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23/10/2022 às 14h00min - Atualizada em 23/10/2022 às 14h00min

Portadores de HIV falam sobre desafios, superação e luta contra o preconceito

Oferecido pela rede pública, medicamento garante qualidade de vida aos diagnosticados e facilita combate ao vírus da Aids

IGOR MARTINS | DIÁRIO DE UBERLÂNDIA
Diagnosticada com HIV em 2017, Juliani Pedroso escreveu um livro sobre superação e recuperação da autoconfiança | Foto: Arquivo Pessoal

Com o objetivo de relatar a própria superação e ajudar as pessoas diagnosticadas com Aids (Síndrome da Imunodeficiência Adquirida) ou portadoras do vírus HIV, a moradora de Uberlândia Juliani Pedroso escreveu o livro “Quando sei quem sou”, onde conta sobre os desafios e tabus que a doença traz. Através do lema “Não nos é dada uma vida boa ou ruim. Nos é dada uma vida”, a autora visa recuperar a autoconfiança dos pacientes que enfrentam o luto e passam pelo processo de se aceitar novamente.

“Eu mostro a minha superação, como eu saí do estágio de morte nos aspectos mental, físico e espiritual, e fui para um estágio de progressão e vida. Eu saí do abismo. Muitas pessoas ficam paralisadas depois de terminarem um relacionamento ou perderem um emprego. Eu busco auxiliar as pessoas a entenderem quem elas são”, falou Juliani.

Juliani Pedroso descobriu o diagnóstico do HIV, vírus causador da doença Aids, junto com o marido em 2017. Na ocasião, ele foi diagnosticado com câncer, que possivelmente avançou devido à Aids, uma vez que a doença ataca o sistema imunológico. O companheiro de Juliani não resistiu e ela ficou com o HIV e o luto.

“Foi um período muito difícil. No começo, eu neguei tratamento e achei que era o fim da minha vida. Achei que eu não seria aceita pela sociedade mais e que minha vida havia chegado ao fim. Hoje, eu levo uma vida normal e consegui me abrir para o mundo novamente. Estou aqui agora para ajudar as pessoas a entender quem elas são”, argumentou Juliani.

Nascida no estado do Paraná, Juliani explica que depois do diagnóstico, ela contou com a ajuda de uma psicóloga que foi fundamental para ela se recolocar no mundo. Após a sugestão de fazer aulas de dança, a paranaense de 45 anos passou a fazer a atividade física e começou a se aceitar mais. O que era um conselho virou sua atividade profissional.

Além do livro, atualmente, Juliani tem um projeto independente no bairro Shopping Park, onde ela ensina diversos tipos de dança para a comunidade. Segundo ela, a iniciativa só foi possível graças à qualidade de vida oferecida pelo tratamento contra o HIV. Com as doses diárias de medicamentos, sua rotina é normal como a de qualquer outra pessoa.

“Ao longo do tratamento, fui percebendo que eu não era um vírus. Foi um processo lento, mas desde então eu fiz cursos, busquei autoconhecimento e hoje consigo viver tranquilamente. Sou soropositiva, heterossexual, saudável e não sinto nada. Sou indetectável e intransmissível graças ao tratamento”, disse Juliani Pedroso.

Uma das principais preocupações da professora de dança é com relação ao preconceito. De acordo com Juliani, a Aids ainda é um tabu para muita gente, que ainda rotula a doença com a morte e com imagens cadavéricas. Ao contrário do que acontecia na década de 80, é possível viver muito e com qualidade, algo que não acontecia com quem se contaminava na época, como foram os casos dos artistas Cazuza e Renato Russo, que morreram com 32 e 36 anos, respectivamente.

“Eu sempre busco levar informações para as pessoas que buscam tratamento. A primeira coisa que vem na mente de uma pessoa contaminada é que ela vai morrer, e isso não é verdade. Hoje, quem faz o tratamento vive muito e pode até mesmo se relacionar. A pessoa não é impedida de fazer nada”.

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PROCESSO DE SUPERAÇÃO


 

O uberlandense Matheus Maia contou ao Diário de Uberlândia que recebeu o diagnóstico do HIV aos 18 anos de idade. Hoje, aos 25, o mineiro leva uma vida normal graças à eficácia do tratamento antirretroviral, disponibilizado pelo Sistema Único de Saúde (SUS) em Uberlândia. Apesar disso, o gestor de marketing disse que o processo de aceitação e superação foi longo.

“Foi assustador quando eu recebi o diagnóstico. Para uma pessoa que estava entrando na faculdade e tinha muitos planos pela frente, chega a ser desesperador. Eu achei que minha vida ia acabar, mas hoje vejo que senti isso por falta de informação. Tive o privilégio de contar com o apoio dos meus pais e iniciei o tratamento”, detalhou.

De acordo com Matheus, o diagnóstico precoce é fundamental para facilitar o combate à Aids. Depois que descobriu ser portador do HIV, o uberlandense passou a praticar o autoconhecimento e aumentar os cuidados. Desde então, ele vive como qualquer outra pessoa: trabalha, viaja e coleciona momentos ao lado dos amigos, da família e do namorado.

Durante os sete anos infectado pelo vírus, Matheus Maia falou que passou por preconceitos e estigmas, o que gerou frustrações e dores pessoais. Para isso, ele resolveu compartilhar em suas redes sociais a sorologia e evitar que o assunto seja um tabu. Frequentemente, o profissional graduado em jornalismo posta conteúdos informativos sobre o HIV.

“Eu optei por expor minha sorologia para acabar com esse estigma. Antigamente, eu me envolvia com algumas pessoas e no meio do caminho eu expunha o meu caso e a pessoa se afastava, mesmo tomando todos os cuidados. O preconceito fez parte da minha vida por muito tempo, então boa parte das minhas relações afetivas passaram por esse estigma, que é muito doloroso. Meu parceiro atual já me conheceu sabendo que eu tinha HIV”, revelou.

ACOLHIMENTO
O presidente da Rede Nacional de Pessoas Vivendo com HIV (RNP) em Uberlândia, Edval Cantuário falou sobre o trabalho desempenhado pela instituição na cidade. O local oferece serviços gratuitos de psicologia, fisioterapia e assistência jurídica a pessoas diagnosticadas com a Aids. Em mais de 20 anos de projeto no município, foram mais de 1,5 mil cidadãos atendidos.

Cantuário conta que a RNP realiza o acolhimento de pessoas infectadas pelo vírus, fazendo ainda o incentivo à prevenção. Ao longo dos anos, a rede foi aprimorando a cobertura de serviços e já conta com orientação de nutrição, inclusão digital, grupos de auto-ajuda e distribuição de preservativos.

As palestras em instituições de ensino e empresas também são feitas com o objetivo de lutar contra o preconceito e auxiliar a comunidade diagnosticada com o HIV na inserção no mercado de trabalho, bem como na defesa dos direitos.

“Infelizmente o HIV ainda é alvo de muito preconceito. Antigamente, a doença era ligada a prostituição e homossexualidade, mas essa história ficou para trás. As pessoas acreditavam que quem tem HIV não presta, mas isso está um pouco menor. Tivemos casos de jovens que cometeram suicídio por não conseguirem lidar com o preconceito. A informação salva muitas vidas. A Aids não tem cor, classe social, sexo ou religião”, argumentou o presidente da RNP.

Edval Cantuário alertou sobre a importância do diagnóstico e do tratamento, disponibilizado tanto na rede particular quanto na rede pública, através do SUS. Com o uso diário dos medicamentos, uma pessoa infectada pode ter até mais qualidade de vida do que uma pessoa normal, segundo ele. Isso acontece devido ao combate ao vírus, reforçando as células de defesa do indivíduo.

“Em muitos casos, o vírus é tão combatido que ele fica intransmissível e indetectável. A evolução da medicina é louvável. No começo da doença, a Aids tinha uma contagem de seis meses e na década de 90 isso foi para oito meses. Hoje a pessoa consegue viver normalmente e com segurança. Ela vai ter imunidade alta devido ao medicamento”, comentou.
 

DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO


 

Em Uberlândia, o Sistema Único de Saúde (SUS) oferece o tratamento adequado para pessoas diagnosticadas com o HIV. Além disso, a rede pública também disponibiliza a testagem por meio do Programa de Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST), seja o teste rápido ou o teste sorológico.

Segundo a coordenadora do ambulatório Herbert de Souza, Cláudia Spirandelli, o diagnóstico precoce aumenta a eficácia do tratamento. Em conversa com a reportagem, Cláudia ressaltou a importância da testagem do vírus HIV na unidade localizada no bairro Presidente Roosevelt. “Todos aqueles que estiveram em risco recente ou tiveram relação sem preservativo devem procurar atendimento. Quanto mais cedo o diagnóstico, melhor a qualidade de vida do paciente”, disse.

De acordo com dados da Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais (SES-MG), Uberlândia registrou neste ano 117 casos de Aids. Em 2021, foram 348 notificações contra 301 em 2020. Com relação a óbitos por Aids, a cidade registrou 30 em 2020, 18 em 2021 e três em 2022.

O contágio pela Aids pode acontecer de diversas formas, incluindo sexo vaginal, anal e oral sem usar preservativo, receber transfusão de sangue contaminado, compartilhar instrumentos perfurocortantes sem esterilização e ocorre até mesmo de mãe para filho durante a gravidez, o parto e a amamentação.

Conforme relatado pela coordenadora, os números de contaminação por HIV podem variar ano após ano, já que o diagnóstico não acontece de maneira rápida. Segundo ela, há casos de pacientes que descobriram a infecção depois de anos. Em alguns casos, as pessoas descobrem ser portadoras do vírus após décadas.

“O paciente pode ter um diagnóstico tardio. Uma pessoa que recebeu o diagnóstico em 2022 não necessariamente se contaminou naquele ano. Ela pode ter refletido o ano de 2019 ou de qualquer outro ano. Temos pacientes que estão há mais de 30 anos fazendo o tratamento, então são dados complexos”, explicou Cláudia Spirandelli.

Para combater o vírus, os pacientes têm acesso gratuito ao medicamento pela rede pública de saúde de Uberlândia. De acordo com Spirandelli, o HIV ataca o sistema imunológico e deixa o organismo sem defesa contra outras infecções, provocando a imunodeficiência humana. O principal alvo do vírus é o linfócito T-CD4+, um dos tipos de célula de defesa do corpo humano.

A célula é responsável por organizar e comandar a resposta do sistema imunológico, pois consegue memorizar os tipos de micro-organismos que infectam o corpo e, assim, pode reconhecê-los e destruí-los. Quando infecta uma pessoa, o HIC invade um componente que reveste o linfócito e o invade para se multiplicar.

O vírus altera o DNA do linfócito para que cópias do vírus sejam criadas. Depois de multiplicar, o linfócito é destruído e se liga a outros para continuar o processo. Conforme a infecção pelo HIV avança, o sistema imunológico enfraquece, até não conseguir combater mais outros agentes infecciosos.

Ainda de acordo com Cláudia Spirandelli, os avanços científicos na área da medicina permitem que a pessoa contaminada tenha qualidade de vida. O tratamento oferecido pelo SUS consiste em medicações antirretrovirais. A medicação diminui a multiplicação do vírus no corpo, recupera as defesas do organismo e, para que o tratamento funcione, o soropositivo não pode se esquecer de tomar os remédios diariamente.

“O medicamento vem todo do Ministério da Saúde, por meio do Programa de Doenças Crônicas Transmissíveis. Também fazemos a distribuição de preservativos. Nenhum medicamento é comprado, todos eles são distribuídos gratuitamente em Uberlândia. O remédio diminui a carga viral e chega a zerar a presença do vírus na circulação”.

O Diário entrou em contato com a Secretaria Municipal de Saúde (SMS), que informou que a rede pública também oferta a Profilaxia Pré-Exposição (PrEP), indicada e utilizada antes da exposição sexual, e a Profilaxia Pós-Exposição (PEP), utilizada após exposição sexual com indicação de prevenção do HIV. Os medicamentos também são ofertados no ambulatório e no Hospital de Clínicas da Universidade Federal de Uberlândia (HC-UFU).
 


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