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12/06/2023 às 18h46min - Atualizada em 12/06/2023 às 18h46min

Escolas de Uberlândia poderão ser proibidas de promover discussões sobre gêneros; entenda

Lei aprovada na Câmara prevê vedação para instituições de ensino públicas e particulares; texto é inconstitucional, segundo especialistas ouvidos pelo Diário

REDAÇÃO I DIÁRIO DE UBERLÂNDIA
Texto pretende vedar qualquer tipo de discussão sobre o tema em salas de aula I Foto: TÂNIA RÊGO/AGÊNCIA BRASIL
A Câmara Municipal aprovou nesta segunda (12), em última discussão, um projeto de lei que pretende proibir o debate sobre ideologia de gênero nas escolas públicas municipais e estaduais e também de ensino privado, em Uberlândia. O texto segue agora para o Executivo, que pode sancionar ou vetar a lei, ou ainda devolve-la ao Legislativo para promulgação.
 
Caso entre em vigor, a legislação poderá proibir que discussões sobre o tema sejam realizadas por diretores, orientadores, professores, coordenadores e qualquer funcionário subordinado à rede pública ou particular dentro do ambiente escolar.
 
A proposta já havia sido aprovada em primeira discussão na última semana. Nesta segunda (12), retornou ao plenário para nova apreciação dos vereadores. A votação ocorreu no formato de maioria simples e simbólica (modalidade em que o vereador não identifica o voto de forma nominal).
 
O projeto é assinado pelos vereadores Zezinho Mendonça (PP), Sérgio do Bom Preço (PP), Walquir Amaral (SD), Antônio Augusto Queijinho (Cidadania), Anderson Lima (DC), Leandro Neves (PSD) e Neemias Miquéias (PSD).


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O presidente da Câmara, Zezinho Mendonça, um dos autores da proposta, defendeu a medida dizendo que é preciso que haja uma “neutralidade ideológica” nas escolas. “O planejamento educacional deverá abordar matérias que garantam a neutralidade ideológica e respeitar o direito da família e dos educandos de receberem a orientação sexual de acordo com as convicções morais de seus pais ou responsável legal. Cabe a qualquer funcionário que exerça função de supervisor da instituição de ensino fiscalizar os seus docentes”, afirmou.
 
Entre os 26 parlamentares, apenas sete se manifestaram contrários ao projeto, entre eles: Amanda Gondim (PDT), Cláudia Guerra (PDT), Dr. Igino (PT), Fabão (PROS), Gilvan Masferrer (DC), Liza Prado (sem partido) e Murilo (Rede).
 
“Graças a ele [o estudo de gêneros], é possível construir a igualdade entre homens e mulheres, salarial, combate à violência contra bebês e crianças, adolescentes e mulheres. Orientação nas escolas previne crimes. A autonomia do docente é fundamental. O contrário disso significa perseguição”, defendeu a vereadora Cláudia Guerra.
 
A vereadora Amanda Gondim também questionou o conteúdo do projeto. “É um projeto eleitoreiro, manipulador, dissimulado, sínico e hipócrita. Falar de gênero é prevenir a violência também. Uma forma de trazer a promoção de uma emancipação de uma educação libertadora, de a gente reconhecer enquanto indivíduo dentro da sociedade, da nossa responsabilidade e nossos papéis”, destacou.
 
Amanda acrescentou que o projeto será encaminhado à Justiça. “Vamos levar a instâncias superiores. Já foram derrubados diversos projetos como esse no STF, de outras câmaras municipais, porque não é competência de vereança legislar sobre diretriz de educação. Já entramos nesse ponto. Ainda derrubam um parecer pela inconstitucionalidade, seguem nesse viés eleitoreiro e esperam que fiquemos em silêncio, sob subterfúgio de estarem protegendo as crianças”, complementou.
 
INCONSTITUCIONALIDADE
Especialistas ouvidos pelo Diário afirmam que a proposta aprovada na Câmara pode ser considerada inconstitucional e que, a princípio, deve ser derrubada.
 
Para o professor de direito constitucional da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), Alexandre Walmott, o município não pode legislar sobre a matéria. “O município não tem competência, pois conteúdos e diretrizes curriculares são de competência do Governo Federal. Como a proposição vem determinar, ainda de maneira imprecisa, certas coordenadas curriculares, avançou na competência que não é do município, mas do poder Federal”, destacou.
 
Walmott aponta outro problema que também inviabiliza a constitucionalidade do projeto, uma vez que o texto viola o artigo 3º da Constituição Federal, que prevê a promoção do bem comum, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação, e a utilização de termos imprecisos.
 
“Ninguém sabe ao certo, o que quer dizer o termo ideologia de gênero. É um termo desprovido de consistência e parece muito mais uma forma camuflada de que uma certa visão de mundo e de moralidade se sobreponha sobre outras. E isso pode abrir as portas da arbitrariedade para que qualquer pessoa julgar outra. Essa norma traz uma série de sanções aos servidores da educação, que é gravíssimo”.
 
O docente lembra que propostas como essa têm surgido em todo o país há alguns anos e que Uberlândia não é pioneira. “Na verdade, temos decisão do STF sobre a matéria, que são vinculantes e obrigatórias para toda administração pública e poder judiciário. Com relação ao legislativo, não tem como proibir os vereadores de legislar. Mas, é um projeto de lei que nasce morto”.
 
Em entrevista ao Diário, o professor de ciência política e sociologia da UFU, Edilson José Graciolli, reforçou que o debate sobre a questão vai muito além do o que foi proposto na Câmara Municipal.
 
“Não existe ideologia de gênero. Existem gêneros, que são construções socialmente determinadas, que se modificam ao longo do tempo. Não decorrem automaticamente do sexo biológico. Há toda uma carga construída culturalmente, socialmente, historicamente, quanto aos papéis que cabem a homens e mulheres. Há também a intolerância para com a comunidade LGBTQIAP+”.
 
Graciolli lembra que discussões desta natureza fortalecem a formação civilizatória da comunidade. “Esses assuntos fazem parte da formação de uma civilização marcada pela tolerância, possibilidade de conviver com o diferente. É preciso desnaturalizar aquilo que alguns entendem ser, estritamente, natural ou advindo de alguma divindade”, defendeu.
 
O professor lembrou ainda que a Comissão de Constituição, Justiça e Redação da Câmara deu parecer contrário ao seguimento do projeto, que acabou sendo derrubado pelos vereadores. “O Plenário derrubou esse parecer. Na votação em segunda votação, houve um atropelo, foi simbólica, não houve espaço pra debate. Temos, de fato, uma matéria que será derrubada em Ação Direta de Inconstitucionalidade”.


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