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21/09/2023 às 10h55min - Atualizada em 21/09/2023 às 10h55min

População indígena em Uberlândia reduziu pela metade nas últimas duas décadas

Levantamento do IBGE mostra que apenas 775 pessoas se autodeclaram como povos originários na cidade

KAUÊ ALTRÃO | DIÁRIO DE UBERLÂNDIA
Comunidade indígena de Uberlândia se reúne com frequência para celebrar costumes e rituais | Foto: CACIQUE KAWANY TUPINAMBÁ
A população indígena em Uberlândia sofreu uma redução de 50% nos últimos 22 anos. Foi o que apontou o levantamento do Censo 2022, feito pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O estudo mostra que o número de descendentes dos povos originários reduziu de 1.551 habitantes para 775, no período de 2000 a 2022.

A queda no índice já vinha sendo percebida no penúltimo Censo, feito em 2010, Na época, o IBGE revelou uma queda de 37% na população indígena, apontando a existência de 965 cidadãos pertencentes aos povos originários. Entre 2010 e 2022, a redução foi de 19%. Dos 713.232 mil habitantes de Uberlândia, que responderam à pesquisa, apenas 0,11% se declararam descendentes de povos originários. 

Para a antropóloga e historiadora Lídia Meirelles, o fator que vem contribuindo para a diminuição dos descendentes indígenas são os choques identitários. 


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“Assumir a herança cultural e étnica, inserido em outro ambiente, requer muita perseverança. Se já não se fala mais tanto a sua própria língua, se não se habitam mais as aldeias, seu povo, suas tradições, vão se perdendo suas condições identitárias. Por exemplo, crianças e adolescentes, principalmente, que não estão inseridos nessa vivência e estão em contato com outras pessoas não indígenas na escola, eles vão assumindo cada vez menos a sua herança, seu pertencimento”, explica. 

A historiadora ouvida pelo Diário também afirma que, além disso, a questão do racismo e a disparidade cultural são pontos que potencializam o problema. 

“É uma situação muito difícil, que demanda resistência. Ainda nessa escola, não indígena, você tem todo um conhecimento e conteúdo das mais diversas áreas, mas que não faz referência ao modo próprio com os indígenas vivem, ou pelo menos como o modo que esse ou essa indígena viveu. A escola é não indígena e reproduz um conteúdo que não respeita ou considera a incorporação desses valores, crenças, hábitos e línguas, apesar de dever ser incluso pela constituição, mas geralmente não há um preparo. E no dia a dia, essas pessoas só conseguem reproduzir e vivenciar sua própria cultura quando estão em um coletivo de seu pertencimento. É uma situação de muito conflito e dificuldade, todas essas questões vêm à tona”, complementou. 

Em entrevista ao Diário, a líder dos indígenas em contexto urbano
 em Uberlândia, Cacica Kawany Tupinambá, afirma que o preconceito e a discriminação também são barreiras que dificultam a preservação da cultura e a perpetuação indígena.

“Vim do interior do Ceará para Uberlândia quando tinha 14 anos, isso há 34 anos. Sou migrante dentro do meu próprio país, porque meu território foi tomado, fomos hostilizados, as terras queimadas e daí para pior. E até aqui mesmo é um ambiente de não aceitação, não me reconhece como indígena. As pessoas olham para mim e falam ‘Índia tem é no Paraguai, não tem índio aqui não’. Somos discriminados e ignorados como se não fossemos ninguém”, contou.

Para manter a tradição viva, Kawany e outros residentes indígenas de Uberlândia se reúnem para celebrar sua cultura e costumes. “Uso meus adornos no dia a dia, vivo a herança que carrego como mulher indígena mesmo no contexto urbano e me reúno com meus semelhantes, que chamo de parentes distantes, seguimos nossos calendários de rituais e datas festivas aqui na OCA”, afirmou.


Ela e outros indígenas da cidade de Uberlândia têm se posicionado pela reconstrução da OCA – Centro Cultural Indígena Kauã Poty Guarani. A OCA fisicamente é uma construção feita de madeira, e palha nos moldes das ocas tupinambás. O centro também busca o fortalecimento da cultura Indígena na cidade e na região do Triângulo Mineiro. 


Já o ator e produtor cultural Macsuara Kadiwéu veio do interior do Pantanal, no Mato Grosso, e se estabeleceu no município há 27 anos. Apesar do cenário de dificuldades, também partilha do otimismo e do orgulho de sua identidade. Em entrevista à reportagem, o profissional conta que busca em suas raízes a história que precisa ser contada por meio de documentários, tanto para a nova geração de seu povo, como toda a população brasileira.  

“Eu só estava de passagem, mas, na época, reconheci que Uberlândia era meu lugar, como a minha cidade. Construí minha família. Só que não parei, eu produzo meus documentários em parceria com outras pessoas desde 1985, levando a cultura e contando um pouco da nossa história para a galera indígena e não indígena, que às vezes compra algumas ideias que não entendem. E precisamos de otimismo e perseverança, eu vivo essas palavras”, enfatizou. 

Os longas-metragens enfatizam a importância e a vivência dos povos indígenas, suas culturas e tradições, realizando uma narrativa educativa de modo contra colonial, expandindo e incluindo diversos olhares por meio do recurso cinematográfico. As produções também reforçam a importância de ocuparem espaços simbólicos na sociedade e sua reafirmação identitária.

NO BRASIL E REGIÃO
Conforme o IBGE, o Brasil tem 1,7 milhão de pessoas que se identificam como indígenas. Isso corresponde a 0,8% da população total do país. Das 5.570 cidades do território nacional, 4.832 têm moradores indígenas (86,8%). A maioria desta população (63%) vive fora das 573 terras oficialmente demarcadas pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai).

Considerando todo o estado de Minas Gerais, Uberlândia é o 7º município com mais indígenas. Já em relação à região do Alto Paranaíba, fica na 1º posição. Nas cidades próximas, Uberaba e Patos de Minas são as que possuem mais povos originários, com 240 e 234 habitantes, respectivamente. 


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