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03/02/2019 às 08h22min - Atualizada em 03/02/2019 às 08h22min

Número de empresas habilitadas cai 49%

Empreendimentos que pagam até 2% de ISSQN são impossibilitados de financiar projetos aprovados em programa municipal

NÚBIA MOTA
Secretária de Cultura, Mônica Debs, destaca necessidade de prestação de contas por parte dos produtores | Foto: Valter de Paula/Secom PMU
Neste ano, 109 projetos foram selecionados no Programa Municipal de Incentivo à Cultura (Pmic) de Uberlândia, um aumento percentual de mais de 67% em relação aos 65 projetos aprovados em 2018. A má notícia é que boa parte das empresas não podem apoiar os projetos culturais via incentivo fiscal, com abatimento de 25% no Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN). Até 2017, todas podiam, mas com uma mudança na legislação local, feita com base em uma lei federal, 12.999 empreendimentos, o que corresponde a mais de 49% das pessoas jurídicas, não podem mais patrocinar os projetos realizados na cidade. Uma dificuldade para os proponentes, que agora precisam correr atrás das outras 13.382 empresas restantes na cidade ou achar alguém que tenha imóveis suficientes para investir 25% do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU).

A mudança aconteceu depois de uma interpretação do poder público municipal sobre a Lei Complementar Federal 157 de 2016, que trata exclusivamente da regulação da chamada guerra fiscal, uma disputa entre municípios e estados para ver quem oferece melhores incentivos para as empresas se instalarem em seus territórios. A partir daí, o Município mudou a legislação, que restringiu também a participação no Pmic dos contribuintes tributados pela alíquota de 2% do ISSQN. Ou seja, desde então, apenas as empresas com alíquota de 3% (44,8%) ou 5% (5,8%) podem incentivar.

A premissa é que nenhuma empresa pode arrecadar ISSQN menor do que 2%, sendo que, para o Município, ao apoiar os projetos, o empreendimento pagaria um valor abaixo deste piso. “É esse entendimento que está errado. Não pode ser entendido, no Programa de Incentivo à Cultura, que está saindo um dinheiro do caixa da Prefeitura. O Pmic vem para auxiliar a própria administração municipal no fomento à cultura, que é uma obrigação constitucional. Esse dinheiro não está indo para o artista, está sendo investindo na cultura. E quando eles fizeram essa redução, eles tiram a possibilidade das empresas patrocinarem, o que é grave. Por que estão fazendo diferença entre uns e outros. Por que só quem paga 3% e 5% de alíquota pode incentivar? Isso não aconteceu em nenhuma outra cidade”, disse Katia Bizinotto, advogada especialista em direito cultural e presidente da Comissão de Cultura da Ordem dos Advogados de Uberlândia (OAB), que na época fez um parecer contra a mudança, questionando a posição da Prefeitura. “Agora, cabe à Prefeitura reverter isso e dar uma nova interpretação, a qualquer momento”, completou.

Em Belo Horizonte, segundo Leonardo Beltrão, gestor da Lei Municipal de Incentivo à Cultura da capital mineira, criada em 1993, todas as empresas e pessoas físicas, sem distinção, podem incentivar os projetos com 20% do valor do ISSQN. Lá, 10% do que é investido do ISSQN vai para o Fundo Municipal. Se uma empresa destina, por exemplo, R$ 50 mil para projetos culturais, R$ 5 mil vão para o Fundo. Em Uberlândia, dos 109 projetos aprovados para serem executados neste ano, 79 são pelo Fundo Municipal de Cultura, ou seja, a verba vem direto da Prefeitura, e outros 30 são pelo mecanismo de incentivo fiscal. “Como nossa lei não restringe nenhuma empresa, não fizemos um estudo de como uma mudança, como a de Uberlândia, iria impactar aqui, mas eu sei hoje, pelos editais, que tem mais empresas que poderiam investir do que o valor que a gente libera anualmente via isenção fiscal. No ano passado, por exemplo, liberamos R$ 12 milhões pela renúncia, mas sei que temos empresas que poderiam pagar até R$ 40 milhões. Na verdade, as empresas não vão pagar nem mais nem menos, elas simplesmente deixam de pagar para a Prefeitura para investir no projeto, mas elas gastariam esse dinheiro de toda maneira. Não é uma isenção fiscal, é uma contribuição. Vamos supor, eu tenho que pagar 10. Estou dando 5 para Prefeitura e 5 para o projeto e então vou pagar 10 de toda maneira”, disse Leonardo. Em BH, somando Fundo e Incentivo Fiscal, em 2018 foram investidos R$ 18 milhões.

Em Uberlândia, neste ano, o valor disponibilizado para o Pmic é o maior da história do programa, criado há 15 anos, em um total de R$ 5,6 milhões - R$ 2 milhões a mais do que no último exercício, em 2018. Outra mudança, além da restrição de empresas incentivadoras que pagam a alíquota de 2% do ISSQN, é que os proponentes precisam prestar contas todo mês. Antes, o balanço era feito só no fim do ano, dificultando a reformulação a tempo, em caso de erros.

Para Marcelo Mamede, que há 18 anos trabalha na gestão de patrocínios e incentivos fiscais para projetos culturais, o Pmic é um importante instrumento para o fomento da cultura na cidade, mas alguns ajustes são necessários. “Os projetos que desenvolvemos em geral necessitam de mais recursos que os limites de incentivo, desta forma temos que contar com várias fontes de financiamento, mesclando várias leis de incentivo e patrocínios diretos, sendo uma estratégia quase obrigatória para a manutenção dos negócios em uma época onde há o aumento do número de empresas, instituições, projetos buscando recursos. Somado a isso, ainda estamos com uma incerteza no cenário político-cultural nos âmbitos federal e estadual, o que deixa o Pmic ainda com maior relevância, já que há um esforço da Secretaria de Cultura para o devido funcionamento deste programa”, avaliou Mamede.
 
REDUÇÃO
“O principal lesado é o cidadão”, diz produtor cultural

 
Em 2017, assim que começou a vigorar a nova lei, reduzindo quase pela metade o número de empresas de Uberlândia aptas a incentivar projetos culturais pelo mecanismo do ISSQN, o produtor cultural e professor Cristiano Barbosa perdeu a chance de ver um trabalho ser desenvolvido na cidade. Trata-se do projeto Contorno Mostra de Cinema Independente da Borda, que estava com o recurso já captado pelo ISSQN, com o apoio do Instituto Nelson Merolla. “Eu já tinha captado todo o valor do projeto, de R$ 90 mil, mas foi indeferido quando houve a mudança da legislação e, por isso, tive que dispensar o patrocínio. Na minha avaliação, a Prefeitura fez uma leitura equivocada da lei federal. Isso provocou um impacto muito grande, porque você leva um tempo para criar uma relação de patrocínio com uma empresa e mostrar que seus projetos são de qualidade. As empresas demoram para incorporar essa cultura de investimento, de entender que o patrocínio cultural é um processo legítimo, de fortalecimento da própria empresa. O principal lesado, além da empresa e produtores, é o cidadão, porque todo o nosso objetivo é levar a cultura para as pessoas”, disse.

No ano passado, Cristiano conseguiu captar a verba para realizar, em outubro, o Trakinagem Mostra de Cinema e Educação, com 30% do incentivo do Instituto Algar, mas via IPTU, pois as empresas do grupo foram umas das 12.999 impossibilitadas de apoiar via ISSQN. Os outro 70% vieram do Instituto Alair Martins, pois o Tribanco paga uma alíquota de 5% do mesmo imposto e não foi cortado da lista de incentivadores. “O Instituto Algar era um grande patrocinador utilizando o ISS e teve sua verba inviabilizada, porque agora só podem incentivar pelo IPTU, dentro da Lei Municipal. Houve uma redução drástica da possiblidade de captação por nós produtores, porque são poucas empresas que têm o montante suficiente para realizar os projetos. As empresas que pagam ISS acima de 2% estão em um número reduzido e a capacidade de patrocínio delas é muito pequeno. Requer da gente um trabalho árduo de conquista de novos patrocinadores com volume de recursos suficientes. Só pelo IPTU é muito pouco, porque você precisa pegar um número grande de patrocinadores. Vamos supor que eu tenho um projeto de R$ 60 mil. Onde vamos arrumar um patrocinador que tenha imóveis suficientes e que 25% do IPTU sejam R$ 60 mil? A Algar, por exemplo, que é uma empresa grande, não conseguiu patrocinar todo o Trakinagem via IPTU, apesar de eles terem muito interesse”, disse.

Segundo Carolina Toffoli Rodrigues, gerente do Instituto Algar, gestor dos incentivos fiscais do Grupo Algar, as empresas começaram a trabalhar com o Pmic em 2004 e desde então, foram patrocinados 81 projetos, totalizando um valor de R$ 2,272 milhões. Antes da mudança na legislação municipal, cerca de oito projetos eram incentivados por ano e, depois de 2017, esse número caiu em média para cinco projetos. No ano passado, R$ 67,5 mil foram usados do IPTU para a realização do Trakinagem, Festival Timbre, Circos e Sorrisos, Coleção Criança Espelhada e Cine Olhar. “Para este ano, estamos avaliando. Se forem projetos de valor mais alto, serão selecionados um menor número deles. Ainda temos que fechar o valor no nosso IPTU. Historicamente, os proponentes sabem que somos patrocinadores e nos procuram, mas com essa mudança de legislação, o nosso investimento ficou mais restrito. Para a empresa, teve um impacto negativo, porque impossibilita que possamos colocar mais projetos em prática e se os proponentes não tiverem o apoio das empresas, via renúncia fiscal, terão muita dificuldade de conseguir recurso para desenvolver seus projetos”, disse.
 
REGRAS
Entenda como funciona o Pmic

 
Neste ano, dos R$ 5,6 milhões do Pmic, R$ 3,1 milhões são para o Fundo Municipal de Cultura, ou seja, a verba vem direto dos cofres do Município. No último edital, esse valor era de R$ 1,1 milhão e foi para onde todo o reajuste foi direcionado. Os outros R$ 2,5 milhões vêm por Incentivo Fiscal, com 25% no valor do ISSQN e 25% do IPTU, e continua no mesmo patamar da última edição.  

“A Prefeitura abre mão de receber esse dinheiro e a empresa ou pessoa não paga um tostão a mais. O mesmo valor que ela pagaria à Prefeitura é destinado a um projeto, podendo escolher o perfil que mais adapta a empresa dela e fazer um marketing a custo zero”, disse a secretária Mônica Debs.

O Pmic funciona da seguinte maneira: assim que é aberto o edital no Portal da Prefeitura, geralmente no último semestre de cada ano, o interessado monta o projeto de acordo com os parâmetros pré-estabelecidos, optando por ser financiado via Fundo Municipal ou captação de recurso, de acordo com o porte e a necessidade de gastos. Esses projetos passam primeiro por uma avaliação interna de documentos. Quando o projeto é selecionado, o proponente é instruído por funcionários da Secretaria de Cultura a fazer a readaptação da planilha orçamentária. O dinheiro é liberado todo mês, de acordo com esta planilha. Durante o processo, são disponibilizados dois treinamentos para o proponente saber gastar o dinheiro. Agora, com as mudanças, também é preciso prestar contas todos os meses. “A partir do momento que você recebe dinheiro público, você precisa cumprir as regras. Como por exemplo, não pode pegar dinheiro na boca do caixa, tudo tem que ser cheque nominal. A data do cheque tem que ser a mesma da nota fiscal emitida, entre outras coisas”, disse Mônica.

Desde que Uberlândia aderiu ao Pmic, em 2003, executando a partir de 2004, dos cerca de 1,2 mil projetos aprovados e executados, 70 proponentes não prestaram conta corretamente dos gastos realizados e tiveram os nomes incluídos na lista de inadimplentes. Essas pessoas são notificadas três vezes pela Prefeitura, com a chance de regularizar a situação. Por último, têm o nome publicado no Diário Oficial. Caso não tenha resposta, o proponente não tem novo projeto aprovado e ainda tem o nome inscrito na dívida ativa do município. Em caso de protesto, fica ainda com o nome negativado em todas as empresas de proteção ao crédito do Brasil, entre elas o Serasa, Associações Comerciais e Câmaras de Dirigentes Lojistas (CDLs), impossibilitando o cidadão a comprar qualquer bem, pegar talões de cheque, usar cartão de crédito, fazer financiamento, etc.  
De acordo com dados fornecidos pela Secretaria de Cultura, em 2018, 18% dos projetos (12) não foram realizados por falta de captação, já em 2017, foram 26% (22). Em 2016, último ano antes da mudança na legislação, reduzindo em 49% os números de empresas que poderiam incentivar via ISSQN, foram 15% (15 projetos não se concretizaram). “Existe o convencimento das empresas, mas talvez não encaixe no perfil delas, que valorize o trabalho que ela faz. Isso é natural”, disse Mônica.
 
 Pmic
Áreas atendidas


Artes visuais e histórias em quadrinhos; artesanato e design; audiovisual, fotografia, comunicação, cultura digital, jogos analógicos e virtuais; biblioteca, arquivo, galeria, museu e centro cultural; circo; cultura afro-brasileira, etnia indígena e outras etnias; culturas tradicionais, folia de reis e quadrilha; dança; literatura, leitura e contação de histórias; música; patrimônio cultural, histórico e artístico; teatro e ópera
 
Projetos aprovados
2019 – 109 projetos aprovados - 79 pelo Fundo e 30 por Incentivo
2018 – 65 projetos aprovados - 42 pelo Fundo e 23 por Incentivo –  12 não captaram
2017 - 83 projetos aprovados - 41 pelo Fundo e 42 por Incentivo – 22 não captaram
2016 - 94 projetos aprovados – 39 pelo Fundo e 55 por Incentivo  – 15 não captaram
 
Alíquota de ISSQN e total de empresas
2% = 12.999 empresas - 49,2% (não podem incentivar)
3% = 11.836 empresas -  44,8%
5% = 1.546 empresas – 5,8%
Total de empresas: 26.381
 
 
 
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