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24/11/2019 às 08h40min - Atualizada em 24/11/2019 às 08h40min

Oncologista Nise Yamaguchi fala sobre tratamento humanístico para curar o câncer

Uma das mais respeitadas do Brasil, médica esteve em Uberlândia para lançar obra sobre a relação da psique com o corpo no processo de cura

GIOVANNA TEDESCHI
Nise Hitomi Yamaguchi, de 59 anos, é uma das oncologistas mais respeitadas do país | Foto: Divulgação
Nise Hitomi Yamaguchi, de 59 anos, é uma das oncologistas mais respeitadas do país. Com quatro décadas de profissão, atualmente ela trabalha nos hospitais Albert Einstein e Sírio-Libanês, em São Paulo, é pesquisadora sênior da Universidade de São Paulo (USP) e comanda o Instituto Nise Yamaguchi, que realiza ações sociais e faz pesquisas sobre câncer.

Recentemente, Yamaguchi publicou o livro “O ser humano diante do câncer e a vontade de curar”, em que aborda, dentre outros pontos, a relação entre corpo e mente no processo de cura do câncer. “A nossa ideia é, principalmente, trazer uma inspiração para os jovens médicos, para os pacientes, familiares, amigos, para que a luta contra o câncer tenha mais eficiência”, disse.

Segundo ela, o dinheiro arrecadado com a venda dos exemplares será destinado às pesquisas desenvolvidas pelo Instituto, além de trabalhos educativos.

Na última semana, Nise Yamaguchi esteve em Uberlândia para o lançamento do livro e para participar do Congresso Internacional de Medicina Integrativa (Cimi). Em conversa com o Diário de Uberlândia, médica comenta sua obra e aborda questões que vão do tratamento contra o câncer, humanismo, sua escolha pela oncologia e o dia a dia no trabalho.

Diário: De onde veio a ideia de escrever um livro sobre esse assunto?
Nise Yamaguchi: Surgiu da necessidade que eu senti nos meus pacientes e nos médicos de terem um novo modelo de atendimento que pudesse trazer um benefício maior. Também o editor [do livro], eu cuidei de diversas pessoas da família dele e ele ficou muito sensibilizado. Foi um conjunto de fantásticas sincronicidades. O livro já vai ser traduzido para o inglês e para o alemão, já tem em espanhol. Também estão tentando traduzir para o japonês.
 
Quais objetivos espera alcançar com o livro?
A nossa ideia é, principalmente, trazer uma inspiração para os jovens médicos, para os pacientes, familiares, amigos, para que a luta contra o câncer tenha mais eficiência. Nós queremos explicar vários aspectos da doença, que levam a uma melhoria das respostas imunológicas.

A importância desse livro é trazer também o papel do médico e do terapeuta no desenvolvimento das potencialidades do ser humano. Nós sabemos que cada pessoa tem uma capacidade em si para lidar com a doença, mas ela ganha muito mais capacidade se tem um bom apoio familiar, uma boa instrução de dados e. também, se ela sente que o médico tem capacidade de buscar novas estratégias. Isso tudo é uma coisa fundamental no tocante da estrutura que ela precisa para a superação. O que eu tenho visto nos pacientes é que vem uma força de algum lugar, já que eles trabalham mesmo com dor, fazem campanhas no meio dos seus tratamentos. Isso é fantástico. É uma força que vem de algum lugar e que pode ser melhor potencializada.

Eu gosto muito dessa oportunidade que me foi dada, através dessa literatura, de trazer ao mundo tudo o que eu tenho visto ao longo desses quarenta anos de profissão. Eu acredito que a medicina vem ganhando expertise, capacidade, mas ela não pode perder de jeito nenhum o lado humanístico porque esse é um dos lados mais importantes para que o paciente consiga sua superação.
 
O que é esse lado humanístico do tratamento?
Existe um aspecto que é desenvolvido desde que a criança nasce, que é a sensação de aconchego, de segurança, que ela sente na amamentação, nos cuidados. Quando a pessoa sente esse cuidado, ela tem uma diminuição dos hormônios de stress e uma melhoria dos hormônios de bem-estar. Tudo isso leva a uma interface entre o cérebro, as emoções e o corpo, que fazem com que haja uma oportunidade de aumentar a imunidade através da psiconeuroendocrinologia [estudo das flutuações hormonais e sua relação com o comportamento humano].
 
Durante o tratamento, como o médico pode agir de forma humanística?
A primeira coisa é aprender a ouvir. Depois, tem que sentir, ecoar as palavras da pessoa, para poder atuar de forma integrada com o ser humano que está à sua frente. Também, interagir com as outras equipes médicas, com os familiares, com os nutricionistas, para que todos falem a mesma linguagem. E, em direção a esses aspectos, também é importante que você tenha equipes multidisciplinares. Eu tenho a certeza que através dos cuidados também com a parte da biologia molecular [estudo das interações entre DNA, proteínas, etc], da genômica [ramo da genética que estuda os genomas por completo], você melhora bastante a forma como cuida do seu paciente.

Existe uma coisa que é o efeito placebo. Uma pessoa toma uma substância que não é ativa e sente como se fosse um efeito benéfico do remédio. O efeito placebo mostra que existem técnicas neurológicas que atuam no corpo. Então você tem que valorizar mais a capacidade do ser humano de reagir, não só ficar à mercê dos medicamentos. Em última instância, somos nós que conseguimos combater as doenças.
 
O livro combina ferramentas de conhecimento ocidentais e orientais. Como isso funciona?
Por exemplo, na ocidental, nós temos o Jung, o Freud, a ciência cognitiva-comportamental, a hipnose… Tudo isso estabelece um novo parâmetro, que é a valorização da psique. Na parte oriental, há muitos milênios, havia a acupuntura. Ela tem uma ação em áreas neuroendócrinas, com produção de serotonina, que faz um grande desenvolvimento de analgesia. Então, dores são tratadas assim.
 
O que é essa vontade de curar e ser curado, que aparece no livro?
O que eu percebo é que para que você possa tratar as suas necessidades internas, você precisa antes trabalhar as suas mágoas, as suas dores, as suas raivas, para que você tenha um potencial maior de trazer, no seu subconsciente, as suas emoções para os aspectos de tratamento, de luta. Curar uma série de itens internos para que você possa ser curado fisicamente. Então, a cura emocional ocorre simultaneamente. E quanto mais nós trabalharmos o conjunto, melhor a pessoa vai ficar.
 
Tem alguma técnica específica no processo terapêutico ligado ao câncer?
Nós temos a psico-oncologia, que trabalhamos bastante, mas tem vários processos terapêuticos que ajudam a pessoa. O reiki, por exemplo. Cientificamente, o reiki tem uma atuação com o corpo a nível físico. O importante é perceber que o que a gente quer é o melhor para o paciente. É trazer aquilo que a pessoa tem de mais importante para dentro dela, que é a capacidade de se reestabelecer na dinâmica de funcionamento correto dos órgãos, a homeostase. Se a pessoa trabalhar a homeostase junto com um tratamento que não danifica muito o corpo, vai ser muito melhor. Por isso nós trabalhamos muito com tratamentos genômicos e moleculares, exatamente para tratarmos o foco específico das mutações e trabalharmos a capacidade do organismo de lidar com doenças menores. Você diminui a doença através de químio, radio, hormonoterapia ou mesmo cirurgia, faz depois a escolha adequada dos tratamentos coadjuvantes, depois a prevenção correta, estuda os alvos moleculares do tumor. É um tratamento 360º, não vai só para o lado emocional, psíquico, mas pega aspectos científicos de ponta.
 
Falando agora sobre sua história na medicina. Como você escolheu a área?
A medicina eu escolhi desde cedo. Queria ajudar as pessoas a ficarem melhores, a se curarem. Eu fui estudar em Curitiba e depois fui para São Paulo, fiz a faculdade. Mas a área do câncer foi através de vivências pessoais. Eu tive amigos com câncer que cuidei pessoalmente com 17, 18 anos. Eu pude atender pacientes com câncer quando estava no hospital. Depois, quando fui morar na Alemanha, há 23 anos, eu trabalhei em hospitais que tinham um lado bastante marcante do câncer e fui convidada por uma equipe do Einstein [hospital] para voltar ao Brasil e ficar na área de oncologia.

Então eu diria que foi uma sequência de pessoas, de encontros fenomenais, e também porque câncer é a doença do nosso século. É uma doença evitável, muitas vezes, e nós precisamos ter novos paradigmas para tratá-lo.
 
O que faz o Instituto Nise Yamaguchi?
Nós fazemos a detecção precoce, o tratamento e estamos fazendo parcerias de pesquisa não só clínica, mas molecular. Os dividendos do livro vão para essa área de pesquisa, de educação e de ciência. Nós fazemos também uma sequência de desenvolvimentos para descobrir novos tratamentos, com células, com vacinas. Também trabalhamos com sociedades médicas e de pacientes, que é o Todos Juntos Contra o Câncer.









 

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