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06/08/2023 às 12h00min - Atualizada em 06/08/2023 às 12h00min

Patrimônio cultural: conheça a história por trás do surgimento das feiras livres de Uberlândia

Diário conversou com feirantes que atuam na cidade há mais de 50 anos e celebram o reconhecimento do segmento

IGOR MARTINS I DIÁRIO DE UBERLÃNDIA
As tradicionais feiras livres agora são consideradas Patrimônio Cultural Imaterial de Uberlândia. O trabalho desenvolvido pelos feirantes foi reconhecido por meio da lei 14.035, que entrou em vigor na última segunda-feira (1º). O Diário conversou com feirantes que atuam há mais de 50 anos no setor e contam detalhes sobre a história das feiras na cidade e a importância deste reconhecimento.
 
Atualmente, Uberlândia conta com mais de 60 feiras livres, realizadas sempre de terça-feira a domingo. São mais de 30 edições diurnas e noturnas em vários bairros. A frequência, no entanto, não era tão alta quando as primeiras feiras aconteceram em Uberlândia, em meados da década de 60.
 
De acordo com Pompílio Macedo, o Pepe, de 73 anos, considerado o feirante mais antigo da cidade. Ele explica que as feiras livres tiveram início na cidade em 1964. A primeira edição foi realizada na avenida Cesário Alvim, no Centro. Na época, ele tinha aproximadamente 12 anos de idade e conta que era comum vender animais vivos, como porcos e galinhas. O sucesso foi tão grande que as feiras começaram a conquistar os uberlandenses.


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Na época, Pepe ajudava o pai em um armazém local. A família viu na feira livre uma oportunidade de elevar as vendas, o que acabou dando certo. Foi também durante as primeiras feiras livres que Macedo conheceu sua atual esposa: Rosângela Macedo, a Dona Rosa. No próximo ano, o casal completa 50 anos de casamento e segue até hoje vendendo produtos nas feiras.
 
Na barraca, o casal comercializa grãos, feijão, queijo, farinha e vários outros itens. De acordo com Pepe, muitas coisas evoluíram com o passar dos anos, especialmente a modernização das estruturas. Hoje, existe uma legislação que rege a realização das feiras livres e uma fiscalização muito maior do que 50 anos atrás.
 
“Antigamente as coisas eram no chão, as barracas eram feitas de lona de caminhão. A embalagem antigamente não era de plástico como é hoje, a gente embalava e enrolava em um jornal e amarrava com barbante”, afirmou Pepe.

 
Outra coisa que mudou foi a rotina de Pepe e Dona Rosa. Antigamente, as jornadas eram mais cansativas, mas isso também evoluiu. Em conversa com a reportagem, o feirante disse que muitos distribuidores vão até ele para vender os produtos naturalmente, algo que não acontecia no passado.
 
Se tem algo que definitivamente não mudou é a freguesia. Desde que abriu a barraca, em meados dos anos 60, Pepe costuma receber os mesmos clientes. Quando não são os mesmos, muitos deles são filhos, netos, bisnetos, primos, amigos ou tios da clientela antiga. Para ele, esse é o lado positivo das feiras livres.
 
“Quem compra de nós é daquela época, porque já sabe o que tem aqui. Já sabe que a qualidade é boa. A feira é uma coisa que nunca vai acabar. Já tentaram acabar com as feiras aqui, mas não conseguiram. Você pode ver que está aumentando, porque o freguês gosta da mercadoria. Você vai no supermercado, tem só um produto. Aqui você pode escolher. Essa é a vantagem da feira. Talvez você não goste do meu preço, mas chega ali e o preço do outro está um pouquinho melhor”, disse Pepe.
 
PASTEL DE FEIRA
O conhecido “pastel de feira” é uma marca das feiras livres e um dos queridinhos dos uberlandenses. Seja o misto, o de queijo, com refrigerante ou com caldo de cana, o alimento costuma movimentar muitas das barracas existentes hoje na cidade. Uma delas é o “Pastel da Helena”, administrado por Helena Maria Amaral Alves, de 57 anos.
 
A feirante abriu sua banca de pastel em novembro de 1990. Ela afirma que, com o passar dos anos, o pastel entrou de vez no gosto da população de Uberlândia e hoje é praticamente impossível desassociar o alimento da feira livre. Segundo ela, muitos clientes vão até as feiras apenas para sentar na mesa, pedir a comida e ir embora.
 
De acordo com Helena, a principal mudança que ela notou no mercado foi a modernização dos equipamentos para a produção de pastéis. As feiras livres continuam tendo um aspecto mais familiar e informal, mas a evolução da tecnologia permitiu a ela ter um pouco menos de trabalho e aumente o faturamento.
 
“Antigamente as coisas eram muito difíceis. A gente tinha que chegar na feira muito cedo, era uma carga de trabalho de 10 ou 12 horas por dia. Hoje eu tenho um trailer, a gente fabrica o pastel dentro dele. Antigamente fazia tudo na barraca, tinha que descarregar tudo, não era fácil. A tecnologia chegou, tudo ficou bem mais prático”, explicou.
 
O tempo de estrada do Pastel da Helena trouxe uma clientela fiel às bancas espalhadas pela cidade. Na visão da mineira, que é natural de Brasilândia, o pastel virou uma tradição em Uberlândia. Atualmente, é possível ver inúmeras bancas de pastel em uma mesma feira, o que para Helena mostra a paixão local pelo alimento.

 
 
“O uberlandense vai na feira para comer pastel mesmo. Às vezes compra uma verdura, uma fruta, mas ele passa para comer pastel. É um alimento que pegou. Tenho exemplos de vários pasteleiros que trabalharam comigo no passado e que abriram suas bancas em feiras, e dá certo. Tenho clientes que já estão na quarta geração, trazem os filhos e os netos para comerem”, disse.
 
Sobre a lei que reconhece a feira livre como patrimônio cultural imaterial de Uberlândia, Helena afirma que o reconhecimento é importante para a continuidade das feiras na cidade e uma forma de levar mais pessoas para estes espaços, sobretudo os mais jovens.
 
“É muito gratificante ter esse reconhecimento, fico muito satisfeita. É importante para a gente e para a população. As feiras são padronizadas e é um comércio muito organizado, é algo importante para a cidade. Uberlândia merece isso”, contou a empresária.
 
O ‘CASAL DA FEIRA’
A feira livre foi um ponto de mudança nas vidas de Shirlei de Jesus Pires Mota e Leonardo Alexandre de Souza Moraes. O “casal da feira”, como são chamados por clientes e outros feirantes, se conheceu há 13 anos enquanto trabalhavam em uma feira no bairro Planalto. Hoje estão casados e têm dois filhos.
 
Em conversa com o Diário, Shirlei conta que começou a trabalhar em uma banca de pastel aos 13 anos de idade. Aos 33, ela abriu a própria banca de frutas com Leonardo, de 37, e seguem uma rotina apertada para comprar os produtos frescos e garantir o melhor atendimento possível à clientela. Apesar dos problemas, a uberlandense disse que tudo fica mais fácil ao lado da família.
 
“[Ser feirante] é uma profissão muito corrida. A gente levanta às 3h e chega em casa às 16h. Tem dias que a gente sai às 4h e só chega às 23h, então é uma rotina bem cansativa. A gente trabalha nas feiras do Planalto, Brasil, Luizote, Santa Mônica e Monsenhor Eduardo. O reconhecimento da feira livre como patrimônio cultural é muito importante e a gente fica muito feliz”, disse.
 

PATRIMÔNIO CULTURAL
A lei 14.035, que reconhece as feiras livres de Uberlândia como Patrimônio Cultural Imaterial foi sancionada em julho pela Câmara Municipal e sancionada pelo prefeito Odelmo Leão (PP) na última segunda (1º). O projeto é de autoria do vereador Antônio Augusto Queijinho (CIDADANIA).
 
O reconhecimento de patrimônio imaterial está previsto na Constituição Federal, que estabelece a preservação pelo Estado, em parceria com a sociedade, dos bens culturais que sejam referências dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira. O patrimônio imaterial é transmitido de geração a geração, constantemente recriado pelas comunidades e grupos em função de seu ambiente, de sua interação com a natureza e de sua história, gerando um sentimento de identidade e continuidade, contribuindo para promover o respeito à diversidade cultural e à criatividade humana. 
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