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09/12/2019 às 08h10min - Atualizada em 09/12/2019 às 08h10min

Mais de 250 transplantes de órgãos já foram realizados neste ano em Uberlândia

Problema é que cerca de 40% das famílias ainda recusam doação

GIOVANNA TEDESCHI
Dados mais recentes apontam que Minas Gerais possui 4,2 mil pessoas na fila de transplante | Foto: Divulgação
O coração bombeia sangue para o corpo. Os rins filtram o sangue. O fígado secreta a bile, armazena glicose e desintoxica o organismo. O pulmão é o principal órgão do sistema respiratório. As córneas têm função importantíssima para a visão. Agora, imagine tentar viver sem qualquer uma destas partes vitais e estar em uma fila quilométrica para conseguir um transplante. Este é o caso de 4.258 pessoas apenas no Estado de Minas Gerais. A busca por um rim é a maior de todas, com 2.808 pacientes ativos, seguida pelas córneas, com 1.268. Os dados, de outubro de 2019, são da MG transplantes, responsável por coordenar a política mineira de transplantes de órgãos e tecidos.

Na Organização de Procura de Órgãos de Uberlândia (OPO Oeste), até outubro deste ano, foram realizados 253 transplantes, sendo a maior parte deles, de córneas: 175. É uma leve queda em relação a 2018, que no mesmo período teve 270 cirurgias do tipo. Em 2017, o número foi 263 e, em 2016, 187. As córneas prevalecem como tecido de maior de procura em todos os anos, assim como os rins, em segundo lugar.

O professor Pedro Martins, de 32 anos, recebeu um rim em 2016 após passar dois anos na fila. Quando recém-nascido, ele foi contaminado com uma bactéria e acabou tendo uma infecção generalizada. Apesar de o tratamento ter funcionado, o rim esquerdo dele acabou lesionado, além de ter surgido uma sequela na pressão arterial. “Com 26 anos eu entrei para a hemodiálise porque tive a perda dos dois rins devido à pressão. Eu fiz o tratamento por dois anos e depois saiu a possibilidade do transplante. Hoje eu tenho uma vida normal”, conta. “Eu fiquei noventa dias internado, tiveram que me abrir três vezes.”


Professor Pedro Martins no primeiro aniversário após o transplante de rim | Foto: Arquivo Pessoal


Em um ato materno, a aposentada Ana Julião, de 65 anos, optou por doar o rim ao filho, há cerca de 14 anos. “Ele teve insuficiência renal. Foi uma coisa tão inesperada porque ele não tinha problema nenhum e de repente apareceu esse problema nos rins. Fez hemodiálise, não adaptou, mas graças a Deus eu fui compatível”, diz. Assim como o diagnóstico do filho, a decisão da mãe foi repentina. “Na hora que o médico falou que ele precisava de um transplante, eu já decidi. Eu vi meu filho sofrendo. Para mim, se desse para doar os dois [rins] na hora, acho que eu doaria”.

Atualmente, a aposentada diz não sentir diferença nenhuma no corpo, mesmo tendo apenas um rim. As preocupações aconteceram mesmo logo após a cirurgia, quando o órgão transplantado quase se perdeu. “Ele [o filho] teve pneumonia, teve infecção. Precisou fazer hemodiálise de novo. Com três dias [após a operação] eu fui embora, mas continuei voltando lá no hospital, o doutor brigando comigo porque eu tinha feito cirurgia há pouco tempo”, conta. Hoje, os dois estão bem.

A enfermeira aposentada Neide de Jesus passou por um transplante duplo (de rim e pâncreas) há cerca de 20 anos. Ela teve diabetes ainda na infância e, por isso, perdeu a função renal. Se fizesse apenas o transplante de rim, com o tempo, perderia o órgão por causa da doença. Atualmente, ela atua na Associação dos Renais Crônicos de Uberlândia. “Fiz faculdade de enfermagem apenas para que eu pudesse me capacitar e entender melhor os cuidados com a saúde. Gostaria muito de poder trabalhar na área mas, devido à imunidade baixa que tenho, a probabilidade é imensa de adquirir uma infecção hospitalar”, relata.
 
PARA TRANSPLANTAR
O urologista Marcelo Ribeiro trabalha como plantonista na OPO de Uberlândia. De acordo com ele, quem coloca o paciente na fila para o transplante é a equipe médica. “Nesse contexto de inserção, nosso trabalho aqui é de procura de órgãos. Conseguir possíveis doadores, viabilizar um processo burocrático para que isso aconteça, logística, questão de informação, de cursos, tirar dúvidas, fiscalizar também as equipes que fazem transplantes”. A unidade Oeste, em específico, trabalha no Triângulo Mineiro e no Alto Paranaíba, em cerca de 87 municípios. A maior parte dos doadores é de Uberlândia, Uberaba e Patos de Minas.

A organização é responsável por contatar hospitais e também por receber informações sobre situações em que há possível doação de órgãos, como nos casos de morte encefálica. “É alguém que teve um problema cerebral, como um AVC [Acidente Vascular Cerebral], um traumatismo, e a equipe que está atendendo essa pessoa identifica uma morte cerebral. Isso é um possível doador. Nós acompanhamos esse processo e quando os exames estão prontos, ou nós, ou a equipe do hospital credenciado para isso faz a entrevista familiar”, explica o médico. Depois, o sistema gera um ranking para determinar quem receberá o órgão. Atualmente, há mais demanda do que oferta.

A ordem depende de fatores como compatibilidade, urgência e idade. “Órgãos de pacientes mais jovens são mais fáceis de serem aceitos porque teoricamente são mais saudáveis. Com receptores mais jovens as cirurgias também são mais simples, mas isso nem sempre é verdade”, diz Ribeiro. Doadores de alguns órgãos, como coração e pâncreas, precisam ser mais jovens (até cerca de 35 anos), mas córneas e rins podem ser de pacientes com idade mais avançada (algumas vezes, até 60 anos).

Há dois tipos de doador: o vivo e o cadáver. Na primeira, como no caso de Ana Julião, é mais comum que o doador seja um familiar próximo do que um amigo, por exemplo. “Teria que entrar na justiça para conseguir isso. Você evitar abrir possibilidade de comércio, por exemplo. Alguém que tem dinheiro, por exemplo, poderia pedir para uma pessoa mais pobre doar um rim e comprar. Nós temos critérios bem rigorosos para isso”, afirma o urologista. Perguntado, ele diz nunca ter visto um caso do tipo.
 
OPO OESTE
A psicóloga Renata Oliveira trabalha na Organização de Procura de Órgãos de Uberlândia (OPO Oeste) há 11 anos e realiza capacitações, conscientização e entrevistas com famílias de possíveis doadores, especialmente os de córneas. “Nós explicamos para eles o procedimento. Como a doação de córneas faz mais parte da rotina, porque é feita com o coração parado, nós fazemos uma primeira entrevista com a família pelo telefone. Se a família concordar com a doação, nós vamos até onde eles estiverem, fazemos a entrevista pessoalmente, uma triagem para saber o histórico desse paciente, a causa do óbito, antecedentes de saúde, antecedentes sociais… Se não houver nenhuma contraindicação, a família assina o termo de autorização e nós acionamos o banco de olhos do Hospital de Clínicas [da Universidade Federal de Uberlândia] e eles fazem a captação”, explica.

Hoje em dia, seja com córneas ou outros órgãos e tecidos, a recusa ainda é significativa em Uberlândia, de cerca de 40%. Por isso, quem deseja ser doador, precisa deixar isso muito claro para os familiares, já que eles tomarão a decisão. “Às vezes a circunstância do óbito interfere muito nessa parte emocional. Quando é um óbito muito repentino, de um paciente jovem, naquele impacto, na hora da emoção, a família pode ficar resistente. Mas quando a pessoa já tinha deixado informado em vida que ela queria ser doadora, a família pode até ser contra, mas geralmente acata”, diz Oliveira. Ainda assim, a profissional conta que em raros casos os familiares são grosseiros ou pouco receptivos, mesmo quando não querem realizar a doação.

“Nós nunca podemos deixar de entender que estamos ali não por aqueles que vão receber os órgãos e tecidos. Estamos lá em primeiro lugar, pelas famílias que estão doando. É entender essa dor e entender que a doação de órgãos pode ter um impacto positivo para essa família, de ajudar na elaboração do núcleo. Meu familiar de certa forma se foi, mas um pedacinho dele está vivendo”, finaliza.
 
Quantitativos de pacientes ativos na lista de espera em Minas
Coração: 20
Córnea:1.268
Fígado: 47
Pâncreas: 2
Medula: 53
Rim:  2.808
Rim e Pâncreas: 60
 
Total na fila de espera: 4.258










 

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