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05/08/2019 às 09h04min - Atualizada em 05/08/2019 às 09h04min

Atuação de doulas e grupos médicos facilita acesso a parto humanizado em Uberlândia

Grupos são criados na cidade para acompanhamento de gestantes e assistência médica humanizada

GIOVANNA TEDESCHI
Bruna Oliveira com equipe do grupo Apheto, referência em Uberlândia em assistência humanizada | Foto: Arquivo Pessoal
Contrações, dilatação do útero e força, muita força. O parto normal se tornou algo pouco comum com o tempo. Com a facilidade de marcar a data do nascimento e até com medo de sentir dor, muitas mulheres optam por fazer cesariana, a intervenção cirúrgica no momento do parto. Em Uberlândia, profissionais começaram a se unir para promover o parto humanizado por meio de rodas de conversa e cursos para gestantes. 

Segundo dados de 2018 da Organização Mundial da Saúde (OMS), a América Latina é um dos continentes com mais cesáreas: cerca de 40,5% dos partos são desse tipo. A comunidade científica recomenda, de acordo com OMS, que as taxas variem entre 10% e 15%. Segundo o Conselho Federal de Medicina (CFM), o índice de morte materna em casos não-complicados é de 20,6 a cada 1.000 cesáreas no Brasil. No caso do parto normal, o índice diminui para 1,73 mortes para 1.000 nascimentos.

Procurando mudar isso, nascem cada vez mais organizações que facilitam partos humanizados e seguros, mesmo no caso de cesáreas. O grupo Apheto, criado em 2015 e composto por cinco obstetras e três enfermeiras, é referência em Uberlândia. A ideia é aliar uma assistência obstétrica humanizada e pautada em evidência científica à qualidade de vida. “Nosso objetivo é resgatar a autonomia da mulher na escolha de sua via de parto, dando-lhe informações para isso e apoiando-a nessa escolha”, diz texto enviado pela equipe à reportagem do Diário de Uberlândia.

O grupo presta assistência a cerca de 12 a 15 gestantes por mês. Desde a criação, já assistiram 306 partos. O procedimento é o seguinte: a paciente escolhe uma médica para fazer o pré-natal e, mensalmente, ocorrem reuniões com as outras profissionais e grávidas para falar sobre gestação, pré e pós-parto. Assim, já é criada uma familiaridade com o resto da equipe. No dia que o bebê for nascer, a mulher é atendida pelas obstetras e enfermeira que estiverem de plantão, mesmo que não sejam as que fizeram o pré-natal.

Criado em 2015, grupo Apheto presta assistência a cerca de 12 a 15 gestantes por mês | Foto: Divulgação


A bióloga Bruna Oliveira, de 28 anos, é uma das gestantes que teve a experiência com o grupo. “Eu tive muita resistência das pessoas mais próximas porque o parto normal hoje virou meio que um tabu. Nós [ela e o marido] começamos a amadurecer a ideia então de procurar uma equipe que nos respeitasse na nossa escolha. Juntou a minha vontade de ter algo mais natural e o meu receio de uma cesárea, que eu acho que é uma cirurgia muito complexa para ser feita sem necessidade”, explica.

João Gabriel, filho de Oliveira, nasceu em 30 de junho deste ano. Ela e a equipe esperaram até o último momento, nas 40 semanas, mas o parto precisou ser induzido por causa do diagnóstico de diabetes gestacional. “Eu comecei com descolamento de membrana, depois coloquei a sonda para ajudar na dilatação e por último romperam a minha bolsa. Mas sem nenhuma intervenção de hormônios, nem soro, nem anestesia, nem nada. Foram mais ou menos três dias de indução até o dia em que ele nasceu”, conta.

A bióloga diz ter sentido uma dor muito específica e momentânea, que não consegue mensurar, mas que não se arrepende de ter feito o parto dessa maneira. “Foi uma experiência única. Eu acho que a escolha de quem está parindo que tem que ser respeitada. Às vezes a mulher que vai para o SUS não tem esse atendimento mais afetivo e para mim fez muita diferença”, diz. Ela chega a mencionar também que o investimento financeiro é alto, mas vale a pena. O plano de saúde cobre apenas as consultas de pré-natal e a internação.
 
OUTROS PROJETOS
Além de grupos que focam na parte médica, existem também em Uberlândia organizações que criam rodas de conversa e cursos para gestantes. Uma delas é o Flore Ser - Parto & Crias, que existe desde 2013 como um grupo terapêutico de pós-parto e prática de yoga.

“Vendo a necessidade das mulheres com os bebês, eu tentei na Oficina Cultural um espaço em que a gente pudesse fazer um grupo de pós-parto e não consegui. E aí eu resolvi montar o grupo Flore Ser para que eu pudesse oferecer para essas mães um espaço para elas com os bebês. Era um grupo fechado de 12 mulheres e esse grupo teve encontros durante uns sete meses”, explica a idealizadora e diretora do projeto, Kelly Mamede, de 41 anos.

Em 2015, surgiu mais um braço do grupo: os cursos de preparação para o parto, em que participavam cerca de 30 casais por mês. Desde 2017 estas atividades estão pausadas porque, em 2018, Mamede abriu o Espaço Hábita, uma clínica com diversos tipos de profissionais, como obstetras, parteiras, pediatras e psicólogos. A previsão é que os cursos voltem a acontecer em breve. Há também encontros de gestantes (mensais) e rodas de pós-parto (quinzenais) do grupo Flore Ser no local. Ambos são gratuitos.

Mamede é advogada, formada como doula desde 2010 e, atualmente, cursa a faculdade de psicologia. “Hoje o meu interesse é dar foco aos trabalhos com grupos. Sou eu quem coordena as rodas de conversa e agora vou dar início a novos projetos, como uma roda para casais com ou sem filhos para discutir a relação do casal”, diz.
 
UM SENTIDO SOCIAL
Materna Geração Assistida foi criado em 2011 e é composto por doulas e enfermeiras | Foto: Arquivo Pessoal


O Materna Geração Assistida foi criado em 2011 pelas irmãs Letícia e Natália Silva, doulas e enfermeiras. "Minha irmã sempre gostou muito de gestantes e eu sempre gostei muito de bebês. Tinha uma amiga nossa que estava grávida, nós tínhamos se formado há pouco tempo e ela pediu que fossemos doulas dela. Com esse bebê nasceu o Materna”, conta Letícia Silva.

A organização começou com a ideia de trazer conhecimento para que mulheres pudessem fazer as escolhas na gravidez, não dependendo só da opinião de médicos e enfermeiras. As irmãs começaram promovendo eventos e grupos de gestantes gratuitos e voluntários, além de atendimento das dúvidas das mulheres, tanto pessoalmente quanto nas redes sociais. Organizaram também a Semana Mundial Pelo Respeito ao Nascimento em Uberlândia, em maio de 2013, com caminhadas, seminários e palestras.

Além disso, criaram um projeto em parceria com o Hospital Municipal de Uberlândia para a entrada de doulas na comunidade. O hospital fornecia o curso gratuito e as integrantes do Materna coordenavam as voluntárias no local, além de oferecerem um plantão de dúvidas. “A gente fazia, uma hora antes de começar a reunião de grupo de gestantes, um plantão para as doulas. Elas começaram a atender voluntariamente, para pegar experiência”, explica Letícia.

Atualmente, a maior parte das iniciativas do grupo está parada. Ao mesmo tempo que entraram diversas novas integrantes, havia ideias e linhas de trabalho diferentes e foi necessário reestruturar o projeto. As irmãs voltaram a tocar o grupo sozinhas. Atualmente, a única atividade que oferecem é um curso de doulas, que é particular e, com cinco módulos, custa cerca de R$ 2 mil. A ideia é utilizar o lucro obtido com as aulas para financiar a associação, que deve retornar os trabalhos em breve. A parceria com o Hospital Municipal se restringe, hoje, a um estágio voluntário realizado pelas alunas do curso particular.
 
ASSISTÊNCIA
A doula é uma espécie de assistente de parto, que tem como objetivo acompanhar a gestante no momento do nascimento. De acordo com Letícia Silva, do Materna, não é necessário ter uma formação médica. "A doula é uma palavra que vem do grego e significa 'mulher que serve'. Ela está ali para tirar os medos, anseios que vem com a gestação, principalmente para casais de primeira viagem. Está presente de forma emocional e física”, explica.

A doula também pode ajudar realizando técnicas naturais para alívio da dor, como massagens, aromaterapia, exercícios de respiração e hipnose. Ela também está presente no pós-parto para verificar necessidades da mulher que pariu.

“A doula, ao mesmo tempo que é um trabalho muito simples, é uma assistência que a gente dá para a mulher na hora do parto, de uma forma que possamos mostrar a força dela e o poder dela de atravessar as dificuldades do parto e conseguir parir com um sentimento bom, agradável, satisfatório”, afirma Kelly Mamede, do Flore Ser.

“Acho que o principal é a gente ter essa sintonia, esse olhar alinhado com a mulher para poder servir na medida em que ela precisa.”

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