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05/10/2018 às 07h38min - Atualizada em 05/10/2018 às 07h38min

Diferentes histórias, mesmas tragédias

Casos de feminicídio têm origem comum, relacionada à construção de gênero; cidade teve novo registro na terça

NÚBIA MOTA
Foto: USP/Imagens
As mulheres terão poder decisivo nas eleições do próximo domingo (7) porque representam 52,5% do eleitorado do País. Mas, diariamente, esse número de eleitoras diminui. Segundo dados da Organização das Nações Unidas (ONU), de 12 a 13 mulheres são mortas todos os dias no Brasil. Só em 2017, foram 4.600 casos. Em Uberlândia, autoridades responsáveis não têm um dado concreto sobre o número de feminicídios, o que acaba prejudicando na prevenção desse tipo de crime. O caso mais recente aconteceu na última terça-feira (2) e teve como vítima a técnica em enfermagem aposentada Delci Pardinho da Silva, de 62 anos, moradora do bairro Luizote de Freitas, que foi sepultada ontem.

Delci foi executada com quatro tiros, três deles na cabeça, pelo pai dos seus dois filhos e avô de seus três netos, dentro de casa, enquanto preparava o jantar. Poucas horas depois, o autor dos disparos, o caminhoneiro aposentado Eliseu Barbosa da Silva, de 62 anos, foi encontrado ferido, com um tiro no peito e outro na cabeça. Ele se encontra no Hospital de Clínicas da Universidade Federal de Uberlândia (HC-UFU), com risco iminente de morte. O crime aconteceu dois dias depois de Eliseu sair do Presídio Jacy de Assis, onde estava preso por ameaças à esposa. “Ele ficou preso três dias e voltou para casa. Ela tinha entrado com o papel do divórcio e ele já tinha falado que mataria ela. Inclusive, ele foi preso porque disse que estava com uma arma escondida e ia descarregar na cabeça dela”, disse uma vizinha do casal e amiga da vítima, que preferiu não se identificar.

Segundo a historiadora e professora universitária Cláudia Guerra, que ajudou a fundar a ONG SOS Mulher, que presta assistência a vítimas de violência doméstica, geralmente esses crimes são muito semelhantes entre si e têm uma causa comum. “Passa pela construção de gênero. As mulheres são vistas como propriedade do homem e matar é uma forma para que elas se mantenham no seu devido lugar, que não tenham autonomia. Muitas vezes, eles matam e se matam ou fogem”, afirmou a especialista, que abordou em sua tese de doutorado justamente as representações da violência de gênero em Uberlândia.

No último caso de feminicídio registrado em Uberlândia, Delci Pardinho vinha sofrendo há anos com as ameaças do marido. Segundo a amiga da vítima, Eliseu Barbosa já havia sido preso três vezes, a última delas depois que o filho o ouviu dizer que mataria a mãe. “No início, ela não falava muito, depois começou a se abrir comigo. Ele já a traiu com prostitutas e parece que, depois disso, ela desanimou do casamento. Não sei se ele batia nela, mas era muito grito. A gota d’água foi depois que uma amiga nossa fez um Facebook para ela [Delci]. Ele começou com uma mania de perseguição, falando que ela tinha amante e um dia tentou agredir o pastor da igreja com um facão, porque viu ela conversando com ele. Foi uma das vezes que ele foi preso. A polícia vivia na porta da casa deles”, disse a amiga.
 
PROTEÇÃO
 
De acordo com o delegado de homicídio, Fábio Ruz, responsável pelo caso, foi instaurado inquérito policial por crime de feminicídio, mas como o quadro de saúde do autor é delicado, com risco iminente de morte, poderá não haver aplicabilidade de pena.

Para o delegado, o que contribuiria para que casos como esse fossem evitados é a possibilidade da própria Polícia Civil aplicar medidas protetivas em favor das vítimas, sem a necessidade de mandar o pedido para o judiciário. “Ficaria mais célere e óbvio, se não precisasse do juiz. Ficariam mais próximos a vítima e o delegado”, afirmou.

Para Cláudia Guerra, mais do que proteção por parte da polícia e da justiça, essas vítimas e toda a família, incluindo o autor dos crimes de violência doméstica, precisam de atendimento preventivo, com profissionais capacitados e política pública eficiente. “Ninguém, ao contrário do que se pensa, gosta de apanhar. A mulher que sofre violência conjugal também tem sentimentos positivos. Ela dorme com essa pessoa, ela tem filhos, tem a crença de que vai mudar o outro, de que é só uma fase. Tem aquele mito de que ele bate porque bebe, mas ele não bebe e bate no companheiro de boteco, nem no chefe. Ele bate na mulher, nas crianças. E quando a gente fala em bater, nos referimos a um tipo de violência, mas tem também a violência psicológica, sexual, emocional e patrimonial”, afirmou.

No caso do feminicídio do bairro Luizote de Freitas, por exemplo, Cláudia Guerra acredita que se, o autor tivesse sido encaminhado para algum grupo de apoio especializado, certamente o crime teria sido evitado. “Lamentavelmente, essa senhora buscou ajuda, com medida protetiva e o marido descumpriu. Não foi feito um trabalho com ele. Se ele tivesse trabalhado essa raiva, essa violência, essa baixa autoestima, essa insegurança, o medo da perda, com calma e de modo continuado, muito provavelmente ele não teria cometido esse assassinato e atentado contra a própria vida”, disse Cláudia.

Mulheres vítimas de violência e familiares podem procurar ajuda no SOS Mulher, que fica na rua Feliciano de Morais, nº 62, bairro Aparecida, região central da cidade.
 
OUTROS CASOS
 
Há menos de um mês, no dia 17 de setembro, uma mulher de 35 anos foi esfaqueada 11 vezes pelo ex-companheiro, no início da manhã, no bairro Marta Helena, a caminho do trabalho. Após o crime, ele tentou se matar em um terreno vago dando facadas nos pulsos e na barriga. Ambos sobreviveram.

Em agosto, um homem foi preso depois de esfaquear a esposa e agredir a enteada grávida de sete meses. O crime foi no distrito de Tapuirama, zona rural da cidade. Outro caso de repercussão em Uberlândia, neste ano, aconteceu em maio, quando uma mulher de 49 anos foi torturada e mantida em cárcere privado pelo ex-companheiro, também no bairro Marta Helena. A vítima foi encontrada amarrada, seminua e com muitos ferimentos, o que acarretou na amputação de uma das pernas e de dois dedos do pé.

Em abril, um homem de 45 anos foi preso suspeito de agredir a esposa e os sete filhos durante mais de 20 anos, no bairro Tibery. A vítima era casada há 25 anos e relatou que, desde o segundo ano de relacionamento, era agredida com ferro, cabo de vassoura, chutes, murros e mantida em cárcere privado. Os filhos também sofriam tortura.

Ainda no mês passado, Willian Sena de Oliveira foi condenado a 17 anos de prisão em regime fechado por matar a ex-mulher Deiviane da Silva Mello, em Uberlândia. O corpo de Deiviane, de 36 anos, foi encontrado carbonizado no dia 7 de setembro de 2015 em um terreno baldio, no Distrito Industrial. O laudo do Instituto Médico Legal (IML) apontou que a consultora de moda foi queimada ainda viva.
 
 SERVIÇO
 
www.sosmulherfamiliauberlandia.org.br/
Rua Feliciano de Morais, nº 62 Bairro Aparecida
Telefone: 34 3215 7862
Atendimento: Segunda à sexta-feira, das 8h às 17h.
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