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01/02/2023 às 08h00min - Atualizada em 01/02/2023 às 08h00min

Comprovante de endereço é mais importante que a dor de uma vítima de danos morais?

ALEXANDRE VALADÃO

Bem no início do ano, deparei-me com uma sentença proferida por um juiz do Juizado Especial Cível de Uberlândia em que extinguia um processo, bem no seu começo, porque a autora não apresentou, quando deu entrada nesta ação, o comprovante do endereço em que reside, sob a alegação de que não era possível avaliar se o processo foi dada entrada no local correto.

Trata-se de uma ação que pede a condenação de uma companhia aérea a pagar danos morais por ter tratado com omissão e negligência os passageiros de um voo que não pode pousar em Uberlândia porque a pista estava interditada e, dentre esses passageiros, encontravam-se a Autora e sua mãe.

Em virtude da interdição da pista de pouso do aeroporto de Uberlândia, a aeronave foi orientada a pousar no aeroporto localizado em outra cidade. Ao pousar, os tripulantes, comandante e piloto demonstraram total despreparo para com os passageiros, já que o momento era de tensão e medo, pois chovia muito e a aeronave fora despressurizada, apesar de a ordem ter sido para que todos os passageiros permanecessem em seus lugares, aguardando orientações.

A mãe da autora começou a sofrer os efeitos da crise de pânico que a acomete, e reclamou com as aeromoças, que nada fizeram. No desespero, dirigiu-se à cabine de comando, quando, depois de muita discussão, fora orientada a sentar nas escadas externas do avião, sob chuva, mas não podia sair para a pista ou para o interior do aeroporto. Ou seja, sua mãe ficou sozinha, sob chuva, sofrendo os efeitos da crise que enfrentava, e a filha não podia fazer nada.

Isso para contar somente 10% da conduta omissa e negligente da companhia aérea naquele dia.

O juiz responsável por esse processo, ao analisá-lo preliminarmente (pasmem!), ao invés de preocupar-se com a conduta ilegal e criminosa da companhia aérea, preocupou-se com o fato de que a Autora não apresentou o comprovante de seu endereço, apesar de seu logradouro ter sido corretamente informado na Procuração e na Petição Inicial.

E pior ainda!

Ao invés de pedir à Autora que apresentasse o comprovante, ele simplesmente EXTINGUIU, ENCERROU, MANDOU ARQUIVAR O PROCESSO!

Ou seja, se a autora quiser, terá que dar entrada em um novo processo, reunir toda documentação novamente (principalmente o tal do comprovante de endereço!?!?), procurar o advogado novamente, esperar mais um bom tempo até o processo chegar às mãos do juiz, enquanto sua mãe sofre as consequências da tragédia até hoje, lidando com seus traumas e submetendo-se a tratamentos psicológicos e psiquiátricos.

De se destacar que o Código de Processo Civil (art. 320) e a Lei nº 9.099/95 (Lei dos Juizados Especiais Cíveis) preveem quais são os documentos indispensáveis para se entrar com um processo e o comprovante de endereço está longe de o ser.

Se o juiz julgasse tão importante a análise desse documento, porque não intimou a Autora a apresentá-lo em 48 horas, já que o procedimento dos Juizados Especiais preza pela celeridade?

Mas não. Preferiu se ater tão somente ao formalismo, ao pragmatismo, pouco se importando com o sofrimento alheio e com a função social do Poder Judiciário que é, justamente, levar “justiça” a quem lhe procura.

Será que isso teria ocorrido se a Autora do processo fosse a mãe desse juiz? Ele teria encerrado ou teria pedido para apresentar o comprovante de endereço?

Fica a pergunta, mas a conclusão é a mesma: a morosidade do Poder Judiciário brasileiro não passa somente pela imperfeição de nossas normas, ou pela insuficiência de servidores nos Tribunais, ou por erros técnicos no sistema, mas, principalmente, pela falha ou má vontade do ser humano, seja ele juiz, promotor, advogado, servidor.

Enquanto comprovantes de endereço forem mais importantes que o descaso e acinte de grandes empresas para com o cidadão, o Judiciário sempre estará prestando um desserviço à comunidade, alimentando a exclusão dos menos favorecidos e o sentimento de injustiça.

Bom senso!

 
*Este conteúdo é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.
 
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