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26/01/2020 às 13h18min - Atualizada em 26/01/2020 às 13h18min

Narguilé é motivo de dúvidas sobre saúde e sucesso para mercado de tabacarias

Instrumento é sinônimo de diversão e distração para jovens e adultos; pneumologista de Uberlândia aponta falta de estudo em relação aos malefícios

BRUNA MERLIN
Narguilé era originalmente usado por povos da África e da Ásia e ganhou projeção global na década de 90 | Foto: Bruna Merlin
Narguilé: classificado pelos dicionários brasileiros como substantivo masculino e descrito como um pequeno instrumento utilizado para o fumo. Para os usuários é sinônimo de diversão, distração, iniciativa para reunir os amigos e fugir do estresse do dia a dia. No entanto, o objeto, apesar de ser sucesso para o mercado de tabacarias, é motivo de dúvidas em relação aos malefícios para a saúde.

Polêmico e divisor de opiniões, o narguilé foi globalizado nos anos 90. Antes disso, ele foi criado por povos da África e Ásia, que o utilizavam para fumar tabaco e outras substâncias como flores, temperos, frutas, café ou haxixe. Com o passar do tempo, o instrumento foi sendo apresentado para outras nacionalidades e, atualmente, é o preferido de muitos jovens e adultos entre 18 e 35 anos.

Em Uberlândia, o mercado da venda de narguilés é recente. Um dos estabelecimentos onde é possível encontra-lo é a Sultan Tabacaria, que existe há cinco anos na cidade. Os proprietários, Raif Cerveny Passos e Edson Drubi Passos Júnior, aproveitaram o aumento da popularidade do aparelho para investirem e atraírem o público do município.

A loja fica localizada no Centro de Uberlândia e, além de vender diversos tipos e variedades do instrumento, conta com um lounge onde os usuários podem fazer o uso. Segundo os donos, o local oferece uma estrutura completa de segurança, como demanda a legislação, e conforto para os fumantes que querem relaxar e utilizar o narguilé sem julgamentos.

“Tudo começou quando eu decidi vender narguilés importados na internet. Na época, o Brasil não tinha tanto conhecimento sobre esse método de fumo, então vi a oportunidade de começar. Com o passar do tempo, as vendas foram evoluindo e decidimos abrir a loja para ficar mais próximo dos clientes da cidade”, explicou Raif.

Donos da Sultan Tabacaria aproveitaram oportunidade do mercado para conquistar público da cidade com lounge | Foto: Divulgação

A estrutura de um narguilé é composta por uma base onde é colocado a água, o corpo que sustenta as mangueiras, o fornilho onde coloca-se o tabaco aromatizado, também chamado de essência, e o carvão em brasa e, por fim, o abafador, que protege a brasa do vento, evitando o consumo rápido do carvão. Mas o aparelho, apesar de parecer simples, proporciona espaço para adicionar diversas outras substâncias de acordo com a preferência do usuário.

“Ele é considerado um cachimbo de água, só que maior e que pode ser usado por várias pessoas devido às diversas mangueiras que ficam instaladas no corpo dele”, continuou Raif.

Além disso, a peça pode ser feita de diversos materiais, como vidro, metal, bronze e cerâmica, que proporcionam uma estética diferente. As essências que dão sabor e aroma, e os diversos tipos de carvão que prometem uma menor intoxicação do organismo, como o carvão de coco, também fazem parte da composição do narguilé.

O preço do dispositivo varia de acordo com todo o conjunto, desde o material que é feito até a qualidade da essência e do carvão. Os valores ficam entre R$ 85 a R$ 700.

Apesar do alto valor, o recriador infantil Yuri Fernando de Faria Boratti, de 26 anos, decidiu investir no equipamento para ter mais privacidade durante o uso. O custo/benefício foi a principal razão pela decisão dele.

Sua experiência com o narguilé começou por curiosidade, aos 18 anos, e agora se tornou uma válvula de escape para despistar o estresse. “Gosto de usá-lo para socializar com os amigos, jogar conversa fora e degustar diferentes essências. Faço uso regularmente, de duas a três vezes na semana ou no fim de semana”, comentou Boratti.

SAÚDE
Pneumologista Ricardo dos Santos diz que são necessários mais estudos para entender malefícios do narguilé | Foto: Arquivo Pessoal 


Mas o narguilé apresenta riscos à saúde? A resposta é sim. Segundo um estudo feito pelo Instituto Nacional de Câncer (Inca), o narguilé tem efeitos prejudiciais sobre os sistemas respiratórios e cardiovascular, a cavidade bucal e os dentes. Os fumantes que usam o instrumento, em longo prazo, têm mais incidência de doenças pulmonar obstrutiva crônica e periodôntica.

O pneumologista Ricardo Luiz Diniz dos Santos explica que muitas pessoas acham que o aparelho não faz mal porque os usuários inalam somente o vapor e não a fumaça. “O vapor que é inalado também tem substâncias tóxicas que são chamadas de hidrocarbonetos, além dos aldeídos e do monóxido de carbono que é soltado do carvão. As pessoas também têm o costume de adicionar a nicotina no equipamento e isso é muito prejudicial”, explicou o médico.

Ainda de acordo com o profissional, a intoxicação aguda pelo monóxido de carbono diminui a quantidade de oxigênio no sangue, gerando infartos e Acidente Vascular Cerebral (AVC). A longo prazo, o uso constante do narguilé pode causar câncer nas vias respiratórias como boca, laringe, brônquios e pulmão.

O câncer de pulmão é o quarto mais diagnosticado no Brasil, segundo o Inca. Mais de 90% dos casos são ligados ao consumo do tabaco. Apesar de ter sido registrado uma redução de 40% no número de fumantes brasileiros em 2019, muitas pessoas continuam optando pelo narguilé por achar que ele não faz mal à saúde, de acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS).
A jovem Nayara Moura de 23 anos, que mora na cidade de Dourados (MS), foi diagnosticada com câncer no pulmão no ano passado e pensava que o narguilé era inofensivo. Ela descobriu a doença em agosto de 2019 e hoje faz um alerta em suas redes sociais para os usuários do aparelho.

“Foi muito difícil quando eu descobri a doença. Eu sempre usei narguilé aos fins de semana em festas e com os amigos e nunca pensei que poderia me prejudicar desse jeito. Comecei a sentir dores nas costas e falta de ar, e quando fiz uma tomografia, o tumor estava lá”, disse ela.

Nayara ainda está fazendo o tratamento para combater o câncer e deve finalizá-lo em março deste ano. “Se eu pudesse voltar atrás nunca teria usado, mas só passando para aprender com a vida. Para todas as pessoas que usam o narguilé como distração de baladas ou até mesmo por gostar: parem enquanto há tempo, pois nunca imaginamos o que irá acontecer com a gente. Então aqui estou eu de exemplo para vocês. Não use”, aconselhou a jovem.

O usuário Yuri Boratti tem consciência do mal que o aparelho pode lhe trazer e para tentar se precaver, faz exames todos os anos para checar a saúde pulmonar. Apesar de usar, o recriador infantil tem medo de prejudicar seu bem-estar.

“Eu seria hipócrita em dizer que não tenho medo. Já parei de fumar por várias vezes e volto, mas acredito que no futuro irei parar por definitivo devido às complicações”, concluiu ele.

 
Yuri Boratti comprou narguilé para fazer uso ao longo da semana | Foto: Arquivo Pessoal

NARGUILÉ X CIGARRO
Embora as análises da fumaça de narguilé mostrem claramente a presença de grandes doses de substâncias tóxicas, elas não revelam se essas substâncias são absorvidas em grandes quantidades pelo fumante como aconteceria com o cigarro comum, segundo o Inca. Para o pneumologista Ricardo dos Santos, ainda faltam estudos que esclareçam essa dúvida já que o narguilé ainda é um instrumento de fumo novo na sociedade.

“É claro que tudo depende de valor inalado. Quanto mais ficar exposto às substâncias que já foram comprovadas [serem maléficas à saúde], mais prejudicial ele vai ser. Mas agora não existe uma pesquisa concreta que comprove que o narguilé é pior que o cigarro comum”, disse.

Em contrapartida, dados da OMS indicam que uma sessão de narguilé de 20 a 80 minutos corresponde à exposição de componentes tóxicos presentes na fumaça de 100 cigarros. A entidade ainda afirma que a quantidade monóxido de carbono inalada no consumo do produto por narguilé é muito maior que no cigarro, já que não se utiliza filtro.

O médico Ricardo dos Santos também acredita que faltam estudos e pesquisas sobre as essências aromatizantes utilizadas no narguilé. Segundo ele, ainda não há como provar o que elas podem causar ao organismo e isso é um risco até que se conteste o contrário.

Outro ponto que ainda não é concreto é a questão da dependência como é observado nos usuários de cigarro e drogas ilícitas. Ainda conforme a pesquisa do Inca, não se sabe se o uso do narguilé cria tanta dependência quanto os outros produtos de fumo.

PRECONCEITO
Em meio a polêmicas e divisões de opiniões, os usuários de narguilé e do cigarro comum são vistos com outros olhos pelo restante da sociedade. O proprietário da Sultan Tabacaria, Edson Drubi Passos Júnior acredita que exista uma discriminação dos fumantes.

“Os fumantes buscam refúgio nos produtos e não são compreendidos. Muitos locais públicos não oferecem assistências para os usuários que precisam sair do local e fumar na chuva ou no sol escaldante”, ressaltou ele.

Edson diz ainda que todos os usuários sabem do risco para a saúde, mas preferem usar porque a prática traz conforto para o nervosismo, o estresse e também para a ansiedade. Para ele, os tabagistas devem ter o direito de frequentar um local que ofereça uma estrutura para o uso de cigarros e outros produtos, mas que com certeza não afete os outros.

“São pessoas normais que buscam escape no fumo, assim como aquelas que usam o álcool para esquecer dos problemas. Precisamos se desprender dessa ideia de que os fumantes só fazem mal à sociedade”, finalizou o empresário.










 

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