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28/10/2019 às 18h02min - Atualizada em 28/10/2019 às 18h02min

Médico uberlandense está à frente de método inovador

Oncologista Renato Cunha desenvolveu com equipe tratamento que levou paciente terminal à remissão

VINÍCIUS LEMOS
Médico Renato Cunha e sua equipe | Foto: Arquivo Pessoal
Recentemente, um estudo que envolve a modificação genética de células de defesa do corpo humano para o tratamento da leucemia e de linfomas - cânceres no sistema responsável por ajudar a combater infecções -, mostrou bons resultados em um paciente que já não respondia a outros métodos convencionais. O caso foi do funcionário público Vamberto Castro, morador de Belo Horizonte, mas atendido na cidade de Ribeirão Preto (SP).

O que foi pouco divulgado, no entanto, é que o médico Renato Cunha, responsável pelo atendimento junto a uma equipe de aproximadamente 40 pessoas, é natural de Uberlândia.

Ainda em pesquisa, o método chamado de CAR T CELL foi adaptado pelo profissional e pela equipe a partir de descobertas norte-americanas. Ele desenvolveu, em laboratório, um tipo de chave genética para as células de defesa do paciente com o objetivo de que elas identifiquem apenas as células cancerígenas do linfoma e leucemia. A aplicação desse método no caso de Castro foi tão bem sucedida que o paciente desenganado hoje está em remissão.

Formado em Medicina pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU), ainda em 2004, Renato Cunha deixou a cidade em 2007 para continuar os estudos na França e nos Estados Unidos, antes de voltar para o Brasil e se instalar no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, ligado à Universidade de São Paulo, onde também leciona.

Por telefone, o médico conversou com o Diário sobre como o método pode ajudar no tratamento do câncer e no desenvolvimento de pesquisas no mesmo sentido.
 


Diário - Como o senhor iniciou o tratamento e aplicação na cidade de Ribeirão Preto?
Renato Cunha - Eu tive a oportunidade de ter contato com isso nos Estados Unidos, no meu pós-doutorado, junto à experiência que eu já tinha no transplante de medula óssea e a parte de hematologia. Fiquei entre 2015 e 2018, na cidade de Besthesda, no instituto que faz parte do NCI (National Cancer Institute ou, em português, Instituto Nacional do Câncer) dos Estados Unidos. Aqui em Ribeirão Preto temos um centro de terapia celular que investe há 15 anos nessa área. Ele tinha alguma coisa de CAR T CELL. O que eu fiz foi pegar o que já existia aqui e levar para a clínica, pegar aquilo que era dado em camundongos em volumes pequenos e levar para uma condição para trabalhar voltado para humanos. Essa foi a minha parte, fazer a adaptação do protocolo de bancada para clínica. Nos Estados Unidos há dois produtos aprovados para o comércio e eles custam US$ 375 mil e US$ 425 mil o produto, e a gente não gasta nem 10% disso para produzir. Nós somos públicos, não precisamos ter lucro. Queremos desenvolver a técnica e que ela seja aplicada no SUS no futuro.
 
Existe uma adaptação para o Brasil, então?
Eles (americanos) têm um método. Para você fazer a transformação da célula T, existe uma coisa chamada vetor, e ele é muito caro. Mas nós temos o nosso próprio vetor e adaptamos a questão de insumos para a nossa realidade. Mas a gente mantém a efetividade. São tecnologias com princípios semelhantes, mas o caminho até o sucesso do paciente não é o mesmo do americano. Mantivemos a segurança para usar em humanos e entregar aquilo que se espera do ponto de vista terapêutico.
 
Quanto tempo de desenvolvimento do método até a aplicação?
O desenvolvimento de sair do camundongo e chegar até paciente humano demorou um ano. Entre testes e repetições. A conversa com o Vanberto começou em maio desse ano.
 
Como usar o tratamento na rede pública de saúde? Tem um tempo muito grande pra isso?
Isso deve demorar de 2 a 3 anos para acontecer. Nesse momento temos que fazer estudo clínico e tratar um número maior de pacientes, talvez 30 ou 40, dependendo de como isso vai evoluir. Terminando os estudos, mostramos o resultado para a Anvisa e pedimos o registro. Estando de acordo, a medicação é registrada e quem estiver no SUS poderá usar. Como tratamento não oficial do SUS, com protocolo de pesquisa (anterior ao registro), ele fica aberto. Nesse momento (para o tratamento desenvolvido pela equipe de Cunha), o protocolo de pesquisa ainda não está em aberto, o que existe é o chamado tratamento compassivo. Ou seja, é um paciente paliativo e ele pede para ser tratado. Se ele fosse esperar mesmo o protocolo de pesquisa, ele pode morrer.
 
Quantas pessoas passam pelo tratamento?
Recebemos quase 3 mil mensagens, mas muita gente busca por causa de tumores de pulmão, pâncreas, próstata... Só que não há indicação para esse tratamento, não temos como tratar. O tratamento é para linfoma e leucemia e já há uma pequena fila. Mas no caminho já temos quatro pacientes para fazer o tratamento. Quem faz essa modalidade de tratamento tem que ser acompanhado por cerca de 10 anos.
 
O custo ainda é muito alto?
O custo direto do processamento da célula fica em torno de R$ 100 mil. O outro custo é da internação, como qualquer outra. Mas que pode levar a uma UTI, que é um leito mais caro. Mas é bom lembrar que não existe margem de lucro por ser uma pesquisa pública.

Como o senhor vê o desenvolvimento de pesquisas sobre o câncer no País?
Temos alguns centros apenas. O Brasil precisa melhorar o número de centros de excelência. A gente teve cortes recentes (de verbas para pesquisa), mas não nos influenciou porque o dinheiro da nossa pesquisa estava designado há cerca de 4 ou 5 anos. Desenvolvimento de tratamento contra o câncer no Brasil é muito pouco. Os produtos nossos são poucos e há um número restrito de indústrias brasileiras. Somos dependentes do que se produz fora, tanto do ponto de vista científico quanto de novas drogas. Precisamos de estrutura física, pesquisadores e financiamento. E este é dependente da esfera governamental.
 
Quando de sua formação o seu objetivo era a pesquisa?
Com certeza. Desde a época de graduação me envolvi com pesquisa, tive bolsa de iniciação científica, publiquei, apresentei em congresso. Desde muito cedo quis ser médico pesquisador. Foi uma das motivações para sair de Uberlândia e do Brasil para conseguir aprendizado fora. Eu acho que tenho êxito naquilo que programei. Tenho 41 anos, estou em início de carreira. Acho que está indo bem. Tive a oportunidade de fazer algo inovador, com o primeiro paciente na América Latina de uma terapia celular avançada com modificação genética, saindo da rádio e quimioterapias ou cirurgia e chegando no universo da imunoterapia e terapia celular. Contribuir com isso no Brasil é muito legal.












 

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