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28/10/2018 às 07h05min - Atualizada em 28/10/2018 às 07h05min

Da urna ao divã

Terapeuta e psiquiatras analisam efeito das eleições para presidente, que saíram do âmbito do debate para o embate

MARIELY DALMÔNICA
A partir do momento em que os nomes dos candidatos à Presidência da República foram confirmados pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) – o que inclui o fato do tribunal ter negado a candidatura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) -, discussões sobre o processo eleitoral se tornaram mais presentes no ambiente de trabalho, nos lares e nas redes sociais.

Após o resultado do primeiro turno, os nomes e as propostas de Jair Bolsonaro (PSL) e de Fernando Haddad (PT) se tornaram recorrentes, também, em consultórios de psicólogos e psiquiatras.

De acordo com uma pesquisa realizada pelo Datafolha três dias antes do primeiro turno, mais da metade dos brasileiros entrevistados se sentiam pessimistas com as eleições. Segundo o levantamento, 88% dos eleitores questionados se disseram inseguros, 68% com raiva do país e 59%, com mais medo do que esperança.

O Diário de Uberlândia conversou com três especialistas sobre o temperamento e a disposição emocional dos eleitores pós-primeiro turno. Para eles, mesmo insatisfeitas, as pessoas não estão abertas ao diálogo, e isso as afasta de amigos e familiares. 

Para Mariza Matheus, psiquiatra clínica que atende muitos pacientes com transtornos de ansiedade, as redes sociais se tornaram um ‘ringue de luta’ nos últimos meses. “Vi uma postagem que virou ‘meme’, estava escrito: ‘eu gosto de maçã, e perguntam: por que você não gosta de pera?’ Uma pessoa faz uma postagem e outro é contra, ninguém mais escuta ninguém. É uma perda de tempo ‘bater boca’ na internet”, disse. 

Nas últimas semanas, a psiquiatra tem escutado muito sobre política dentro do consultório. “Tenho um paciente que estava tirando a medicação, e ele pediu para não ser agora. Meus pacientes estão sem esperança e não sabem em quem votar. Estão achando que uma medicação vai melhorar essa angústia, porque não conseguem desacelerar e dormir”, disse Mariza.

Grande parte das consultas feitas pela psiquiatra está sendo marcada pelo medo do resultado das eleições ou pelo atual ambiente político do País. “Atendi um paciente que voltou do Japão recentemente e ele disse que não queria ter voltado, está totalmente desanimado. Atendi uma moça muito angustiada porque ela não quer que o Bolsonaro ganhe. Ela é homossexual e está com medo de ser atacada na rua. Também atendi um jovem que é a favor da ditadura, e o argumento é que ele é contra o PT.”

Para Mariza, as pessoas não veem uma possibilidade de o Brasil melhorar. “A sociedade está adoecida e as pessoas estão frustradas. As amizades estão, de certa forma, sendo abaladas, porque as pessoas estão sendo radicais. Hoje todo mundo acha que sabe tudo, não tem diálogo”, afirmou a psiquiatra.

DISCUSSÃO  

Para o psiquiatra José Sardella, de algum jeito, todos os cidadãos brasileiros estão sendo afetados pela política, mas o grande problema é que as pessoas estão confundindo discussão com briga. “Quando você entra em uma discussão sendo inflexível, você não vai discutir, você vai brigar ou tentar um convencimento do outro. Se o partido X ou o partido Y coloca também a impossibilidade de discussão, de abrir-se e ouvir o outro, nós não ganhamos nada com isso.”

De acordo com o psiquiatra, as pessoas devem saber que também podem se enriquecer com outra visão. “A questão não é mudar a opinião, é ter respeito. Tem uma palavra que é primordial no processo de discutir saudavelmente, é uma possibilidade ou uma abertura à diversidade, ou seja, aquilo que é diferente do que você acredita não necessariamente é errado, mas é outra forma de ver a situação. A base da democracia é exatamente isso”, disse Sardella. 

Parte dos pacientes do psiquiatra afirmou que não concorda com nenhum dos dois candidatos, “mas vai votar no X para o Y não ganhar. As bases das grandes discussões que eu vejo é que não tem possibilidade de escolhas, ou seja, a sua escolha está muito pobre, porque você tem parâmetros polarizados. O nosso processo de eleger candidatos foi se afunilando e não nos oferece uma diversidade, vejo que hoje não temos muitas opções”, disse o psiquiatra.

INSATISFAÇÃO 

Ari Martins, terapeuta, filosofo, com especialização em em análise transacional, disse que o elemento gerador da atual situação política é a insatisfação. “É alguém te prometer alguma coisa e não te dar aquilo. Esse comportamento social fica em cascata e esse efeito fica incontrolável. Nós estamos em um processo histórico de muita mentira e muita ‘roubalheira’, é um recado que as pessoas estão recebendo”, diz.

Para o psicólogo, os brasileiros estão vivendo um momento de transição e de amadurecimento emocional. “Não tem como ser diferente, esse amadurecimento está acontecendo de uma forma dolorida, porque se um lado ganha, outro perde. É um momento de alto risco, é importante e necessário para que a gente possa amadurecer”, afirmou Martins.

Segundo o especialista, as pessoas estão ‘cegas’ e sem “visão crítica”. “Elas falam, mas na verdade, o que falta é uma substância de embasamento, tem muito emocional envolvido”, disse o psicólogo. 

O Brasil está passando por um momento rico, de acordo com Martins. “E não poderia ser diferente. Qual seja o resultado, estaremos em uma perspectiva nova. No dia após a eleição vai ter a ‘ressaca’, mas depois as coisas voltam para o eixo. Acho que o brasileiro demonstra ser um povo apaixonante, é o momento de se apaixonar. Isso é uma característica diferente dos outros países, e é muito bom”, afirmou o psicólogo.
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