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11/08/2019 às 11h00min - Atualizada em 11/08/2019 às 11h00min

Uso de redes sociais por agentes políticos levanta alerta sobre cuidados com regras e decoro

Promotor eleitoral de Uberlândia e especialista em marketing político comentam o assunto

VINÍCIUS LEMOS
Ainda em março, o presidente Jair Bolsonaro (PSL) fez sua postagem mais controversa em sua ativa conta no Twitter: o vídeo em que um homem urina na cabeça de outro homem durante o Carnaval. O objetivo do mandatário era criticar a prática, ao mesmo tempo em que associava a festa ao comportamento erótico. À época, o jurista Miguel Reale Jr., um dos autores do pedido de impeachment contra a ex-presidente Dilma Rousseff, fez críticas a Bolsonaro e lembrou que Lei prevê crime de responsabilidade se o chefe de Estado “proceder de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo”.

A possibilidade de afastamento não foi à frente, o que não diminuiu o bate-boca político nas redes sociais, nem as polêmicas do próprio Bolsonaro, cujas postagens feitas nas redes sociais têm sido cada vez mais esmiuçadas. Fato é que o uso dessas ferramentas no mundo político se tornou obrigatório, seja como um diário de mandato ou, a exemplo do que recentemente se viu, como canal de comunicação para viabilizar uma eleição.

Neste segundo exemplo, a eleição de Bolsonaro e do atual governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), são exemplos do que o especialista em marketing político Leandro Grôppo explica como a junção certa de mensagem e conjuntura. Ele esteve à frente da equipe do então candidato Zema, vencedor no segundo turno, com 71,8% dos votos, contra Antônio Anastasia (PSDB).

Se o momento pedia “terceiras vias” longe das hegemonias de grandes partidos, a mensagem precisava ser passada de forma simples. Tivemos então, por meio das redes sociais, a comunicação política abraçando de vez velhos conhecidos da internet: os memes. É comum se definir o meme como qualquer informação que viralize, sendo copiada ou imitada por usuários na rede social. Essa “memeficação” nada mais é do que resumir e simplificar o conteúdo para que ele atinja mais pessoas de forma simples. Algo necessário e bem aproveitado no campo político. “Resumir é uma ferramenta. Se você resumir o conteúdo e a pessoa entender, você atingiu seu objetivo”, explicou Grôppo.

Para ele, o campo de discussão nas redes sociais, no fim das contas, é um debate de convertidos. A política “pra valer” acontece no mundo real, na internet o que haveria é apenas um debate em que se multiplica essa ou outra ideia do campo político-partidário que mais interessa ao usuário. É aí que essa simplificação ajudaria o candidato, pois seus vídeos mais simplificados ou um meme que passa uma mensagem atendem ao interesse de seu público.

Da mesma forma, um candidato pode virar um meme que se volta contra ele, seja de maneira debochada em um ataque direto. A dica do especialista é que ele dê sua versão para o fato, mostre que seu mandato tem outros pontos positivos e que a vida segue.

“A importância [das redes] é superestimada. Elas têm a mesma importância de outros meios. Mas é a mensagem que importa de verdade. É mais barata, é cada vez mais acessada, mas não é de graça como muitos pensam”, pondera Leandro Grôppo. Uma produção de vídeo para internet, por exemplo, exige menos que uma de TV, mas é preciso um mínimo de cuidado, além de investimento na própria rede social e na manutenção de ações com a militância.

Outra lição é que se a internet te permite ser mais simples, ela não elimina a necessidade de militância, assim como ela deve existir na rua. Essa militância custa, no mínimo, o treinamento dela. O especialista em marketing disse ao Diário que é ilusão qualquer político imaginar que se tornará popular nas redes sem esse tipo de apoio.

EXPOSIÇÃO
Com um tempo exíguo de televisão e rádio, o então candidato Romeu Zema buscou refúgio nas redes sociais. Ele fazia parte dos candidatos com apenas 10% do tempo de tela e inserções radiofônicas. Ele teve pouco mais de 15 minutos semanais divididos entre outros concorrentes. O uso das redes supriu essa falta de espaço em veículos mais tradicionais.

A grande questão no uso político das redes é saber que existe uma segmentação de regiões ou nichos. O político pode falar diretamente com certo público, com grande interação, o que, como todo meio de comunicação, tem prós e contras. A própria interação que traz respostas imediatas também pode ser canal para críticas diretas à mensagem passada. Segundo Grôppo, a mentira pode ter perna curta nesse sentido, principalmente se o agente político quiser mascarar algo que a população consegue provar com apenas uma foto ou um vídeo postado nos comentários.
 
FAKE NEWS
O já repetido, mas forte termo “fake news” ganhou o Twitter do presidente estadunidense Donald Trump quando ele se referia a matérias de órgãos de imprensa que o questionavam. A história se repete no Brasil na conta da mesma rede social mais comentada do País, a do presidente Jair Bolsonaro.

Para pessoas ligadas ao meio político, as tais notícias falsas amplamente divulgadas em uma série de contas, páginas, grupos ou canais são versões online da velha e tradicional boataria, como mentiras espalhas ao pé do ouvido ou panfletos políticos caluniosos distribuídos na madrugada. As diferenças são o alcance e a rapidez.

Com a internet, a proliferação da mentira é mais rápida e mais barata, contando justamente com o mesmo tipo de credulidade que fazia a boataria boca a boca acontecer.

“Quanto mais chocante, há mais repercussão e o clima de polarização que vivemos hoje ajuda. Há uma inflamação maior. Um clima de paz reduziria isso, pois a pessoa pensaria melhor sobre o que está lendo. Estudos mostram que mesmo quando a pessoa desconfia que é mentira, ela repassa determinadas notícias absurdas, pois pensa ‘vai que é verdade mesmo’”, disse o especialista em marketing político Leandro Grôppo.
 
CONSEQUÊNCIAS
Assim como a postagem de Bolsonaro sobre o Carnaval gerou reação negativa, questionamento sobre sua manutenção na Presidência, determinadas postagens podem custar muito a legisladores federais, estaduais e municipais. Mas a chamada quebra de decoro depende das definições de cada uma das casas legislativas. Como lembrou o promotor eleitoral Genney Randro, se o mandatário tem imunidade na tribuna, ele deve ser mais comedido nas palavras nas redes.

“Ele não pode se valer da condição de ocupar um cargo eletivo para atacar pessoas. É uma ferramenta barata de prestação de conta, mas tem que haver dosagem. Para além disso, temos ainda o Código Penal, que pode definir injúrias, calúnias ou difamações. E há sempre o agravante que ele [o político em rede social] tem alcance em massa”, afirmou.

O artigo 55 da Constituição Federal diz que perderá o mandato o deputado ou senador cujo procedimento for declarado incompatível com o decoro parlamentar. A questão, porém, ultrapassa a Lei, uma vez que são os próprios colegas de Casa que devem definir se o legislador vai sofrer um processo de cassação. “Infelizmente é uma questão extremamente politizada”, comentou Randro.

ELEIÇÕES
A principal vedação das últimas eleições foi o impulsionamento de campanhas por terceiros nas redes sociais, algo que não aconteceu em Uberlândia, segundo as fiscalizações da Justiça Eleitoral.

Foi uma eleição considerada tranquila no uso das redes sociais, segundo o promotor Genney Randro. As notificações sobre uso abusivo do meio para ele não passaram de cinco, sendo todas com o mesmo tipo de problema: o exagero em críticas e ataques.

“Existe subjetividade na avaliação do que nos é repassado. Cabe ao juiz e ao promotor mediar e ter bom senso para interferirmos o mínimo possível. Foi a dose que passou um pouco, mas nada que tenha sido criminal e nada que pudesse configurar violação administrativa ou criminal da legislação eleitoral”, disse.

Randro vê com bons olhos o uso das redes sociais com o intuito de baratear e nivelar as campanhas, mas para o pleito de 2020, com eleições locais, disse que a experiência pode ser diferente e com maior demanda à Justiça Eleitoral que em anos anteriores.
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