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27/05/2017 às 05h16min - Atualizada em 27/05/2017 às 05h16min

Juristas ponderam sobre reforma na crise

Membros da justiça eleitoral avaliam que o momento não é propício para alteração das regras

WALACE TORRES | REPÓRTER

A discussão sobre mudanças nas regras eleitorais a pouco mais de quatro meses do fim prazo para que possa valer no pleito de 2018, e ainda em meio à maior crise política desde a redemocratização do país, é vista com cautela por membros do Poder Judiciário e do Ministério Público. Já a mudança na Constituição para permitir eleições diretas na hipótese de renúncia ou cassação do mandato do presidente Michel Temer pelo Congresso é outro tema que enfrenta resistência no pensamento jurídico. Esses entendimentos ficaram evidentes durante o Seminário Eleitoral realizado ontem em Uberlândia e que reuniu na mesma mesa membros das três instâncias da Justiça Eleitoral.

Realizado pelo Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais (TRE-MG), no auditório da OAB Uberlândia, o evento colocou em pauta os principais temas que têm tomado conta dos debates ainda em nível de comissões no Congresso Nacional. Na avaliação de dois ex-titulares do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), a reforma política não é a melhor opção para o momento atual. “A gente não pode achar solução para esse momento, e sim para as gerações futuras”, disse o ex-ministro Henrique Neves. Para Joelson Dias, que também já integrou a Corte Eleitoral, hoje falta legitimidade para debater e aprovar a reforma política. “Já que estamos vivendo um momento de muita tensão, talvez fosse melhor que esperássemos as eleições de 2018, que as coisas se estabilizem novamente e a gente possa discutir com tranquilidade e amadurecimento, que reformas tão importantes reclamam”, disse.

Na avaliação do desembargador Rogério Medeiros, do TRE mineiro, a mudança na legislação tem que ser precedida de uma mudança de comportamento. “Não adianta reformar a lei para não ser cumprida. A grande reforma que precisamos é de mentalidade, a reforma cultural. Isso só faz com conscientização do povo e dos políticos em geral”, diz.

Os ex-ministros evitaram comentar sobre o julgamento da chapa Dilma-Temer, marcado para 6 de junho, justamente por já terem deixado o Tribunal, mas Henrique Neves respondeu sobre a possibilidade ventilada no Congresso de alterar a Constituição para permitir eleições diretas a partir da segunda metade do mandato executivo. “Transformar em diretas traria um outro problema de saber se essa modificação poderia ser adotada imediatamente, porque a Constituição diz que qualquer modificação no processo eleitoral só entra em vigor para as eleições que ocorram um ano depois da alteração. Então há uma série de teses e questões que serão solucionadas pelo poder judiciário”, observou Neves.

Outro tema que chamou a atenção foi a possibilidade de mudanças nas câmaras municipais de todo o país por causa de candidaturas laranjas. Partidos que usaram mulheres apenas para completar a cota mínima correm o risco de serem punidos, bem como vereadores eleitos por essas chapas. O assunto foi tratado pela vice-governadora do Piauí, Margarete Coelho, que também é advogada especialista em legislação eleitoral. Confira abaixo a entrevista que ela concedeu ao Diário do Comércio sobre o tema.

 

ENTREVISTA

É hora de acabar com o “jeitinho”

Diário - O que fazer para aumentar a participação da mulher na política?

Margarida Coelho - Realmente é uma questão que angustia não a mulher, mas a nossa democracia, porque essa ausência da participação da mulher na política não é um problema de nós mulheres, mas um problema da democracia tendo em vista que as mulheres são um grande contingente não só de habitantes, mas de eleitoras e de filiadas a partidos políticos. Algumas medidas já foram tomadas, como as cotas e incentivos a gastos do fundo partidário com participação das mulheres, reserva de tempo de antena na propaganda eleitoral dos partidos, e isso cresceu muito pouco, só cerca de 4%. É que por trás dessas medidas nós não conseguimos mudar todos os costumes de um país, ainda mais os costumes patriarcalistas, machistas que estão arraigados desde o começo da formação da nossa sociedade. Nós não conseguimos mudar a golpe de penas, a golpe de leis. Então isso tem que ser um fazer diário. Além disso, a legislação que foi posta à nossa disposição é uma legislação falha, que realmente deixa possibilidades enormes para que os partidos não cumpram a lei. E do que estou falando?  Estou falando de candidaturas laranjas, de candidatas em branco que colocam o nome e na verdade não pedem voto, não fazem campanha, não têm despesas de campanha, a maioria delas são inclusive casadas com candidatos, mães de candidatos, e elas estão lá registradas como candidatas mas pedindo votos para outros candidatos. Esse é apenas um dos problemas.

 

E o que fazer?

Nós precisamos desta lei, que ela seja efetiva, e o Poder Judiciário é um dos palcos que precisam ser conquistados nesse aspecto. Precisamos que esses partidos políticos sejam punidos por essas chapas feitas de forma fraudulenta. Mas precisamos que os candidatos que se beneficiam dessas chapas fraudulentas também sejam penalizados, porque só assim a lei vai valer. Então, para que aumentemos a participação da mulher na política é preciso: primeiro, melhorar nossa legislação; segundo, melhorar a democracia interna dos partidos para que elas participem mais; terceiro, o Poder Judiciário realmente julgar e punir aqueles que descumprem a lei; quarto, políticas públicas, como creches, para que as mulheres tenham tempo de fazer política sabendo que seus filhos estão bem cuidados. E mais: os homens perceberem que tarefas domésticas não são só das mulheres, mas são deles também.

 

Parte dessa responsabilidade também não seria das mulheres que se sujeitam a colocar seus nomes nas chapas só para alcançar a cota mínima, ou não denunciam esse tipo de situação?

Pensar assim é fazer revitimizar a mulher. Ela já é vítima uma vez quando tem seu nome utilizado por partidos políticos para beneficiar candidaturas masculinas. E  segundo porque tira delas as oportunidades e as responsabilizam por isso. Que benefício tem uma mulher quando ela permite que o partido use o seu nome? Nenhum, ela sai traumatizada da campanha, sai com problema de prestação de conta, entretanto o homem que é candidato se elege e vai exercer o seu mandato lindamente. Então não concordo que a culpa seja das mulheres que se sujeitam. A culpa é dos partidos que não dão oportunidades para as mulheres de fato, aquelas que têm capital eleitoral e podem se eleger.

 

Que outros mecanismos podem ser adotados pela Justiça Eleitoral para dar mais força à candidatura feminina?

A Justiça Eleitoral reconhecer que uma fraude em uma chapa contamina uma chapa inteira. A partir do momento que tivermos candidatos eleitos perdendo o mandato porque fraudou a chapa, e partidos políticos perdendo fundo de participação por ter participado da fraude, nós vamos começar a melhorar essa história. E depois, quando as mulheres fizerem o caminho pra rua e os homens fizerem o caminho pra casa, ou seja, quando as tarefas domésticas não forem exclusividade das mulheres para que elas tenham mais tempo de fazer campanha e formar um bom capital eleitoral e concorrerem.

 

Dá pra mudar alguma coisa já em 2018?

Nós estamos esperando pela resposta da Justiça Eleitoral. Vamos ver como a Justiça Eleitoral irá julgar essa quantidade de processos que está aí. Antes não se julgava porque se dizia que não havia uma ação cabível, agora tem uma ação cabível. O TSE (Tribunal Superior Eleitoral) já disse inclusive a partir de uma ação de um movimento que nós fizemos no Piauí. Nós ajuizamos todas as ações contra todos os legitimados para desafiar a Justiça Eleitoral a dizer que nenhuma delas era válida. E a Justiça Eleitoral disse que duas são válidas. Então estão aí numa profusão de ações a serem julgadas, e o que tenho acompanhado até agora é que nenhuma chapa foi cassada. O Judiciário está sempre dando um jeitinho: “não, tira as candidatas laranjas”, “reduz o número da chapa”, mas reduz em quem? Naqueles que não se elegeram. Ora, todos se beneficiaram, inclusive os eleitos.

 

Então está faltando aplicabilidade da lei.

Está faltando aplicar a lei, partido político e o Poder Judiciário.

 

Mudando o assunto, como a senhora avalia o atual cenário político nacional?

Acho que as regras não devem mudar no meio do jogo, temos regras claras e a Constituição diz o que deve ser feito em caso de morte, renúncia ou cassação de mandato. Temos o Código Eleitoral dizendo qual é a regra e quando os votos são anulados. Então é aguardar qual das duas situações vamos ter, e se vamos ter alguma delas: se o presidente vai sofrer um processo de impeachment, se ele vai renunciar. Então nós temos uma consequência: eleições indiretas porque adentramos no terceiro ano do mandato, e é isso que a Constituição diz no artigo 81. Entretanto, o Código Eleitoral diz que em sendo a chapa anulada com os votos tornados inválidos, nós temos sempre eleições diretas até os últimos seis meses do mandato. Então o cenário é esse, está posto. Não vamos envergar a Constituição, vamos cumpri-la. E cumprir a Constituição é fazer eleição direta quando tem eleição direta, e fazer indireta quando tem que fazer indireta, sem dar jeitinho.

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