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25/08/2022 às 14h00min - Atualizada em 25/08/2022 às 14h00min

Espetáculo “Nastácia” é apresentado pela primeira vez em Uberlândia

Montagem é exibida no fim de semana, no Ponto dos Truões; ingressos estão esgotados

REDAÇÃO | DIÁRIO DE UBERLÂNDIA
Peça dirigida por Miwa Yanagizawa retrata violência e abuso contra a mulher | Foto: GUTO MUNIZ
Aclamado pela crítica, o espetáculo “Nastácia” será apresentado pela primeira vez em Uberlândia. A montagem, que retrata a violência e o abuso contra a mulher, retorna após mais de dois anos longe dos palcos em virtude da pandemia de covid-19. O espetáculo é exibido no sábado (27) e domingo (28), no Ponto dos Truões.

A imagem de Nastácia Filíppovna é a representação da forma mais profunda, complexa e pungente da luta de uma mulher contra a afronta à sua dignidade. Órfã desde a infância, Nastácia foi criada por um oligarca que a transformara em concubina aos 12 anos de idade. Uma mulher forte e de beleza estonteante se vinga da sociedade patriarcal que acredita que o poder e o dinheiro são absolvição para a prática de abusos, humilhações, violência física e moral contra as mulheres. 

Com direção de Miwa Yanagizawa e dramaturgia de Pedro Brício, o espetáculo une teatro e vídeo-arte para contar a história de uma das mais instigantes personagens femininas da literatura universal. Para Flávia Pyramo, idealizadora do projeto e intérprete de Nastácia, a personagem é um exemplo de mulher que transformou fragilidade em força, que lutou por sua dignidade com muita coragem, mesmo vivendo um turbilhão interno e uma violência terrível.

“Interpretar Nastácia é conviver com um coração disparado e olhos alagados. Toda vez que sou atravessada pelo pensamento de reencontrá-la, uma alegria extasiante vibra em todo canto do meu corpo, mas junto vem a dor de um estômago apertado, pois sei que contarei essa história olhando nos olhos de muitas protagonistas dessa tragédia real que é a violência contra a mulher", disse.

Nastácia fez estreia em agosto de 2019, em Belo Horizonte, com apresentações também no Rio de Janeiro, conquistando o Prêmio Shell (RJ) de Melhor Direção, o Prêmio APTR de Melhor Direção e o Prêmio APTR de Melhor Cenário, além de 34 indicações aos principais prêmios do país. Considerado pelo jornal O Globo um dos melhores espetáculos daquele ano, Nastácia recebeu três indicações ao Prêmio Shell do Rio de Janeiro – colocando a peça na liderança de indicações ao prêmio em 2019. 

Flávia Pyramo comenta que sabia da força da personagem e da potência da equipe da peça, mas não imaginava tamanho sucesso. "Nastácia é enorme! Dostoiévski é gigante! Mas eu estava mergulhada naquele universo, totalmente. Então, foi somente quando acabou, quando eu saí daquela imersão, que compreendi, de verdade, porque a obra foi criada. Quando olho para trás, fico impressionada com tudo o que aconteceu. Eu não tinha ideia da real dimensão desse trabalho. Às vezes penso: nossa, que coisa mais linda, e eu estava lá, no meio disso tudo!”, comemorou a atriz.

Após a temporada no Rio de Janeiro, a circulação do espetáculo precisou ser interrompida em virtude da pandemia. Com incentivo da Lei Estadual de Incentivo à Cultura, o retorno aos palcos contempla a circulação por quatro cidades mineiras, incluindo São João Del-Rei, Uberlândia, Ipatinga e Belo Horizonte, motivo de entusiasmo e comemoração para o elenco.

“Voltar para o teatro depois de tudo o que vivemos coletivamente com a pandemia, sofrendo ainda a desvalorização da cultura e a descredibilização dos artistas no Brasil, é uma oportunidade de corroborar a relevância da função artística, além de avolumar o grito contra toda forma de opressão que a peça traz e que o momento exige”, disse Flávia Pyramo.

NARRATIVA
A peça se passa no apartamento de Nastácia, na noite do seu aniversário. Ela deve anunciar seu casamento com Gánia, união articulada pelo oligarca Totski, homem que transformou Nastácia em concubina desde a adolescência e a submete a um verdadeiro leilão naquela noite. Flávia Pyramo conta que a ideia de fazer o espetáculo sobre uma personagem, com um recorte específico de um momento da sua história, veio do Kamas Ginkas, um diretor de teatro russo que montou a peça "KI from Crime", uma adaptação do livro "Crime e Castigo".

“Essa peça me marcou muito, eu já amava o livro e fiquei com muita vontade de fazer um espetáculo sobre a Sônia, uma personagem linda de 'Crime e Castigo', mas quando eu conheci Nastácia, fiquei louca por ela. A escolha do recorte na festa do seu aniversário se deu pela importância deste momento da história dela, o momento em que ela enfrenta seu algoz e toda a sociedade que a rodeia, e trata a todos e ao seu dinheiro (com o qual tentaram comprá-la) com o mais altivo desdém”, explicou.

Para Pedro Brício, repulsa e atração são forças conflitantes nos três personagens. Em relação ao desejo, ao casamento, ao dinheiro. “Na festa, além deles, há outros convidados que não vemos, estão subtraídos na encenação, são apenas mencionados. São aparências e ausências”, contou o dramaturgo.

Na dramaturgia, ele diz, os três personagens do texto contracenam e, também, monologam sobre suas estórias. A festa não acontece de maneira cronológica. Na imagem do tempo e na sua manifestação no palco, os limites também estão borrados. “O passado irrompe de repente e toma conta da cena. A força do que aconteceu antes da festa está ali. Entendemos claramente a estória, a potência do drama dos personagens é o que nos arrebata, por ser tão vertiginoso, por se transformar de uma hora para outra, diante dos nossos olhos”.

Concebido entre 1867 e 1869, “O Idiota” está longe de ser anacrônico. Segundo o Datafolha, uma em cada quatro mulheres acima de 16 anos afirma ter sofrido algum tipo de violência no Brasil, durante a pandemia de covid. Isso significa que cerca de 17 milhões de mulheres (24,4%) sofreram violência física, psicológica ou sexual no último ano.

Para a diretora do espetáculo, Miwa Yanagizawa, a arte é um espaço em que o artista pode, como mediador, reumanizar estatísticas devastadoras como essas. “Às vezes, os números são terríveis, eles nos espantam sem tocar. São séculos de opressão e crueldade contra as mulheres e, muitas vezes, acho que não nos vemos responsáveis pela manutenção de tais tragédias humanas”, contou.

“A história de Nastácia, como tudo em Dostoiévski, é de uma espantosa atualidade”, relata o tradutor Paulo Bezerra. Primeiro ela é vítima de um grão-senhor e gentleman pedófilo, que se vale do repentino estado de miséria dela e do muito dinheiro que possui e a transforma em concubina aos 12 anos de idade, sem sofrer qualquer censura da sociedade: é o poder do dinheiro falando mais alto”.

Bezerra destaca que hoje, no Brasil, a mulher é vítima de várias formas de violências, uma delas, a mais frequente, deriva do tratamento da mulher como posse, como objeto, como coisa. “Assim, a principal característica de um clássico é a de transcender os valores do seu espaço e do seu tempo e ser lido de maneira nova e atual em outras épocas e outras culturas à luz dos valores dos novos tempos”, explicou.


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SERVIÇO
O QUE: espetáculo “Nastácia”
QUANDO: sábado (27) às 20h e domingo (28) às 19h 
ONDE: Trupe de Truões (avenida Ana Godoy de Sousa, 381, Santa Mônica)
INGRESSOS: esgotados

Ficha Técnica | Nastácia
Dramaturgia: Pedro Brício
Tradução: Paulo Bezerra
Direção: Miwa Yanagizawa
Elenco: Chico Pelúcio, Flávia Pyramo e Lenine Martins
Direção de arte (Cenário e Figurino): Ronaldo Fraga
Videoarte: Cao Guimarães
Iluminação: Chico Pelúcio e Rodrigo Marçal
Trilha sonora e composição: Gabriel Lisboa
Direção de movimento: Tuca Pinheiro
Operador de luz: Edimar Pinto, Jésus Lataliza e Rodrigo Marçal
Operador vídeo: Ralph Antunes
Operador de som: Colibri
Consultoria teórica: Paulo Bezerra e Flávio Ricardo Vassoler
Programação visual: Paola Menezes
Fotografia: Ana Colla, Cao Guimaraes e Guto Muniz
Produção executiva: Luiza Fonseca
Produção local: Isa Francisconi
Direção de produção: Agentz Produções
Coordenação geral: PyrAmo ProArte

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