Diário de Uberlândia | jornal impresso e online Publicidade 1140x90
21/04/2019 às 11h00min - Atualizada em 21/04/2019 às 11h00min

Menstruação ainda é tabu e motivo de constrangimento para muitas brasileiras

Uberlandenses relatam como é lidar com a situação; ginecologista fala sobre o assunto

MARIELY DALMÔNICA
Thaís diz que ao deixar de perguntar sobre o assunto, a mulher fortalece os mitos | Foto: Divulgação
Enquanto assuntos como feminismo e aborto ganham cada vez mais espaço, a menstruação ainda é pouco discutida entre as mulheres, até mesmo dentro de consultórios ginecológicos. Segundo uma pesquisa realizada pela Johnson & Johnson com 1,5 mil mulheres no Brasil, na Índia, na África do Sul, nas Filipinas e na Argentina no ano passado, 54% das mulheres entre 14 e 24 anos não sabiam nada sobre o assunto ou tinham apenas informações simples antes da menarca, momento em que ocorre o primeiro fluxo menstrual.

O levantamento também mostrou que 57% das brasileiras se sentem sujas quando estão menstruadas e 40% ficam inseguras e deixam de fazer coisas comuns do dia a dia, como praticar esportes. A pesquisa ainda revelou que 39% das entrevistadas nos cinco países sentem vergonha quando precisam pedir um absorvente emprestado e tentam esconder que estão no período menstrual.

Que garota não escondia o absorvente para ir ao banheiro quando estudava? A jornalista Lais Vieira era uma delas. “Me lembro também de ficar envergonhada quando o sangue ‘vazava’ nas roupas e marcava a cadeira onde eu me sentava”, disse Lais, que como a maioria das mulheres, passou por situações constrangedoras envolvendo o período menstrual durante a adolescência.

Lais sempre mudava de assunto quando mulheres falavam sobre menstruação e demorou a contar para a mãe sobre a menarca. “O que me fez mudar e encarar o assunto com naturalidade foram as leituras relacionadas ao feminismo, que me trouxeram uma maior consciência a respeito de preconceitos e tabus sobre a minha condição feminina e, consequentemente, sobre o meu corpo por completo”, disse. Páginas da internet também influenciaram positivamente a naturalização do debate a respeito da menstruação no cotidiano da jornalista.
Lais Vieira diz que o uso do coletor menstrual mudou a sua vida | Foto: Divulgação


Para Lais, a menstruação não deve ser motivo de vergonha e não deve ser escondida. “Já li diversos textos falando sobre a origem desse tabu, e vários deles dizem que ele veio a partir de questões machistas e misóginas construídas ao longo do tempo e em diversos lugares do mundo”, afirmou.
 
PERÍODO MENSTRUAL
Segundo a ginecologista Thaís França de Araújo, poucas mulheres sabem como realmente funciona o período menstrual, e como nosso corpo fica durante o período fértil e a ovulação. De acordo com a médica, a menstruação é um processo natural em que o sangue é expelido pela vagina, é feita a descamação das paredes internas do útero, e isso indica que não houve fecundação para aquele mês.

“É fundamental a orientação adequada a todas as mulheres e homens também. Isso implica no conhecimento de como funciona o nosso corpo. Por conta da cultura da não aceitação da menstruação, esse assunto permanece como um tabu”, afirmou Thaís.

O assunto envolve muitos mitos, tabus e ainda é visto como algo sujo por algumas pessoas. “Muitas têm questionamentos e preferem não perguntar, porque o assunto não é bem recebido. Isso faz com que os mitos cresçam ao redor de um tema que já é pouco discutido”, afirmou a médica.

Segundo a pesquisa feita pela Johnson & Johnson, a maioria das mulheres já recebeu recomendações de familiares para o período menstrual. Quase metade das brasileiras (43%) evita andar descalça e 31% não lavam o cabelo nos dias que estão sangrando. Tudo isso é mito, de acordo com a ginecologista. “Outro mito. Não existe qualquer razão para interromper as relações durante a menstruação, algumas mulheres sentem ainda mais prazer quando estão menstruadas”, afirmou a médica.
 
ESCRITORA
Aos 19 anos, a contadora Sâmia Ali, hoje com 32 anos, começou a compreender por que a menstruação era um assunto tão rejeitado e pouco falado. Segundo ela, o processo foi lento e de muita reflexão, mas a fez aceitar o próprio corpo em todos os estados físicos.

“Vi que essa rejeição está diretamente ligada a opressão que vivemos até hoje. Não é algo que já está enraizado em mim pois foram 19 anos rejeitando todo meu feminino e 13 anos estudando e entendendo que ser mulher e sangrar não me faz impura”, afirmou Sâmia, que começou a mudar de opinião quando leu alguns livros de Simone de Beauvoir, escritora francesa que ficou conhecida na década de 1940 quando lançou o livro ‘O Segundo Sexo’.

Quando Sâmia era adolescente, falar sobre o assunto era proibido e não havia conversa em casa, na escola e nem com as amigas. Hoje, o assunto é recorrente na vida da contadora, que debate o tema com quem tiver interesse. “É importante auxiliar com as armas que tenho no processo da quebra desse tabu. Foram anos construindo uma visão deturpada do nosso ciclo e do feminino, já está na hora de desconstruir esse pensamento e levar a discussão além”, afirmou.
 
EVOLUÇÃO
Segundo a ginecologista Thaís França, muitas mudanças aconteceram nos últimos anos, algumas mulheres começaram a falar abertamente sobre menstruação, a mídia passou a abordar mais o assunto e o mercado também se adaptou.

Atualmente, as mulheres têm uma série de opções para se sentirem mais confortáveis durante o período menstrual. De acordo com a ginecologista, até os próprios absorventes descartáveis se tornaram mais anatômicos. “Os absorventes internos estão vindo como outra opção, o copinho [coletor menstrual] também é muito usado. Você pode retirar ele, lavar. É bacana com a questão do meio ambiente. Hoje em dia tem até a calcinha que absorve o sangramento e também é reutilizável.”

Lais usa coletor menstrual há cerca de dois anos e afirma que o “copinho” mudou a vida dela, que ainda descobriu que o sangue expelido pela vagina não tem cheiro ruim, outro mito bastante conhecido entre as mulheres.

Sâmia, além de usar o coletor, também é adepta da calcinha absorvente, que basta ser lavada após a troca, e depois pode ser usada novamente. Para ela, os dois foram fundamentais para deixar de usar o absorvente descartável.
 
ABSORVENDO O TABU
O documentário ‘Absorvendo o Tabu’, dirigido pela americana Rayka Zehtabchi, de 25 anos, e produzido pela Netflix, se passa na Índia, nos tempos atuais, e mostra uma realidade um pouco diferente do que vemos no Brasil. Na região, a menstruação é algo desconhecido para muitos homens, pouco mencionada e muito menos discutida entre as mulheres.

A produção audiovisual mostra que as mulheres são consideradas impuras e não podem colocar os pés nos templos religiosos enquanto estão no período menstrual. Além disso, muitas delas acabam deixando a escola porque não conseguem conter o sangue pela falta do uso de absorventes descartáveis.

Depois de apresentar o problema, o documentário vem com uma novidade para as mulheres da comunidade. Uma máquina de absorventes é instalada para que elas tenham uma ocupação remunerada e, finalmente, tenham contato com absorvente. Afinal, muitas têm vergonha de comprar o item porque na maioria dos estabelecimentos, são homens que oferecem o produto.

‘Absorvendo o Tabu’ tem menos de 30 minutos de duração e está disponível na Netflix.

Tags »
Notícias Relacionadas »
Comentários »
Diário de Uberlândia | jornal impresso e online Publicidade 1140x90