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23/10/2018 às 07h51min - Atualizada em 23/10/2018 às 07h51min

Muito além da estética

Especialista em anaplastologia doa parte de seu trabalho para cuidar de humanos e animais

NÚBIA MOTA
Hudson Mendes mostra algumas das próteses que desenvolveu | Foto: Divulgação
Hudson Mendes tinha apenas 6 anos quando assistiu o Brasil ser tetracampeão, dentro do laboratório de prótese dentária do tio, na final da Copa do Mundo de 1994. Essa é uma das primeiras lembranças que ele tem do caminho que começou a trilhar e o fez ser quem é hoje. O mineiro de Janaúba, morador de Uberlândia há 18 anos, se especializou em anaplastologia e, além dos dentes, desenvolve próteses de membros do rosto e do corpo, como olhos, nariz, orelha, dedos, cabelo, mamilos e mamas. E para quem não pode pagar, ele doa o trabalho e o material, como forma de devolver a autoestima e uma vida praticamente normal aos pacientes.

Lionésia dos Reis Silva, de 57 anos, a Zezé, não vê a hora de receber a prótese do olho que ela ganhou de Hudson. Moradora do bairro Morumbi, a dona de casa perdeu a visão aos 42 anos e precisou extrair o globo ocular 8 anos mais tarde, devido a uma uveíte crônica, inflamação que atinge íris, corpo ciliar e coroide e acabou lesionando o nervo ótico. Por fazer uso de medicamentos fortes, devido a doença ter atingido o outro olho, ela teve perda óssea e, consequentemente, perdeu grande parte dos dentes, que serão recolocados por Hudson. “O Hudson caiu do céu para mim, porque eu não tenho condição de pagar uma prótese. A do olho fica em torno de R$ 2.100. Hoje uso um decalque, mas me incomoda muito, meu olho fica só lacrimejando. Não dá para usar maquiagem, porque escorre tudo. Já experimentei minha prótese nova e é muito mais confortável”, disse a dona de casa.

O marceneiro Mário Gomes Vieira Neto, de 31 anos, nasceu com má-formação, sem o canal auditivo e a orelha, e agora também aguarda ansioso pela marcação da cirurgia para a implantação da prótese. Com a ajuda de um amigo cirurgião, Hudson Mendes vão implantar a orelha por meio de parafusos. A ideia inicial era que a prótese fosse colada, mas não garantiria ao paciente liberdade e segurança para ir, por exemplo, a uma piscina. Mário é casado, pai de Júlia de 7 anos, e disse que a ajuda vai melhorar a autoestima. “Vou me sentir mais completo. O Hudson é muito bacana e talentoso. Eu já tinha tentando colocar uma prótese pela UFU, mas acabaram cortando os recursos”, disse o marceneiro.

AJUDA ANIMAL
Baião tem 11 anos e é da raça crioula, mas perdeu o valor de mercado por ter ficado cego de um dos olhos. Há 4 anos, ele pertence ao estudante de veterinária Guilherme Merola, de 22 anos, e neste mês ganhou uma prótese ocular do anaplastologista Hudson Mendes.  “Para mim, ser humano e animal não fazem diferença. Esse cavalo ficava isolado. Agora ele volta a ter um status, todo mundo quer conhecê-lo. Ele vai sentir o carinho e a aproximação das pessoas. Da mesma forma é com uma pessoa”, disse Hudson.

O dono do cavalo não sabe como Baião perdeu a visão, pois o comprou assim, e como ele está há um tempo sem o olho e já se reabilitou, a prótese ajuda na parte estética e é mais usada em alguns eventos onde eles vão, como cavalgadas. Guilherme trabalha no Canil Municipal, em Araguari, onde mora, e disse que a ideia das próteses em animais pode ser aplicada a  outras espécies, o que garantiria uma maior número de adoções de cães, por exemplo. “Muitas pessoas que adotam um animal, querem ele em perfeito estado, mas muitos têm amputação. Tem gente que não acredita, mas os animais têm autoestima também”, disse o estudante de veterinária.


Baião, da raça crioula, recebeu uma prótese ocular | Foto: Divulgação

PERFIL
Hudson Mendes hoje tem 30 anos e vem de uma família de protéticos. Além do tio Pedro Mendes, tem ainda o primo Didi Borborema, ambos bastante conhecidos em Janaúba, onde ele nasceu e teve os primeiros contatos com a área.  Depois de se mudar para Uberlândia, trabalhou por cerca de 8 anos, entre idas vindas, para o protético Marco Aurélio Dias Galbiati, que é referência na cidade e região.  Chegou a iniciar odontologia e ter uma rede de clínicas odontologias e laboratório, mas decidiu se dedicar a anaplastologia e ao trabalho social. “Nem é a prótese em si que é minha paixão, é a arte, porque é um trabalho artesanal. Eu amo a arte. Gosto de pintar em tela, toco bateria. É uma terapia. Para mim, é uma simples prótese, mas para quem recebe, acaba sendo muito mais. Hoje, eu me considero completo”, afirmou.

Já a área de anaplastologia, Hudson se especializou recentemente, há menos de 2 anos, mas passou a conhecer as novas possibilidades,  quando jogou futebol na Europa há 10 anos, onde atuou no time de futsal espanhol Benicarlo. Além de doar as próteses, que são feitas com material importado e não ter nenhum incentivo público, Hudson faz visitas às casas dos pacientes, onde acaba descobrindo outras necessidades. “Eu conheço pessoas em situações extremas, sem comida. Faço a parte de doação, com cestas básicas, roupas, brinquedos, porque não adianta doar os dentes, se eles não tem o que comer”, disse.

Há 2 anos,  o profissional se deu de presente uma viagem de aniversário e, em Moçambique, na África, teve a oportunidade de fazer quatro próteses dentárias. “Tinham pacientes sem dentes há mais de 40 anos. Os filhos, muito menos os netos, tinham imagem das mães com dentes. Eles fizeram festa. Esses problemas estão muitos ligados a quem não tem condição, não têm tratamento adequado. Eles perdem os dentes ou acabam perdendo um olho por falta de atendimento médico. Não é só higiene. E ocasiona uma série de outros problemas. Uma pessoa que não mastiga e só engole, tem lesão no estômago, gastrite, úlcera, câncer”, disse Hudson.
 
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