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08/11/2020 às 11h00min - Atualizada em 08/11/2020 às 11h00min

Participação feminina na política esbarra em panorama histórico-social

Em Uberlândia, apenas quatro dos 27 vereadores são mulheres; filósofo explica fatores para baixa representatividade e a importância da mulher para o sistema democrático

SÍLVIO AZEVEDO
Rochelle Gutierrez faz parte do movimento Vamos Juntas na Política | Foto: Arquivo Pessoal

Mesmo sendo maioria da população brasileira, as mulheres ainda não têm representatividade à altura dentro do cenário político. Segundo dados de 2019 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) a população feminina corresponde a 51,8% dos brasileiros. Porém na Câmara dos Deputados elas são apenas 15% dos 513 parlamentares e somente 12% das prefeituras são administradas por prefeitas.

Se trouxermos a amostragem para dentro da Câmara Municipal de Uberlândia, a porcentagem é igual ao Congresso, com apenas quatro representantes que se somam aos 23 vereadores. Na disputa por uma das 27 cadeiras nas eleições desse ano, dos 874 registos, 281 (32,15%) são de mulheres.

Durante o lançamento do Plano de Ações para as Eleições 2020, que aconteceu na terça-feira (27) da semana passada, o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Luís Roberto Barroso, falou da importância do papel da mulher na política e defendeu seu papel dentro do processo democrático brasileiro, expondo duas razões para tal argumentação.

“A primeira é por uma questão de justiça de gênero. Se existe 50% de mulheres na sociedade - até um pouco mais de 50% -, é natural que exista uma representação mais significativa. E em segundo lugar porque há um conjunto de atributos e de qualificações tipicamente femininas que efetivamente contribuem para o aprimoramento da vida pública”, afirmou.

Segundo o filósofo político, José Magalhães, a baixa representatividade das mulheres na política tem a ver com o panorama histórico-social que, geralmente, atribuiu à mulher um determinado papel doméstico em detrimento de um papel público.

“Esse baixo percentual tem a ver com uma acumulação histórica a qual o fato de ser mulher estimulou com que a atividade cidadã e social, considerada de valor, fossem cheias de obstáculos para que as mulheres conseguissem estabelecer uma cidadania mais ativa. Então há uma acumulação histórica no qual a participação feminina, seja como votantes, ou como candidatas, era uma participação que não era bem vista”.

O fato de serem maioria da população, na visão de José Magalhães, a criação de cotas para mulheres não seria a solução para diminuir essa desigualdade. “Não é que teríamos que ter obrigatoriamente 50% mulheres e 50% de homens no parlamento. Mas quando temos uma distorção abrupta como essa, de apenas 15%, isso demonstra que há uma estrutura social que é impermeável à participação das mulheres”.

Ainda para o filósofo político, a participação feminina na política é importante para o sistema democrático por causa de suas experiências sociais representativas. “A democracia é, antes de tudo, um processo de descoberta e aprendizagem coletivas. E nós só vamos descobrir as experiências que são dramáticas da vida brasileira quando todas as vozes, e a da mulher em especial, tiverem seu lugar, seja na política como candidatas ou cidadãs”.

Candidaturas laranja
Um dos reflexos da obrigatoriedade de 30% das chapas inscritas serem compostas por mulheres é o surgimento de candidatas laranjas, que colocam seus nomes à disposição somente para cumprir essa norma.

Uma das evidências mais típicas desse tipo de crime é a incompatibilidade entre os recursos recebidos e quantidade de votos obtidos. Para combater esse tipo de fraude, a Justiça Eleitoral, junto à Polícia Federal, já está atuando no cruzamento de dados para abrir investigação contra os casos suspeitos.

MOVIMENTO
O movimento Vamos Juntas na Política, criado pela Deputada Federal Tábata Amaral (PDT) em dezembro de 2019, busca auxiliar as mulheres a se elegerem nas eleições deste ano, através de trabalhos de mentoria, formação política, apoio em rede e desenvolvimento pessoal.

Segundo informações do próprio movimento, já foram mais de 10,2 mil mulheres envolvidas no projeto, entre número de inscrições, voluntárias, mulheres que participaram do evento de lançamento e das seguidoras do Instagram.

Hoje existem líderes espalhadas por várias regiões brasileiras, que participarão do pleito municipal dentro das suas cidades. Em Uberaba, a advogada e historiadora Rochelle Gutierrez é candidata a vereadora pelo Partido Progressista (PP). Segundo ela, na cidade vizinha a participação das mulheres é ainda menor. Dos 14 vereadores, apenas uma é mulher.

“A história é muito perversa com as mulheres. Em Uberaba, para se ter uma ideia, em 200 anos só teve seis mulheres vereadoras, sendo duas não terminaram o mandato. Nunca teve uma presidente da Câmara, uma vice-prefeita ou prefeita. A política aqui é bem conservadora”.

Para participar do movimento, Rochelle participou de um processo seletivo com mais de 300 inscritas e foi uma das 50 selecionadas que passaram por uma preparação para serem candidatas tanto para as casas legislativas, quanto para as prefeituras.

“A gente passou por um processo de mentoria, preparação com especialistas do Brasil inteiro, de renome na área de comunicação. Cada menina teve um mentor, que são pessoas que já estão na política e ajudaram a gente a estruturar a formatação da campanha. Eu vejo que isso me ajudou muito, porque tive uma clareza no planejamento, do financeiro, da atuação, até lidar com certas crises”.

Rochelle Gutierrez vê que as mulheres não são estimuladas a participar da política, um espaço de fala, debate e embates, mas que elas precisam entender que também podem, e devem, estar presentes.  

“O que achei legal no Vamos Juntas é que a gente se fortalece muito. Pois isso acho que o movimento é um caminho. Primeiro entender que as mulheres também passam por um processo de mudança cultural, para entenderem que espaço da política também é nosso, e que podemos sim, torná-lo mais acolhedor”.

VIOLÊNCIA
Segundo dados da ONU Mulheres, 82% das mulheres já sofreram violência psicológica em espaços políticos, 45% já sofreram ameaças; 25 % sofreram violência física no espaço parlamentar, 20%, assédio sexual e 40% das mulheres afirmaram que a violência atrapalhou sua agenda legislativa.

Esses dados mostram um pouco mais da realidade das mulheres que se dispõem a atuar dentro da política. Um debate ocorrido em outubro na Câmara dos Deputados, envolvendo parlamentares e representantes da ONU Mulheres e Tribunal Superior Eleitoral (TSE), trouxe à tona a realidade da violência que se dispõem a atuar dentro da política.

“É uma violação básica de direitos humanos, mas também é uma questão de representatividade. Quando a gente olha para a sociedade de um modo geral, o fato de as mulheres não se enxergarem em quem as representa constitui, em si, uma violência simbólica. Essas mulheres não se enxergam fisicamente e nem nas pautas, e isso representa essa violência política”, disse a representante da ONU Mulher, Ana Carolina Querino.

Ainda no debate, foi destacada a criação do canal especial de combate à violência política contra as mulheres no Disque 180 que já funciona nas eleições deste ano.



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