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29/08/2021 às 13h00min - Atualizada em 29/08/2021 às 13h00min

Instituições de Uberlândia repudiam falas do ministro da Educação que defende exclusão de crianças com deficiência

Milton Ribeiro afirmou que algumas crianças com deficiências deveriam ficar em classes separadas

GABRIELE LEÃO
Flávio Jota Erre, como gosta de ser chamado, é campeão uberlandense de Karatê e aluno de uma escola pública | ACERVO PESSOAL
A inclusão social é uma ferramenta importante de participação e controle social, responsável por atuar na garantia de direitos a todos os cidadãos. Recentemente, o ministro da Educação, Milton Ribeiro, fez declarações sobre crianças com deficiência "atrapalharem" o ensino dos demais estudantes e, em alguns casos, ser "impossível a convivência". Em Uberlândia, associações, sindicatos e comissões se posicionaram sobre a fala do ministro.

O artigo 208 da Constituição brasileira relata que é dever do Estado garantir atendimento educacional especializado as pessoas com deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino. Isso significa que a criança ou adolescente tem direito a cursar a educação básica em instituições comuns.
Em uma entrevista para a Rádio Jovem Pan, na segunda semana de agosto, o ministro se posicionou diante da inclusão de crianças deficientes no ambiente escolar. “Dentro desses 12% temos algumas crianças que têm problemas de visão, elas não podem estar na mesma classe. (...) Imagina uma professora de geografia [dizendo]: 'aqui é o rio Amazonas' para uma criança que tem deficiência visual (...)”, afirmou o ministro.

As recorrentes declarações do ministro sobre esse assunto não são por acaso. Ele está saindo em defesa de um decreto do governo federal que incentiva a criação de escolas próprias para pessoas com deficiência. A medida foi muito criticada por especialistas em educação, que a enxergam como um retrocesso nas políticas públicas na área.

Em Uberlândia, a Associação Zeiza Dojo atende cerca de 600 famílias e representa pessoas com deficiência de Uberlândia e outras regiões de Minas Gerais, em especial pessoas vivendo com autismo. Zeiza Matildes da Silva, presidente da instituição, defendeu a importância da educação e inclusão social.

“Nós defendemos a inclusão em todos os níveis e segmentos, como possível e com excelentes resultados. Temos na associação muitos exemplos que mostram a importância da oportunidade. Meu filho, Flávio Júnior, é autista e Campeão Mineiro e Campeão Uberlandense de Karatê. Essas oportunidades geram diversas histórias de superação. No dia a dia, vemos diversos aprovados em vestibulares, concurso público, além de voluntários e colaboradores que também são PCDs e com deficiência visual”, contou.

Ela reforçou ainda que a instituição desenvolve várias ações para atender as pessoas com deficiência. “Temos atividades esportivas, danças, artesanatos e atendimentos psicológicos e pedagógicos. Nosso maior sonho é construir um centro de referência para aumentarmos os nossos atendimentos multidisciplinares, com fonoaudióloga, fisioterapeuta e outros atendimentos, e assim gerarmos impacto e resultado na vida de pessoas com deficiência”, comentou.

A instituição publicou uma nota de repúdio sobre as falas do ministro da Educação: “Acima de liberdade de expressão o que vemos nos sombrios pronunciamentos do Sr Milton Ribeiro, Ministro da Educação e também da Sra Cármen Lúcia, Ministra Supremo Tribunal Federal uma verdadeira demonstração de preconceito, um verdadeiro show de horrores! É lamentável que, em pleno 2021, no dia em que o Brasil festeja sua participação na Paraolimpíada de Tokyo no Japão, com a maior delegação de atletas PCDs da história, medalhistas e recordistas mundiais, ainda ouvimos, estarrecidos, falas carregadas de preconceitos contra Pessoas Com Deficiência (PCDs), ainda mais vindas de autoridades brasileiras do mais alto escalão de órgãos executivos e, mais grave ainda, uma representante da mais elevada corte judiciária brasileira, que tem por obrigação Constitucional ser a última guarida de defesa para aquele que busca garantir e ver respeitados os seus direitos. (...) Esperamos no futuro não seja necessário retomar esse tipo de debate e que o respeito às Pessoas com Deficiência passe a ser algo NORMAL e não em virtude de lei.”

A diretora do Sindicato das Escolas Particulares de Minas Gerais (SINEPE/TM), Esther Guimarães Oliveira comentou sobre a importância de oferecer o ensino inclusivo para as pessoas com deficiência e como isso quebra crenças e promove a igualdade dentro da comunidade escolar.

“Quando uma criança com deficiência convive na escola, rodeado de professores e outros alunos, ele consegue perceber as diferenças e há essa quebra paradigmas de que por ter uma deficiência não pode conviver com outras pessoas. A deficiência não é um fator de limitação, mas sim de aprendizado para os alunos e professores”, afirmou.

A diretora ainda comentou sobre a fala do ministro e sobre o direito à educação. “A fala do ministro não está de acordo com o que está previsto nos direitos da criança e do adolescente e nos leva a entender que isso demonstra apenas a opinião dele, pois os documentos que são repassados para as escolas e educadores promovem tratamentos diferentes. Além disso, se essa pessoa é deficiente ou não, a escola deve promover a adaptação e inclusão desse público”, encerrou.

HISTÓRIA DE SUPERAÇÃO
Marcos José Costa Montanha de Aragão é vice-presidente da Comissão de Defesa dos Direitos das Pessoas com Deficiência da OAB de Uberlândia e deficiente com cegueira total. O advogado recebeu alfabetização e concluiu o ensino médio em uma escola particular, aos 17 anos. Fez faculdade de direito e em 2008 pegou a carteira de advogado da OAB.

“Vejo como um retrocesso às conquistas obtidas em relação ao direito humano à Educação Inclusiva. Embora, sabemos da existência das escolas especiais e da sua importância, o que o Governo Federal tenta colocar na prática é o inverso da teoria. Se você andar em cada cidade do interior do Brasil serão raríssimos os municípios que teriam escolas especiais. A escola especial passaria a ser tratada como um depósito de crianças com deficiência. É dever do Estado oferecer todas as condições de alfabetização de todos, independente, da classe, cor, gênero e deficiência”, explicou o advogado.

Sobre as falas do ministro, Marcos demonstrou indignação: “É uma fala de um ser humano desprezível, preconceituoso e que não está à altura de um cargo tão importante na educação. Tenho deficiência visual, cegueira total, faço parte de um raro grupo de pessoas que estudaram somente em escola, depois se formaram em universidades”, explicou.

O vice-presidente da comissão de defesa dos direitos das pessoas com deferência da OAB de Uberlândia finalizou dizendo que a inclusão ainda está em processo na sociedade e não pode haver retrocessos. “Nos anos 90/2020, a inclusão não era tão dita como nos dias de hoje e pouquíssimos alunos concluíram o ensino fundamental, médio e superior. Para isso, é preciso trabalhar a diversidade e a inclusão com todos. A verdadeira luta é contra a difícil convivência com quem promove a segregação”, encerrou.


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