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03/03/2019 às 10h00min - Atualizada em 03/03/2019 às 10h00min

Uberlandenses relatam experiências acerca da solidão

Sentimento de falta tem afetado mais os jovens, aponta pesquisa internacional

MARIELY DALMÔNICA
João começou a ter sensação de solidão acentuada aos 20 anos | Foto: Mariely Dalmônica
Quando era criança, João Batista Neto era visto pela família como alguém introspectivo. Aos 20 anos, ele começou a ter uma sensação de solidão acentuada, e, com o passar dos dias, sua falta de interação se transformou em depressão. Para João, as pessoas que estavam próximas não o compreendiam, o que o fez se sentir, à época, muito sozinho.

“Eu tinha uma desconexão emocional. Achava que ninguém me compreendia e que eu não fazia parte de nada. Eu não tinha raiva das pessoas, mas não me reconhecia em lugar nenhum”, afirmou o jovem, que hoje tem 25 anos e cursa design gráfico.

De acordo com a pesquisa BBC Loneliness Experiment, feita com 55 mil participantes ao redor do mundo e divulgada no fim do ano passado, 40% dos jovens entre 16 e 24 anos se sentem sozinhos com frequência ou muita frequência. O número chamou atenção porque superou o registrado com participantes idosos, aos quais a solidão costuma ser mais associada. Segundo a pesquisa, 27% das pessoas com mais de 75 anos alegaram sentir solidão.

A psicóloga e especialista em terapia cognitiva comportamental Ariana Gonçalves disse que, antigamente, a solidão afetava mais as pessoas idosas porque elas perdiam o companheiro, familiares e amigos de longa data, e acabavam por se isolar.

“No cenário atual, os adolescentes estão muito mais depressivos e solitários. Entra a questão da fragilidade, identificação com o outro, a mudança de escola ou de cidade e a identificação com as pessoas em si”, disse a psicóloga.
De acordo com Ariana Gonçalves, é muito importante que o jovem se encaixe em um grupo social, o que também serve como uma forma de proteção. “É ideal buscar terapia e autocompreensão para se sentir valorizado. Animais de estimação ajudam muito, um novo relacionamento, novos amigos”, afirmou.


SOLIDÃO PATOLÓGICA
Segundo Ariana, existem diferentes graus de solidão. A solidão leve é marcada por pensamentos negativos, separações e mudanças. A solidão mediana tem as mesmas características da anterior, além do sofrimento. Já a solidão intensa inclui os pensamentos, o sofrimento e a desesperança.

Ainda segundo a psicóloga, é comum sentir a solidão, que se torna patológica quando vira uma sensação muito constante e não passa. “A pessoa se isola, se sente mal por isso, a angústia fica tão grande que ela não quer mais se relacionar com ninguém. Passa muito tempo e a pessoa não evolui”, afirmou a psicóloga.


Psicóloga Ariana explicar processos da solidão | Foto: Arquivo pessoal


Pessoas assim precisam buscar ajuda o quanto antes, afirmou Ariana, que costuma ser procurada pelos pacientes quando a família está preocupada. “Tenho muitos pacientes que já deram muitos sinais [de quadro avançado de solidão]. Esse trabalho de autocompreensão vai demorar mais, vai ser mais delicado”, disse.

A solidão patológica muitas vezes se associa à depressão, como aconteceu com João. A doença atinge 350 milhões de pessoas no mundo a cada ano de acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS) e tem grande impacto global.
 
Ficar só também pode ser positivo
 

 Normalmente, pensamos em sofrimento, dor, desespero e desamparo quando ouvimos falar de solidão, mas segundo a psicóloga especialista em relacionamentos Deise Carvalho, também podemos associar o sentimento a um momento positivo, de conexão consigo mesmo. De acordo com a psicóloga, esse tipo de solidão tem nome: solitude.

Quando a pessoa entra em um estado de solitude, ela não vê necessidade de estar sempre acompanhada de outras pessoas, mas não deixa de ter uma boa convivência. Ela gosta de sair sozinha e não sente falta de estar com alguém naquele momento. “[Na solitude] No momento em que estou comigo, não estou em sofrimento. Estou só e em plenitude”, afirmou a psicóloga.

Para Deise, ter momentos de solitude é importante para qualquer pessoa se conectar com um ‘eu’ mais profundo. Segundo a psicóloga, tem pessoas que têm dificuldades de estarem sozinhas, que precisam sempre estar com o outro e fazer coisas com o outro. “Estar só não é ruim. Para você, como é chegar sexta-feira à noite, não entrar na internet, refletir, ler um livro, ver um filme sozinho? Eu sempre pergunto para meus pacientes: ‘você se namoraria?’”. 

Há um ano e três meses, o estudante de design gráfico João Neto percebeu que se encaixava no perfil das pessoas que curtem a solitude, ou isolamento social voluntário, como ele mesmo gosta de chamar.

“Percebi que certas coisas importam muito, e quando eu tinha muita gente por perto, não percebia isso”, disse o estudante. Para ele, a diferença da solidão para a solitude é o fato de que ele não está triste o tempo todo, e agora busca por objetivos específicos.


João excluiu as redes sociais, gosta de almoçar sozinho e ler livros em casa durante o fim de semana. “Acho isso algo vantajoso para mim. Com o tempo, eu vi que tinha iniciado outros hábitos e vi isso como uma decisão lógica para alcançar coisas que eu queria”, afirmou.

O estudante diminuiu a frequência com que saía de casa e bebia com os amigos, mas afirmou que essas mudanças também foram positivas. “A nossa forma de tratar a amizade mudou, porque os vejo com uma frequência menor”, disse.

João disse que o fato de deixar de fazer coisas que a maioria dos jovens fazem, como sair de casa aos fins de semana, ir ao bar e a baladas, gerou outras expectativas no dia a dia dele. “Vi a possibilidade de fazer algo interessante da minha vida. Graças a muitos livros que eu li, hoje vejo que a vida é muito ampla, diferente do que vemos nas redes sociais”, afirmou o estudante.

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