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02/09/2019 às 15h19min - Atualizada em 02/09/2019 às 15h19min

Trabalho de vereadores com tendas e pula-pulas incomoda empresários de Uberlândia

Quase metade dos 27 vereadores de Uberlândia tem estrutura para eventos e serviços comunitários

VINÍCIUS LEMOS
Doca tem quatro tendas, dois carrinhos de pipoca e dois de algodão doce e pula-pula | Foto: Reprodução/Facebook
Ainda que não seja uma atribuição constitucional do vereador, 12 dos 27 titulares da Câmara Municipal de Uberlândia mantêm estruturas como tendas, brinquedos e até carrinhos de pipoca, que são emprestados para eventos em comunidades ou até mesmo para particulares. Em princípio, a ação em si não teria qualquer impedimento legal, mas por vezes, é tratada como populista e até criticada por empresários do ramo, que apontam uma “concorrência desleal”. Já os vereadores alegam que se trata de uma ação social, que vem de demanda popular.

No levantamento feito pelo Diário, ao mesmo tempo em que quase metade dos legisladores do Município disse ter estruturas para eventos, os gabinetes de pelo menos outros quatro informaram que podem intermediar o aluguel de tendas e outros equipamentos.

No Brasil, os vereadores têm basicamente quatro atribuições. A primeira diz respeito à legislação, a qual, de grosso modo, consiste em elaborar as leis que são de competência do Município.

Aos vereadores ainda cabe fiscalizar a administração, cuidar da aplicação dos recursos e observância do orçamento. Eles podem ainda assessorar o poder Executivo, por meio de discussão das políticas públicas a serem implantadas por programas governamentais, via plano plurianual, lei de diretrizes orçamentárias e lei orçamentária anual. A quarta função é a julgadora, em que a Câmara aprecia contas públicas dos administradores e da apuração de infrações político-administrativas.

A questão de empréstimo de estruturas para festas e eventos seria, segundo os próprios vereadores, um trabalho extra voltado para a comunidade. O vereador Wender Marques (PSB) explicou que o trabalho no dia a dia dos parlamentares é, em sua maior parte, bem mais que as atribuições que constam na Constituição. “A população não consegue entender que existe apenas algumas atribuições ao vereador. Há diversos pedidos que não seriam para o mandato, mas você traz como responsabilidade e tenta atender”, disse.

Marques tem tendas e pula-pula que empresta semanalmente, principalmente a instituições e igrejas para eventos comunitários.

Para Doca Mastroiano (PL), as críticas feitas a esse tipo de ação são infundadas, pois o trabalho seria de ajuda à população. Ele cita que particulares só recebem alguma ajuda se for alguém que não tem condições de alugar por conta prórpia estruturas para uma festa. “Há anos me envolvo com esse tipo de ajuda e evento, antes de ser vereador. Já passei muita dificuldade na vida e se posso ajudar as pessoas, eu ajudo. Não estou na Câmara só pra votar projeto, já que não tenho ajuda de empresa, eu faço”, afirmou.

Doca tem quatro tendas, dois carrinhos de pipoca e dois de algodão doce, além de pula-pula. O vereador contou que a estrutura é usada até 10 vezes por mês em eventos de creches, escolas, de bairros e de particulares carentes.

Com tendas e mesas, e outros serviços que diz prestar como roçagem e transporte com um pequeno reboque, além de ter em sua estrutura caixas de som, o vereador Ceará (PSC) contou à reportagem que a demanda aos legisladores é grande e que se fosse possível atenderia mais pedidos.

“Eu não consigo entender a crítica, porque isso é trabalhoso também para os vereadores. Quando você olha o fundamento vale a pena ajudar alguém. Para você ter uma ideia, a maioria dos eventos que ajudo eu nem vou”, disse o legislador, que ainda informou haver atividades semanais para os quais empresta sua estrutura.
 
LINHA TÊNUE
Esse tipo de empréstimo não configura nenhum ato vedado pela legislação, segundo o promotor eleitoral Genney Randro, exceto em períodos eleitorais, o que ainda assim deve ser analisado com cautela. “Não há uma vedação, exceto em períodos eleitorais. O perigo neste período é a configuração de abuso de poder econômico, mas é muito atípico. No dia a dia é mais um material de divulgação do trabalho do vereador”, afirmou.

O professor de Teoria do Estado e da Democracia da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Uberlândia, José de Magalhães, explicou que mesmo não se tratando de atribuição direta do vereador, o mandatário ainda deve ter a função de captar as demandas da sociedade. O cuidado que deve haver é com o risco de se criar um curral eleitoral.

“É uma atividade que se aproxima da fronteira da legalidade. Toda atividade política envolve algum tipo de troca. Se a troca for feita dentro de um parâmetro transparente e de apoio, não há problema. A diferença entre o curral eleitoral e um nicho eleitoral é que existe controle de votos no primeiro caso”, afirmou.

Atender a esse tipo de pedido, segundo o vereador Wender Marques, é um trabalho a mais que busca suprir algo que o poder público ainda não fez ou que as comunidades não têm condição de custear. “É como se o Executivo fizesse apenas o que fosse de sua obrigação. Normalmente há uma política pública do Estado ou da União, aí o Município vai lá e faz, por causa da pressão da população” disse.
 
CONCORRÊNCIA
Há 20 anos no mercado de aluguel de estruturas para eventos, o empresário Júnior Moretti disse que é comum negociar um contrato para determinado número de equipamentos e, posteriormente, perder total ou parcialmente o evento depois que vereadores se comprometem a emprestar tendas e outras estruturas.

“É uma concorrência desleal. E podemos pensar de outra forma: não é correto, é uma forma de afirmação de um nome. Fora que não foi eleito para emprestar equipamentos. Acaba virando a política do circo e pão”, disse.

Moretti conta que além de entidades ou igrejas que desistiram de sua estrutura, já houve também festas particulares que deixaram de buscar o serviço por causa de ajuda de vereadores. “Invisto em propaganda e melhora nos equipamentos, mas é difícil concorrer com algo que é de graça. Não tenho um grande prejuízo, porque tenho outros produtos, como infláveis, os quais só concorrem com outras empresas do meu ramo”, explicou Moretti.

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