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01/02/2019 às 08h05min - Atualizada em 01/02/2019 às 08h05min

Lei tira custos de quem vai protestar dívida

Mudança fez tabelionato de Uberlândia registrar aumento de 200%

NÚBIA MOTA
Eversio Donizete Oliveira diz que lei 23.204/18 é resultado de luta de 5 anos | Foto: Núbia Mota
O contato comercial Igor Gomes caiu na malha fina da Receita Federal, depois de uma confusão da contadora, que declarou o Imposto de Renda dele de forma errada. Ele agora está com o nome protestado no cartório. Além da dívida de R$ 1.840 com o leão, parcelada em 18 vezes, Gomes terá que pagar, à vista, R$ 374 para o Tabelionato de Protestos de Uberlândia, caso queira ter o nome desbloqueado nos cadastros de proteção ao crédito.

Embora a dívida de Igor Gomes seja com um órgão público, quem estiver devendo para credores privados também pode ficar em uma situação parecida com a dele na hora de procurar um Tabelionato. Isto porque os títulos e documentos protestados, até a última semana, eram pagos antecipadamente pelo credor privado, que agora fica isento de taxas e emolumentos, conforme determina a Lei Estadual 23.204/18, promulgada na última segunda-feira (28). A partir desta semana, os custos cartoriais passaram a ser arcados pelo devedor.

Com a mudança, o Tabelionato da cidade viu o número de protestos aumentar mais de 200%. Antes, cerca de 150 protestos de títulos privados eram feitos por dia no local e agora, em média, são feitos 500. No primeiro dia que a lei entrou em vigor, a gerente contábil e financeiro da Associação de Apoio aos Transportadores de Cargas de Minas (Anatramg), Orlandina de Oliveira, protocolou 467 pedidos de protesto de dívidas de seus antigos associados acumuladas em 5 anos, no valor a receber de R$ 380 mil. “Em 2017, chegamos a fazer alguns protestos de dívidas que tínhamos mais certeza que iríamos receber. Em 2018, não fizemos nenhum, porque somos uma associação sem fins lucrativos e não teríamos condições de arcar com as despesas. Ficava inviável. Foi uma mudança muito importante”, disse Orlandina. As taxas e emolumentos correspondem em média a 18% do valor devido.

Para o presidente do Instituto de Estudos de Protesto de Títulos do Brasil – seção Minas Gerais  (IEPTB-MG), Eversio Donizete Oliveira, a mudança é uma vitória depois de mais cinco anos de luta para tentar mudar a lei junto ao legislativo e executivo estadual. “O representante, além de não receber, tinha que pagar essas taxas e emolumentos. Agora, ele não paga mais nada. Ele é recebido no cartório gratuitamente, fazemos uma análise no documento, vou intimar o devedor, mas tudo de graça. Nós que fazemos os pagamentos de despesas e depois, quando o devedor quiser limpar seu nome, recebemos. É o certo. Não era justo cobrar do credor”, disse Eversio, que é também o tabelião substituto no Tabelionato de Protestos de Uberlândia.

Como os protestos, agora, vão levar um tempo para serem pagos, o Tabelionato deve sofrer um déficit significativo em relação ao pagamento dos emolumentos, que são os valores destinados ao serviço cartorial, e as taxas, que vão para o Estado. Para isso, foi feito um trabalho de conscientização e orientação pelo IEPTB junto aos 301 cartórios mineiros, para que os cartorários se preparassem economicamente, com alguma reserva, já esperando as mudanças. “Eles estão bancando do bolso até vir o retorno. Nós, como instituto, temos que fazer um papel social também. Era melhor receber antecipado, claro, mas não podemos pensar só em nós”, disse Eversio.

Segundo o tabelião titular do Tabelionato de Protestos de Uberlândia, Wilno Roberto Sousa de Oliveira, de 83 anos, 53 deles trabalhando nessa área, a mudança é, principalmente, para beneficiar a população, porque o credor que apresentava muitos títulos de uma vez pagava um valor muito alto ao cartório. Mesmo abrindo mão de receber agora, ele acredita que os cartorários irão se beneficiar também com a nova lei. “Eu trabalhei muito para isso. Plantei a mudinha e vou esperar os frutos que vêm por aí”, afirmou.

TRÂMITE

Os títulos ou documentos de dívidas podem ser apresentados para protesto por todas as pessoas físicas ou jurídicas. No caso dos títulos públicos, os credores, como Prefeitura e Receita Federal, já não pagavam por protestar dívidas como o IPTU, ISS, ICMS, Imposto de Renda e IPVA. A mudança beneficiou também os credores de títulos privados, como cheques, notas promissórias, duplicatas, cédulas de crédito, contratos de aluguel, honorários, entre outros.

Os devedores protestados têm o nome negativado em todas as empresas de proteção ao crédito do Brasil, entre elas o Serasa, Associações Comerciais e Câmaras de Dirigentes Lojistas (CDLs), impossibilitando o cidadão a comprar qualquer bem, pegar talões de cheque, usar cartão de crédito, fazer financiamento, etc. 

Por dia, em Uberlândia, no mínimo 40 pessoas procuram o Tabelionato para dar baixa no sistema, após o pagamento da dívida, fora os que pagam antes de protestar, pois têm um prazo de 3 dias após a intimação, o que corresponde a 60% dos casos.

Igor Gomes pretende limpar o nome no próximo mês. “Fica difícil, porque se a gente não tem dinheiro nem para pagar a dívida, temos ainda que arcar com despesa de cartório”, disse o contato comercial. “A pessoa não pode reclamar do que deve. É justo você pagar seu IPTU e IPVA e o vizinho não pagar? É justo você comprar uma geladeira, um bem para sua casa e pagar e seu colega não pagar?”, disse Eversio.
 
CONFLITO NORMATIVO
Promotor aponta conflito com aplicação de lei

 
FERNANDA PARANHOS
 
“Isso é inconstitucional”, afirmou o promotor de Justiça Fernando Martins, quando questionado sobre a Lei 23.204/18, que dá, ao protestado, a obrigação de arcar pelos custos cartoriais do protesto que lhe foi determinado. A afirmação do promotor vai ao encontro do argumento de que a Lei, ainda que aprovada e vigorada, contrapõe ao direito garantido no Código do Consumidor.

Martins explica que, no texto da Lei, mesmo não citando “consumidores”, há o entendimento de que a elisão dos protestos precisa ser feita pelos interessados, ou seja, o próprio protestado, o que a torna “um conflito normativo”.

“Essa legislação tem que ser feita à luz do Código de Defesa do Consumidor e o código proíbe que os custos da cobrança sejam repassados ao consumidor. Então, há uma tensão muito forte entre a legislação estadual e o sistema nacional de proteção ao consumidor. Bate de frente”, completa o promotor.

A Lei, que passou a valer a partir do dia 28 de janeiro já apresentou um aumento significativo de protestos na cidade. Segundo Martins, a próxima consequência desta aplicação será uma série de denúncias de descumprimento do Código do Consumidor. “Quando uma lei se opõe a outra, nós temos que buscar qual é a melhor base humanitária da legislação. A que se apresenta melhor é o Código de Defesa do Consumidor. É um direito que foi criado pela Constituição Brasileira, foi criado pela ONU. Desta estrutura, eu acho que essa legislação está altamente equivocada”, afirma.

Fernando Martins disse que, a partir do momento em que houver registro de denúncias feitas por pessoas que sofreram protestos, uma ação deverá ser aberta para solucionar o problema. “Eu acho que essa matéria está a nível da inconstitucionalidade. Isso é um retrocesso incrível na defesa do consumidor.”
 
 SERVIÇO
O Tabelionato de Protestos de Uberlândia fica na rua Machado de Assis, 372, Centro, entre as avenidas Afonso Pena e João Pinheiro. O horário de funcionamento, de segunda a sexta-feira, é de 9h às 16h. Telefone: 3236-0048
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