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30/05/2020 às 08h54min - Atualizada em 30/05/2020 às 08h54min

Autoimunes sofrem com a falta de hidroxicloroquina nas farmácias

Pacientes de doenças como o lúpus sofrem para encontrar remédio de uso contínuo em drogarias de Uberlândia

SÍLVIO AZEVEDO
Paciente com lúpus buscou alternativas para manter o estoque do medicamento | Foto: Arquivo Pessoal
Pacientes que procuram a hidroxicloroquina para tratamento de doenças autoimunes como lúpus, artrite reumatoide ou malária não estão encontrando o medicamento nas prateleiras das farmácias em Uberlândia. O medicamento está em falta há aproximadamente dois meses, quando surgiu a informação de que ele seria eficaz no combate à Covid-19.

Em tratamento de lúpus, a assistente de sustentabilidade Gabriela Mendes Gimenes buscou alternativas para manter o estoque de hidroxicloroquina, inclusive incentivando a solidariedade das pessoas utilizando as redes sociais para que todos que necessitam não sofram com a falta do medicamento.

“Ao invés de comprar uma caixa, eu compro duas, para pelo menos segurar mais um mês. Tenho várias comunidades no Instagram que fazemos a troca de medicamento. Quem tem sobrando, informamos e o envio é feito pelos Correios. Se em outro estado tiver disponível, compramos de lá. Estamos fazendo desse jeito. Quem tem mais doa pra quem tem menos”.

O receio de Gabriela é sofrer complicações no tratamento causadas por uma crise do lúpus devido à falta do medicamento, que ela toma há três anos. “Tenho medo da falta do medicamento comprometer meu tratamento. Hoje meu lúpus está estabilizado, mas pode ser que com a falta do remédio pode haver uma crise e eu ter que ir ao hospital para controlá-lo. Com isso, indo lá eu corro risco de pegar uma infecção ou até mesmo um coronavírus”. 

FARMÁCIAS 
A falta dos medicamentos nas drogarias, segundo o responsável por compras da rede de farmácias Droga Líder, Luiz Fernando de Oliveira, se dá pelo desabastecimento do mercado, já que os laboratórios deram preferência para abastecer hospitais e clínicas. 

“Hoje está em falta nas drogarias. Desde que saiu a notícia, a gente trabalhava com o estoque que tínhamos e os laboratórios deixaram de atender a gente. Toda a produção está indo para hospitais e não está vindo para gente”, disse.

Segundo Luiz Fernando, em fevereiro a rede vendeu 127 caixas do remédio, referência e genérico. Após a divulgação de um possível uso no tratamento, em março, a oferta saltou para 659, prejudicando pessoas que já utilizavam o medicamento por causa das doenças autoimunes. 

“Esses pacientes são os mais afetados. Muitas pessoas compraram para estocar com medo de serem infectadas, deixando quem realmente precisa, que já fazia o uso do medicamento, sem. Hoje tem bastante procura dessas pessoas e demos a opção do manipulado. 

Desde março, a Anvisa controla a venda da hidroxicloroquina, exigindo a receita do controle especial para a compra. Mesmo sem estoque, a Drogalíder oferece a hidroxicloroquina de maneira manipulada, que sai bem mais caro que a caixa do medicamento. Enquanto o genérico custava em torno de R$ 67, a caixa com 30 cápsulas manipuladas sai por R$ 124, segundo Luiz Fernando, por conta do valor dos insumos, que aumentaram com a demanda.

Luiz informou ainda que entrou em contato com os laboratórios, que afirmaram que a matéria-prima deve chegar e a previsão de atender às demandas das drogarias será apenas no final de junho.

O Diário de Uberlândia procurou outras drogarias da cidade que relataram o mesmo problema da falta do remédio após a grande procura causada pelo novo coronavírus. 

RESPOSTAS DA REDE PÚBLICA
Questionada sobre o uso da hidroxicloroquina em pacientes diagnosticados com a Covid-19 nas unidades de atendimento do Município, a Secretaria Municipal de Saúde informou que os profissionais de saúde estão orientados a avaliar cada paciente, observando a necessidade de uso do medicamento.

A Prefeitura de Uberlândia informou também que o medicamento não faz parte da farmácia básica municipal. Ou seja, ele é oferecido aos pacientes de doenças autoimunes apenas pelo Estado. 

A Superintendência Regional de Saúde não retornou sobre a quantidade de caixas da droga disponíveis na Farmácia Regional.
Já a Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais (SES/MG) esclareceu que no momento não há desabastecimento da cloroquina e hidroxicloroquina para os pacientes da Farmácia de Minas.

De acordo com a nota enviada, os medicamentos citados são fornecidos para os pacientes com lúpus e artrite reumatoide por meio do Componente Especializado da Assistência Farmacêutica mediante o cumprimento de protocolo e diretrizes terapêuticas. No caso da malária, o tratamento preconizado é a cloroquina.

POSICIONAMENTO DOS LABORATÓRIOS
Em nota, o laboratório farmacêutico EMS, que produz o genérico da hidroxicloroquina, informou que a empresa distribuiu o medicamento nas farmácias e que “novos pedidos de insumo já foram feitos, mas as próximas produções dependem da disponibilidade e da liberação do fornecedor que diminui a sua oferta por conta da pandemia”.

Ainda segundo o comunicado, a EMS realiza um atendimento especial para tentar auxiliar na aquisição do medicamento por pacientes que necessitam de uso contínuo da hidroxicloroquina para indicações aprovadas para o tratamento de malária, artrite reumatoide ou lúpus, respaldadas por prescrição médica, através do SAC: 0800-191914, que atende de segunda a sexta-feira, das 9h às 17h.

O laboratório APSEN, fabricante de hidroxicloroquina no Brasil, informou em nota que desde o início da pandemia notou um crescimento da procura em quase 30% nos primeiros quatro meses do ano e que a fabricação do medicamento depende de matéria-prima importada, em sua maior parte da Índia, onde o governo proibiu a importação desses insumos devido à grande demanda mundial. Esclareceu também que a empresa conseguiu a liberação de uma tonelada de matéria-prima para manter a fabricação e que tem atuado em conjunto com as autoridades federais para viabilizar a liberação de mais matéria-prima. A empresa disse ainda que está atendendo a pedidos das secretarias de Saúde com atas vigentes para programas de tratamento de artrite reumatoide e lúpus e que, no caso de pacientes crônicos, os estoques atendem a necessidade para os próximos três meses.

OPINIÕES DIVERSAS
O uso do medicamento para o tratamento da Covid-19 tem causado discussões no meio médico, com o Ministério da Saúde liberando o uso em pacientes com estágio inicial de sintomas da Covid-19, enquanto sociedades médicas esperam resultados de estudos mais eficazes e a Organização Mundial de Saúde (OMS) pediu a suspensão dos testes para uma reavaliação na segurança dos pacientes que fazer o uso da droga.

Para o clínico geral e cardiologista João Lucas O’Donnell, os tratamentos têm sido desenvolvidos em dois sentidos, a dificultar a replicação do vírus nas células e desenvolver um medicamento para diminuir uma resposta inflamatória para modular e fazer com que ela seja menos intensa.

Ainda de acordo com o médico, o apelo pelo uso da hidroxicloroquina vem do fato de a droga já usada para tratamento de doenças autoimunes, como o lúpus, artrite reumatoides, pois tem esse poder de modular a resposta de inflação do organismo.
“Quando colocam o medicamento dentro de um tubo de ensaio, viram que uma dose alta desse remédio era capaz de diminuir a replicação do vírus, podendo atuar nas duas fases da doença, sendo um bom antiviral e modulador da resposta de inflação da Covid-19”.

O problema, segundo Dr. João Lucas, são os resultados obtidos por países que já fizeram o uso do medicamento, não foram positivos. “Já saíram vários trabalhos em que a droga não melhorou os pacientes, até piorou a evolução. Como o coração está machucado e a Covid-19 pode levar a arritmias cardíacas, o medicamento contribuía para isso. Então, no geral, por enquanto, ela fez mais mal do que bem”. 

Mas, há médicos que defendam o uso, mesmo sem os resultados de pesquisas que ainda são realizadas. O argumento é que esses trabalhos são feitos com pacientes que chegam aos hospitais, logo, com casos mais graves. Mas, se usada no estágio inicial, pode atuar bem como um antiviral. 

“O Brasil está fazendo trabalho com centenas de pacientes, alguns tomando no começo e outros não, para ter essa resposta se é um bom antiviral ou não. Se for para ela fazer algum efeito, teria que ser usada bem no início do quadro, só que não sabemos se vai ajudar ou não. Por isso estamos esperando trabalhos de resultados que foram feitos no Brasil para ter a resposta”, disse Dr. João Lucas.

Com isso, ainda de acordo com o médico, as sociedades médicas não sugerem o uso da hidroxicloroquina na Covid-19. “Mesmo assim, alguns médicos, baseados em experiências positivas de outros médicos, defendem que ela seja usada”.

















 

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