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19/08/2019 às 17h26min - Atualizada em 19/08/2019 às 17h26min

Empoderamento infantil estimula escolhas sem estereótipos de gênero desde a infância

Diário de Uberlândia conversou com pesquisadoras que defendem a ideia; escritora vai lançar livro lidando com o tema de forma lúdica

GIOVANNA TEDESCHI
Georgia busca educar os filhos seguindo princípios do feminismo | Foto: Arquivo Pessoal
Elsa, Moana e Merida são princesas da Disney. A primeira tem poderes mágicos de gelo e governa um reino inteiro. A segunda é uma adolescente que decide velejar pelo oceano para salvar sua aldeia da destruição e ser uma grande líder. E a terceira, ao invés de participar de um casamento arranjado, quer seguir o próprio caminho. Mais do que a realeza, elas têm uma coisa em comum: a percepção de que não precisam de príncipes para terem uma história.

O chamado empoderamento infantil segue exatamente esta ideia. Deixar que as crianças façam escolhas independentes de gênero ou barreiras impostas. “Meus filhos, desde pequenos, têm direitos. Têm direito a cor que gostam, à roupa que vão vestir. O empoderamento infantil é entender que a despeito da faixa etária, a criança tem gosto, tem paladar, tem direitos, o que não implica em hipótese alguma a ausência de limites ou de hierarquia”, diz Georgia Amitrano, mãe de dois meninos.

Professora da Universidade Federal de Uberlândia (UFU) e doutora em filosofia, Amitrano busca educar os filhos seguindo princípios do feminismo, uma das áreas que estuda. Para ela, a palavra empoderamento é complexa e, às vezes, vista como algo pejorativo. “É tomar ciência do que você é, do que você pode e lutar para que isso seja um direito de todos, porque, infelizmente, ainda temos muito pela frente”, afirma.

Professora da Faculdade de Educação (Faced) da UFU, Raquel Discini é doutora em Educação Escolar e já pesquisou sobre gênero e infância. Ela afirma que os meninos também são afetados pela opressão e podem ser beneficiados pelo empoderamento. “Quando eu digo que homem não chora ou homem tem que gostar de futebol para ser macho, são modelos que também são opressivos. Então um menino que aprende desde pequeno a ajudar a família nos serviços domésticos, possivelmente, quando crescer, ele vai ser um pai protagonista”, explica.

Isso é o que Amitrano tenta ensinar diariamente aos filhos, de 8 e 12 anos. “Eles sabem desde pequenos que não é não. Eles lavam louça, eles me ajudam a limpar a casa, eu ensino a cozinhar o que eles gostam. As tarefas são divididas de acordo com a idade de cada um”, relata. Apesar disso, a professora diz acreditar que os filhos aprendem isso com mais facilidade porque estão em um ambiente bastante diverso, dentro da universidade e com a presença de pessoas com diferentes orientações sexuais.
 
NA ESCOLA
Além do aprendizado em casa, a escola também pode colaborar para criar crianças conscientes do poder que têm. Georgia Amitrano trabalhou como professora de biologia no ensino básico por 14 anos, ensinando temas como a educação sexual. “O empoderamento também é a criança ter consciência de que o corpo não pode ser violado. Educação sexual é entender que o corpo é seu, que há regras entre adultos e crianças, em especial quanto aos atos e relações sexuais. Mas isso tem que ser explicado com carinho, com responsabilidade”, afirma.

Discini, da Faced, diz que os educadores precisam também ter cuidado com a formação de estereótipos que podem ser fortalecidos dentro da escola. “Há pesquisas que mostram como professores acabam estimulando determinadas coisas nas meninas, como por exemplo a fala, a poesia e o desenho, e outras habilidades nos meninos, como matemática, física e química. Então você acaba mesmo sem querer ensinando meninas a irem para determinado lugar e meninos a irem para outro”, diz.
 
LIVRO
Rebeca Loureiro lança livro no próximo sábado (24) inspirado nas sobrinhas | Foto: Divulgação
 
Feminista, a escritora Rebeca Loureiro de Brito lança um livro sobre empoderamento infantil no próximo sábado (24), em Uberlândia. A obra, que conta a história de duas rainhas que estão sempre competindo, é inspirada nas sobrinhas da autora, que, apesar de se amarem, sempre disputavam por atenção. 

Brito explica que a história traz para o universo infantil a questão da rivalidade feminina: muitos ainda acreditam que mulheres não conseguem trabalhar juntas. “No livro, elas passam por uma situação muito desafiadora que só conseguem ultrapassar quando se dão conta que precisam usar suas habilidades complementares”, diz a autora. Para ela, a obra é importante para desenvolver visão crítica e habilidades de leitura nas crianças.

Para escrever o livro, Rebeca Loureiro pesquisou sobre temas e situações que as mulheres enfrentam para trazê-los ao universo infantil. Ela conta também que passou por muitos momentos desconfortáveis em uma empresa que trabalhou. Em uma dessas situações, o líder da equipe a presenteou com um kit de panelinhas durante um amigo secreto, como uma provocação. “Estavam presentes o presidente da empresa, sócios e nenhuma medida foi tomada. Foi quando eu pedi demissão e tirei meu período sabático para desenvolver um projeto para mulheres”, relata.

A escritora ainda define o empoderamento infantil. “É fornecer informações para crianças, trabalhar alguns conceitos, alguns direitos que elas precisam ter clareza que têm, do que elas podem ser, desenvolver e criar longe desses estereótipos. É a criança poder desenvolver suas habilidades independente do que se considera ser para menino ou para menina”.
 
O QUE É FEMINISMO?
Feminista é a pessoa que acredita na igualdade social, política e econômica entre homens e mulheres. O feminismo não é o contrário do machismo e também não tem uma posição política específica: há correntes tanto na esquerda, quanto na direita.

“No Brasil, até a constituição de 1988, nós mulheres tínhamos os mesmos direitos dos silvícolas [índios] e dos deficientes mentais. Nós não tínhamos direitos civis idênticos aos homens. Só que não basta um papel, não bastam só leis. As leis nem sempre são cumpridas, ainda mais num país que burla-se leis. Então o feminismo visa, no mundo, igualdade do trabalho, igualdade de respeito e a possibilidade de não sermos violadas porque somos mulheres”, explica Amitrano.

A filósofa ainda diz que os homens se beneficiam do feminismo, já que faz com que não tenham que se submeter à opressão. Eles passam a fazer atividades classificadas antes como femininas, como cozinhar e cuidar dos filhos, sem sofrerem com agressões machistas. “O machismo mata crianças porque meninos gostam de cozinhar”, afirma.

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