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20/05/2019 às 09h00min - Atualizada em 20/05/2019 às 09h00min

Contingenciamento leva incerteza à UFU

Estudantes e professores de Uberlândia demonstram preocupação após anúncio de bloqueio de verbas por parte do MEC

DANIEL POMPEU
Anaíra Costa vê futuro ameaçado para pesquisa que desenvolve em seu doutorado | Foto: Daniel Pompeu
Quando tinha 19 anos, Maria Antonella da Silva cursava Direito em uma universidade particular de Araraquara, interior de São Paulo, cidade onde viveu por toda a juventude. A faculdade era viabilizada pela bolsa integral do Programa Universidade para Todos (ProUni), destinada a pessoas com renda familiar per capita de até um salário mínimo e meio (R$ 1.497). Depois de um semestre, a insatisfação com o curso a motivou a viajar mais de 300 km para longe da família e vir parar em Uberlândia, onde foi aprovada, pelo Sistema de Seleção Unificada (Sisu), na graduação em Pedagogia na Universidade Federal de Uberlândia (UFU).

Hoje com 20 anos, ela está entrando em seu segundo ano do curso na UFU e tenta se manter positiva, mas, como muitos dentro da instituição, teme que os recentes cortes anunciados pelo Ministério da Educação (MEC) impossibilitem sua formação. “Corre o risco de a gente não fechar o ano letivo”, disse.

Ela se refere a uma projeção feita pela universidade no início deste mês. Em nota oficial, a UFU afirmou que um bloqueio de 30% - ou cerca de R$ 43 milhões - dos seus recursos aprovados na Lei Orçamentária Anual (LOA) para o ano de 2019 foi feito no dia 30 de abril por parte do MEC.

Como a universidade já vinha cumprindo contratos e utilizando o orçamento com base nos recursos previstos na LOA, o bloqueio forçará uma adaptação para que a instituição gaste 45% a menos nos oito meses restantes do ano. Ainda de acordo com a nota, a redução orçamentária, se mantida, afetará profundamente o funcionamento da instituição, desde a limpeza dos espaços, até atividades de pesquisa, ensino e extensão.

O clima de alarde entre todas as instituições federais de ensino do País, que também se depararam com o contingenciamento, eclodiu nas ruas. Manifestações e paralisações de servidores da educação foram registrados nesta última semana em todo o Brasil. Silva foi uma das estudantes que participaram das manifestações em Uberlândia. Para se manter na UFU, ela recebe cerca de R$ 600 por mês da família e tem a alimentação dependente do funcionamento do Restaurante Universitário (RU), que oferece almoço e jantar pelo preço subsidiado de R$ 3.

Silva afirma que, diante do contingenciamento, as perspectivas de estudo não têm sido as melhores e a possibilidade de ter que desistir do curso e voltar para a cidade onde a família vive são reais, principalmente frente ao contexto de reduções orçamentárias, que podem, futuramente, afetar os mecanismos de assistência estudantil.
 
PESQUISA
A piora no auxílio a pessoas com pouca condição econômica é a questão mais preocupante, na opinião de Sérgio Vitorino, professor e diretor da Faculdade de Odontologia da UFU (Foufu), que também chama atenção para o efeito cascata que o contingenciamento poderia ocasionar na universidade.

No rearranjo orçamentário que a UFU terá que fazer caso o bloqueio de verbas se mantenha até o final do ano, o diretor avalia que, para manter bolsas como as de alimentação, transporte e moradia, poderia ser necessário que os auxílios de iniciação científica e outros projetos estudantis tenham de ser cortados. “A gente ainda tem orçamento, mas, com a limitação, pode ser que até o fim do ano não tenha mais”, disse.

A Foufu é uma das faculdades mais conhecidas pela assistência que presta à comunidade por meio do Hospital Odontológico. Vitorino ressalta que, como os 30% dos recursos congelados da UFU se destinam também a manter insumos de laboratórios, há a preocupação de uma crise no atendimento realizado pela entidade. “O funcionamento do Hospital Odontológico, o uso de materiais, é bastante preciso e intenso. Pode ser que a gente tenha uma carência de materiais para atender à população”, afirmou Vitorino.

A necessidade da manutenção constante dos equipamentos, considerando uma defasagem já existente, também é uma grande preocupação para a continuidade dos atendimentos, de acordo com ele. Vitorino, no entanto, afirma que o cenário ainda não é uma realidade e que espera que o Governo Federal tenha condições de rever o contingenciamento de recursos.
 
Anaíra Costa, 24, está no segundo ano de doutorado do Programa de Pós-graduação em Odontologia na Universidade Federal de Uberlândia e também tem se preocupado com o atual contexto de restrição financeira, principalmente quanto à pós-graduação. Sua linha de pesquisa é em Patologia e Diagnóstico Bucal.

Costa entrou no doutorado logo após concluir a graduação em Odontologia. O feito é raro e depende de um histórico de excelência acadêmica e relevância da pesquisa, já que os pesquisadores costumam ser titulados mestres antes de pleitearem o doutorado. No Laboratório de Patologia Oral e Maxilofacial do campus Umuarama, Costa realiza experimentos com animais e seres humanos para entender o efeito de uma enzima em lesões pré-cancerígenas e tumores na região da boca.

De acordo com Costa, a pesquisa já era feita no departamento desde 2011. O seu projeto, aprovado em 2018, propunha levar uma nova metodologia para encarar o problema, já utilizada em outras universidades, mas ainda inédita na UFU.

“Eu vou estudar algumas alterações das proteínas que existem nas células tumorais, causadas por uma enzima que age no combate de patógenos no organismo. Alguns produtos dessa enzima atuam nas células do organismo, que podem desenvolver e progredir o câncer”, explicou. Ela busca entender se a diminuição da enzima torna o câncer menos agressivo ou reduz sua incidência. A pesquisa tem potencial, de acordo com ela, no desenvolvimento do diagnóstico, prevenção e tratamento da doença, oferecendo alternativas menos drásticas do que cirurgias e quimioterapia, por exemplo.

O futuro da pesquisa de Costa, está, entretanto, ameaçado. As recentes reduções orçamentárias da universidade, assim como outras que já vinham acontecendo nos últimos anos, criam um clima de apreensão, de acordo com ela. “Estou bastante preocupada, porque as consequências são reais”, disse. Ela destaca os efeitos que o contingenciamento de verbas pode ter em questões básicas como o fornecimento de água, energia e a segurança do campus. Mais diretamente, Costa explicou que os equipamentos do laboratório também precisam de cuidados constantes.

“Se eu não tiver verba para pagar essa manutenção não tem como realizar meus experimentos”, disse. Ela contou ainda, que como as amostras biológicas em que são realizadas as análises têm um tempo determinado de vida útil, se houver atrasos na pesquisa, é possível que grande parte do trabalho feito por ela se perca. “A pesquisa não pode aguardar descongelar essas verbas, a gente precisa fazer agora para dar continuidades àquelas que já eram realizadas. Essa pesquisa já é a longo prazo. Seria um grande desperdício”, alertou.

O diretor de Pesquisa da UFU, Kleber Del-Claro, enxerga gravidade nos atuais bloqueios das verbas discricionárias, que se referem ao mantimento das atividades rotineiras da universidade. A manutenção do contingenciamento, na opinião de Del-Claro, inviabiliza as atividades básicas da universidade, principalmente a partir do segundo semestre.

Como exemplo, ele cita até mesmo a possível falta de algodão para o Hospital das Clínicas ou álcool para realização de experimentos nos laboratórios. Em outra frente, o MEC anunciou o bloqueio de bolsas ociosas - que ainda aguardavam a aprovação de pós-graduandos em editais em andamento ou a serem abertos - concedidas pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). De acordo com Del-Claro, a UFU, neste sentido foi uma exceção: apenas três bolsas de pós-graduação se enquadraram no critério e foram cortadas.

“Se a UFU para de pagar seguranças, de pagar vigilância, é uma empresa de Uberlândia que para de receber. Se a UFU para de lavar roupa de hospital, é uma empresa de Uberlândia que não vai receber. Isso que a população não está se atendo, que a universidade é economicamente importantíssima. O que seria Uberlândia sem a UFU?”, finalizou.
 
Colombiano teme mudança no sistema brasileiro
Alejandro Portillo, 25 anos, se formou em Engenharia Mecânica na Colômbia, sua terra natal. Após se graduar, ele veio ao Brasil, em 2016, onde cursou mestrado na área de usinagem na Universidade Federal de Uberlândia (UFU). A mudança para terras brasileiras foi motivada pelo que Portillo chamou de “fuga de cérebros” na Colômbia, onde há certa impossibilidade de se fazer pós-graduação sem pagar. Segundo Portillo, mesmo nas universidades públicas colombianas, os alunos de mestrado têm de arcar com cerca de R$ 60 mil, e os de doutorado, com mais de R$ 100 mil, durante os anos de curso, o que inviabiliza a pós-graduação a muitas pessoas de baixa renda.

“Vem muitos colombianos, mexicanos, gente da América Central fazer pós-graduação aqui devido especialmente ao modelo de educação que a gente tem”, disse ele, que agora passou a temer uma mudança no modelo educacional brasileiro.

Atualmente no doutorado, Portillo resolveu aderir a um projeto financiado pela Petrobras no Laboratório de Mecânica de Fluidos (MFLab) da Faculdade de Engenharia Mecânica (Femec) da UFU. Parte dos recursos necessários para o funcionamento do local, além de uma parcela das bolsas dos pesquisadores, é paga pela estatal petroleira. De acordo com o doutorando, a empresa frequentemente leva ao laboratório demandas para solução de problemas às quais os pesquisadores se debruçam.

Devido ao crescente corte de bolsas para pós-graduação por parte de órgãos de fomento - como Capes e Fapemig - ser pesquisador no âmbito do laboratório lhe ofereceu maiores chances de se sustentar e ainda fazer o que gosta. A bolsa da Petrobrás, entretanto, está vinculada ao projeto financiado pela empresa na universidade e Portillo não tem nenhuma garantia de que o recurso estará disponível pelos quase quatro anos que ainda restam para concluir o doutorado.

Portillo teme que as atuais ações do Governo Federal para reduzir custos na educação signifiquem, no futuro, a instituição de um novo modelo que também force os pesquisadores que têm menos condições financeiras a saírem do País. “Tomara que eu esteja errado, mas acho que essas reduções orçamentárias da educação pretendem levar à aplicação do modelo que temos na Colômbia”, disse.

Para o pesquisador, o governo tenta afastar o Estado de responsabilidades sociais como a garantia da educação, fortalecendo a iniciativa privada. Ele lamenta, porque entende que toda pesquisa é benéfica ao Brasil. “É o Brasil que fica com todas as patentes, com os nossos trabalhos. Então nossa produção, mesmo que sejamos colombianos, é nacional, é brasileira.”
 
Comunidade acadêmica busca atingir população
Frente à situação de dificuldades financeiras, estudantes e professores da Universidade Federal de Uberlândia têm se organizado para convencer a população da importância da manutenção de verbas da instituição. A “Mostra Universitária” teve sua primeira edição no dia 8 e também aconteceu ontem, no Parque do Sabiá, e anteontem, na praça Tubal Vilela. Nas ocasiões, alunos e pesquisadores levaram seus projetos para os locais públicos e se propuseram a conversar com a população sobre as atividades.

De acordo com Kamila Carvalho, graduanda do curso de Engenharia Ambiental e uma das organizadoras do evento, a mostra é iniciativa de diversas frentes da universidade, como Diretórios Acadêmicos, Programas de Pós-graduação, Empresas Juniores, Programas de Educação Tutorial (PET), entre outros. Com o objetivo de construir um movimento menos político e mais voltado a apresentar os diferentes benefícios da universidade para o público, as entidades acadêmicas visavam transformar a imagem da UFU.

“A população, não só a de Uberlândia, vê o estudante de uma forma diferente, como se ele só quisesse fazer a chamada ‘balbúrdia’, só fazer festa. Mas não ve a nossa realidade, o que a UFU realmente oferece”, disse. De acordo com Carvalho, a proposta é que a mostra aconteça não apenas neste momento de protesto contra os contingenciamentos, mas pelo menos uma vez por semestre.

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