministrar o óleo de cânhamo ainda em setembro de 2017. Desde fevereiro de 2018, a família passou a cultivar a planta. Ele mantém atualmente oito pés de Cannabis, cada um em um estágio diferente para manter o ciclo de processamento da planta a partir dos seis meses, quando ela apresenta as propriedades certas para extração do óleo. “Há o tempo certo de colher. Se retardar o processo de colheita, a planta produz outras substâncias que não servem. Assim, mês a mês, tenho plantas para que possa fazer o óleo para meu filho”, afirmou.

O óleo é administrado via sonda pela condição de Davih, entretanto, poderia ser dado ao paciente por via oral. O processo de obtenção do óleo é todo caseiro, o que reduz custos. A partir da maceração da planta seca no período correto, mistura-se o extrato com óleo de coco e a família leva a mistura ao fogo com panela elétrica a temperatura e tempo controlados.

A regularidade é essencial, segundo o pai, para manutenção dos resultados obtidos até aqui. Três semanas após o início do uso da substância obtida dos pés de maconha, os efeitos colaterais de outros medicamentos usados anteriormente foram reduzidos. A criança passou a ficar mais tempo consciente, a responder a estímulos visuais e auditivos, além de movimentar braços e pernas e zerar episódios de crises convulsivas, que chegaram a 100 vezes em um único dia. No período de consumo, tampouco houve necessidade de internação hospitalar.

No processo, Robledo anexou laudos médicos que mostravam que outro medicamento ministrado a Davih causava efeitos colaterais como o quadro de vida vegetativa, que levava o menino a dormir cerca de 20 horas por dia. A família alegou ainda que devido à letargia, o filho perdeu a capacidade de deglutição, passando a se alimentar exclusivamente por meio de sonda. Além disso, o menino passou vários períodos internado na Unidade de Terapia Intensiva (UTI).

A família trabalhou por três meses para levantar toda a documentação necessária para mover a ação com o pedido de cultivo artesanal da Cannabis. “Já tinha estudo a respeito e só havia opção de importar [a medicação], que custaria RS 2,8 mil, e o que mais dava medo era a questão da regularidade. Corríamos o risco de o medicamento atrasar e não chegar a tempo para uso contínuo”, disse.

PRECONCEITO

Rodrigo Robledo contou que já esperava por manifestações preconceituosas. A principal preocupação era com o risco que corria por ser denunciado como produtor ou consumidor da droga e não do óleo, que ele obtém para o filho como medicamento. Ele disse que desde que a decisão da Justiça em Uberlândia passou a ser veiculada, leu comentários preconceituosos em redes sociais. “De preconceito até que nem tenho tanto receio, porque a desinformação é muita. Já esperava por isso. As primeiras palavras que são usadas são tráfico e crime. Já a questão criminal preocupava até certo ponto, porque a atualização na Lei não deixou de ser crime [cultivar Cannabis]. Se houvesse uma denúncia, não me importaria ser conduzido, mas as plantas seriam recolhidas e interromperia o tratamento”, disse.

Em momento algum, Robledo pediu à reportagem que a identidade fosse preservada, porque um dos objetivos da família era quebrar o tabu e terminar a polêmica em relação ao uso da planta para fins medicinais. Além disso, ele espera que casos similares se multipliquem com o intuito de que a classe política se movimente para progredir na legislação, que hoje impede até mesmo pesquisas com a planta sem qualquer visão recreativa.

Conforme a decisão do magistrado de Uberlândia, as polícias Militar e Civil “devem se abster de investigar, repreender ou atentar contra a liberdade de locomoção dos pacientes do habeas corpus”. Além disso, não devem “apreender e destruir as sementes, plantas e insumos destinados à fabricação artesanal do óleo de cânhamo para o uso do menor.”

Tanto o delegado regional da PC quanto o Comandante da 9ª Região da PM, ambos da comarca de Uberlândia, serão notificados da decisão judicial.

MELHORAS

A diminuição dos ataques epiléticos repetitivos foi um dos benefícios que o uso do óleo de cânhamo trouxe ao tratamento do menino Davih, aponta o neurologista João Paulo Machado, responsável pelo acompanhamento médico. “O quadro convulsivo ocorre por uma ‘superexcitação’ dos neurônios. Quando se faz o uso, o canabidiol ajuda a diminuir essa atividade excessiva no paciente”, disse.

Ainda segundo Machado, durante o preparo do óleo são retiradas substâncias que poderiam causar efeitos psicoativos adversos na criança.
“Até mesmo na questão de quantidade de medicamentos [houve melhora]. Antes, usávamos cinco para fazer o coquetel, mas quando vi que ele passou a responder bem, diminuímos drasticamente essa quantidade. Atualmente, são cerca de dois.”
 
 BATALHA
Advogada consegue segunda vitória

 
A advogada Daniela Tamanini foi a representante legal da família de Davih no processo de obtenção do direito de cultivo artesanal da maconha para o tratamento da criança em Uberlândia. Esse foi o segundo caso em que ela esteve com resultado positivo. Em segunda instância no Distrito Federal, ela contou que também havia obtido a mesma decisão, mas transitada em julgado.

Tamanini salientou que ainda há dificuldade em processos do tipo. “Eu acredito que haja muita desinformação, é uma matéria que as pessoas precisam diferenciar. Não precisaria recorrer ao Judiciário. Quem quisesse fazer uso da maconha com outros objetivos que não fossem medicinais, faria na ilegalidade, porque a Justiça não aceitaria, obviamente. Mas neste caso [tratamento], é uma questão de dignidade e saúde. [Vamos] Deixar com que uma criança viva com problemas de saúde por puro preconceito?”, disse.

Segundo ela, essa dificuldade de compreensão se mostrou presente no primeiro dos processos vencidos, já que, em primeira instância, foi negado o pedido liminar para uso da Cannabis sativa como medicação.

Atualmente, Tamanini diz que existem 26 salvos-condutos em todo o País a partir de demandas que precisaram de intervenções judiciais. “Cada decisão local aumenta as chances de que as pessoas sejam beneficiadas, afinal, são tantas patologias que podem ser abrandadas com cepas diferentes da Cannabis”, disse.

Segundo ela, outra alternativa ao cultivo próprio, o tratamento via importação, custaria cerca de R$ 5 mil aos cofres públicos no caso de Davih, se a demanda judicial fosse contra Governo ou União. Em casos do tipo, a demora seria de até um ano para compra do material, que seria importado por apenas seis meses. Ainda segundo a advogada, um levantamento extraoficial mostrou que há cerca de 30 casos em Uberlândia com a mesma necessidade da família de Davih.
 
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