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01/06/2022 às 08h00min - Atualizada em 01/06/2022 às 08h00min

O discutível critério adotado pelas universidades nas cotas para negros

ALEXANDRE VALADÃO
A Lei nº 12.711/12, que “dispõe sobre o ingresso nas universidades federais e nas instituições federais de ensino técnico de nível médio”, prevê em seu art. 3º que “Em cada instituição federal de ensino superior, as vagas [...] serão preenchidas, por curso e turno, por autodeclarados pretos, pardos e indígenas e por pessoas com deficiência, nos termos da legislação, em proporção ao total de vagas no mínimo igual à proporção respectiva de pretos, pardos, indígenas e pessoas com deficiência na população da unidade da Federação onde está instalada a instituição, segundo o último censo da Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE.”

No mesmo sentido é a Portaria Normativa nº 18, de 11/10/2012, do Ministério da Educação, que “dispõe sobre a implementação das reservas de vagas em instituições federais de ensino”, em seu art. 3º, II.

Além disso, o STF (Supremo Tribunal Federal), em vários julgados, inclusive na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 186 e na Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) nº 41, já enfrentou o tema e decidiu, em resumo, que não viola a Constituição Federal (CF) a instituição de reserva de vagas, com base em critério étnico-racial, no processo de seleção para ingresso em instituição pública de ensino superior. Na ADC nº 41, do Distrito Federal, o STF decidiu que a Lei nº 12.990/2014, que reserva a pessoas negras 20% das vagas oferecidas nos concursos públicos para provimento de cargos efetivos e empregos públicos no âmbito da Administração Pública Federal direta e indireta, não ofende a Constituição Federal.

Ou seja, ninguém discute que os critérios são legítimos, constitucionais, e que tenta compensar um passado histórico de discriminação com essa parcela da sociedade.

Porém, as vagas restritas nas Universidades são destinadas a PRETOS, PARDOS e INDÍGENAS (PPI). Assim, o problema reside justamente na seguinte definição: o que é pardo? Como identificar uma pessoa parda?

Dois critérios existem atualmente para definir se a pessoa é parda ou não: a autodeclaração (afirmação firmada pelo próprio interessado) e a heteroidentificação (quando terceiros analisam a pessoa entrevistada e definem seu pertencimento).

No julgamento da ADC nº 41, em seu voto, o ministro Luís Roberto Barroso assentou que a elevada miscigenação da população brasileira poderia levantar dúvidas sobre o enquadramento do candidato no grupo de pretos ou pardos. Para essas situações, chamadas por ele de “zonas cinzentas”, o critério da autodeclaração deverá prevalecer. Tal mecanismo dá maior legitimidade para o trabalho das comissões, que devem adotar critérios minimamente objetivos, e permite a prevalência da declaração do candidato.

Assim, nomear pessoas estranhas, ainda que com formação acadêmica no assunto, para definir se alguém é ou não pardo, é por demais temerário.

O que se ensina nos bancos das escolas de ensino médio, na disciplina de “Geografia”, é que o pardo é uma mistura de raças, e esse é o critério adotado pelo IBGE quando da realização do Censo Demográfico, e que é amplamente divulgado pelas mídias nacionais.
Assim, as decisões exaradas por Comissões de Heteroidentificação instituídas nas Universidades para avaliar se os candidatos pertencem ao grupo PPI devem ser analisadas com cautela.

Ninguém pode definir o pertencimento de outra pessoa. Ninguém pode definir se eu me sinto pardo, se eu me filio a determinado posicionamento político-partidário, se sou adepto de determinada orientação religiosa.

Por isso que, em muitos casos, o Poder Judiciário tem proferido liminares e sentenças para manter o direito dos alunos em se matricularem ou cursarem a faculdade mesmo que tenham sido desclassificados pela Comissão de Heteroidentificação.

Assim, caso algum aluno esteja nessa situação, mas se sente lesado no seu direito constitucional de livre convicção racial, deve procurar um advogado e fazer valer sua autodeterminação. Justiça!


*Este conteúdo é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.
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