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13/03/2017 às 08h28min - Atualizada em 13/03/2017 às 08h28min

É preciso debater com os radicais

Outro dia, acompanhei atentamente o que aconteceu na Hebraica, o famoso clube de judeus da capital paulista. O que aconteceu foi que a Hebraica havia feito um convite ao deputado Jair Bolsonaro para uma palestra e, diante da resistência de milhares de seus membros, acabou retirando o convite. Isso gerou, obviamente, um bafafá danado.

 

Dois comentários sobre o ocorrido trataram o problema de forma distinta. O jornalista Reinaldo Azevedo, conhecido por sua visão política conservadora, defendeu a decisão da Hebraica de retirar o convite. “Bem, fosse eu judeu e associado à Hebraica, é claro que estaria entre os quase três mil que repudiaram a presença do deputado no clube. E eu o teria feito — lembrando sempre que, nessa hipótese, eu seria um judeu — em memória daqueles que compartilharam com meus antepassados os campos de concentração. (...) Se há lugar no mundo para Bolsonaro e bolsonarismos, fico feliz que não seja a Hebraica. (...) Nessas coisas, não há meio-termo. Ou você repudia o fascismo ou dá piscadela pra ele. Eu repudio” – escreveu o jornalista.

 

Se tomarmos a justificativa de Reinaldo Azevedo apenas pela parte do respeito aos judeus que sofreram em campos de concentração, talvez eu possa até vê-la como plausível. Mas, o artigo deixa transparecer, ao final da transcrição que fiz, que o repúdio é justificado também pelo simples fato de Bolsonaro ser considerado um fascista.

 

Aí, diante dessa justificativa, já discordo frontalmente dele, abraçando-me ao segundo comentário que li sobre o tema, dessa vez por parte de Clovis Rossi, da “Folha de S. Paulo”: “Jair Bolsonaro é uma das figuras mais lamentáveis de um Congresso que não chega a ser exemplar. Ainda assim, é um erro —e erro grave— a Hebraica (...) tê-lo ‘desconvidado’ de uma palestra, depois da reação de uma parcela da comunidade. Minha opinião sempre foi a de que não se deve ter medo da palavra. O que, sim, se deve temer é a possibilidade de que essa palavra, sempre que deletéria como me parece ser a de Bolsonaro, ganhe adesões em massa. Mas o remédio, se é que há remédio para isso, não é silenciar quem quer que seja. É contrapor a um ideário do qual se discorda um conjunto de ideias capazes de seduzir um número maior de pessoas”.

 

Bingo! O caminho proposto por Clovis Rossi é o mais trabalhoso, mas é o único com alguma chance de abafar os radicais de direita ou de esquerda. Infelizmente, é o que menos se vê na prática. Pegue o exemplo das universidades federais, especialmente nos cursos de humanas, que tradicionalmente possuem muita gente alinhada com pensamentos de esquerda. Com qual frequência você vê alguém como Jair Bolsonaro ser convidado para um debate em um curso de Sociologia? Vamos para o outro lado. Com qual frequência você vê Guilherme Boulos, que comanda o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto, participar de mesas redondas em entidades patronais ou em redutos da direita? Nos dois casos, a resposta é a mesma: quase nunca.

 

Isso é um erro, na minha visão. Bolsonaro ou Boulos não vão deixar de arregimentar seguidores porque você não os convidou para um debate em sua instituição. Pode ser até que o inverso aconteça. Em uma era de pós-verdade, em que as redes sociais podem propagar as maiores bobagens imagináveis e inimagináveis, você deixar que um radical fale somente para o público dele é permitir a produção de material com a opinião exclusiva desse radical. Ao contrário: se você leva Bolsonaro para uma mesa redonda com gente inteligente das Ciências Sociais, dentro de uma universidade, você não estará prestigiando o deputado que você considera fascista, mas gerando uma oportunidade das ideias dele serem efetiva e inteligentemente confrontadas. De quebra, você ainda terá material para espalhar nas redes sociais à vontade, ajudando a fazer um contraponto àquele discurso extremista. O mesmo vale para o outro lado, seja na figura de Boulos ou de qualquer radical de esquerda.

 

Sim, eu sei que isso dá trabalho. Sei que embrulha o estômago ouvir idiotices de extremistas. Mas, é o único caminho possível para que tais radicais sejam confrontados. Isolá-los em seus próprios redutos, em uma era de comunicação livre, instantânea e gratuita, como acontece com as redes sociais na atualidade, poderá apenas estimular discursos livres e incontestados, os quais servirão para atrair gente que não teve contato com ideias contrárias às daquele sujeito radical. É isso o que você quer?

 

Alexandre Henry - Escritor e Juiz Federal

www.dedodeprosa.com 


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