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31/08/2018 às 10h32min - Atualizada em 31/08/2018 às 10h32min

Uma obra construída há muitas mãos

ONG Luta Pela Vida levanta doações que salvam vidas e propiciam tratamento de câncer para quem não pode pagar

ADREANA OLIVEIRA | EDITORA
Seu telefone toca. Você sai do sofá com uma certa preguiça e pensa: “deve ser telemarketing”. Do outro lado da linha, uma pessoa saúda você em tom suave e lhe apresenta o trabalho de uma organização não governamental (ONG) chamada Grupo Luta Pela Vida. Quem é daqui dificilmente não conheceria essa ONG, criada em 1996 para angariar recursos para a construção do Hospital do Câncer de Uberlândia, que se tornou realidade no ano 2000 e segue com obras importantes para pacientes oncológicos da cidade e região.

É abril. Você está com o orçamento apertado, porém agenda uma doação. O mensageiro do Hospital do Câncer virá em 8 de maio para trazer o recibo e pegar seus R$ 10 no horário combinado. Você pensa: “São só R$ 10...”. Imagine que milhares de pessoas como você atenderam a um desses chamados e, graças a vocês, sete mil pacientes foram atendidos gratuitamente pelo hospital em 2017.

Quem conhece alguém que passou por tratamento no Hospital do Câncer de Uberlândia ou já visitou o local sabe que os voluntários estão sempre por ali, com um largo sorriso no rosto e uma energia que faz toda a diferença para quem está em um momento de fragilidade: energia positiva. As doações ajudam a salvar vidas e propiciam tratamento de câncer digno para quem não pode pagar.

O terreno do hospital, no bairro Umuarama, foi doado pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU) no início dos anos 90. “Partimos aí para o voluntariado e o hospital foi construído e equipado com recursos da sociedade, por meio da ONG, essa é nossa grande realização”, afirmou o presidente do Grupo Luta Pela Vida, Renato Pereira.

Atualmente são aproximadamente 500 voluntários trabalhando diretamente com o atendimento ao paciente, na gestão, no encaminhamento das ações da instituição, na diretoria e no conselho. A proposta do tratamento humanizado mobiliza a causa. Para Renato, a sociedade é responsável pelos resultados positivos da instituição. “E não é só Uberlândia que colabora, temos colaboração de 80 cidades da região que atendemos, e o carinho de todos com a ONG e o hospital é incrível. Já tivemos doação anônima de R$ 25 mil”, recordou Renato.

Os mensageiros, motoboys da ONG, estão em 56 cidades. Outras doações chegam por meio de depósitos, receita de eventos, como bazares, shows, McDia Feliz e apoio de empresas. Atualmente, 1,5 mil delas contribuem mensalmente. Renato conta ainda que entre pessoas físicas são 80 mil contribuintes fidelizados e outros 40 mil que contribuem esporadicamente (olha aí seus R$ 10). 

“Já fomos surpreendidos aqui por doações que chegam por testamentos. Por aí você tem uma ideia de como o trabalho feito aqui faz diferença. Sem contar que muitos ex-pacientes, depois de curados, retornam como voluntários”, comentou Renato. 

Para ilustrar o que reflete esse tratamento humanizado, ele conta que, no caso da cura do câncer infantil e juvenil, o índice nos Estados Unidos e na Europa é de 75%; no Brasil, 55%, e, em Uberlândia, 65%. “Estamos acima da média nacional e nosso apoio aqui não é somente para o paciente, é para a família também”, contou.

Quando há problemas de fornecimento de medicamentos pelo SUS, por exemplo, vem da ONG o dinheiro para adquiri-los. Os pacientes também precisam de suplementação alimentar, uma demanda grande da instituição. “Em julho assinei um cheque de R$ 20 mil só para suplemento, porque o paciente tem que ter qualidade de vida”, afirmou.

Três pessoas participaram da fundação da ONG. O oncologista Rogério Agenor de Araújo (diretor financeiro), o veterinário Fernando Antônio Ferreira (presidente do Conselho Deliberativo) e o engenheiro mecânico Clóvis de Albuquerque Rosa (vice-presidente), todos da UFU. “Eu cheguei logo depois”, contou o presidente do Grupo Luta Pela Vida. 

Ele destacou a finalização das obras no Centro de Cuidados Paliativos da ONG, que deve ser inaugurado ainda neste semestre, na avenida Dom Pedro, próximo ao aeroporto, onde a ONG realizou sua prestação de contas de 2017 há alguns dias. O investimento está na casa dos R$ 5 milhões, 100% vindos de doações. Ainda há as obras da Unidade 2, que estão a todo vapor.

CORPO CLÍNICO
Hospital do Câncer de Uberlândia é referência, forma os próprios profissionais e investe em pesquisa


O trabalho da ONG reflete-se diretamente no corpo clínico. O doutor Eurípedes Barra reforça que o atendimento humanizado no tratamento do câncer faz toda a diferença e conta um pouco sobre o início dos trabalhos do Hospital do Câncer, que surgiu no setor de Oncologia (SEONC) da UFU e começou suas atividades em 1983. “Começamos de forma incipiente a atender os primeiros casos. Na época, eram dois ou três por semana e tratava-se basicamente de câncer de pele com radioterapia tradicional. Cheguei em 1985 e começamos a instalar a braquiterapia ginecológica e, em 1989, instalamos a primeira bomba de cobalto. Nesta época já eram 80, 90 pacientes por dia (hoje pode chegar a 300) e trabalhávamos cerca de 18 horas diariamente”, recordou.

Vendo as dificuldades do tratamento dessas pessoas, surgiu a ONG Luta Pela Vida. “As áreas eram restritas, tinha paciente esperando na rua, fazíamos quimioterapia improvisada na casa deles. A ideia da ONG de arrecadar recursos para o setor veio em boa hora”, disse Dr. Barra.
A construção do hospital começou em 1996, e a primeira parte das obras foi entregue em 2000, com os primeiros consultórios. Em seguida foi aberta a enfermaria de internação. A luta prosseguiu e, em 2001, colocamos um acelerador linear que está funcionando até hoje. O aparelho é usado na irradiação dos pacientes. O câncer geralmente é uma doença tratada de forma multiprofissional. Requer, além do oncologista, um cirurgião, a maioria dos tumores sólidos precisa de cirurgia e dos tratamentos com a quimioterapia e radioterapia”, explicou.

Hoje são cerca de 2,6 mil pacientes novos por ano. “É um número altíssimo, mas felizmente os tratamos tempestivamente, ou seja, o fazemos dentro da Lei dos 60 Dias”, explicou.

Essa lei exige que o tratamento do câncer, no segmento primeira consulta, radioterapia e quimioterapia, seja feito dentro desse tempo estabelecido por lei. Porém, nas cirurgias, há uma dificuldade maior, porque o Hospital do Câncer ainda depende do Centro Cirúrgico do Hospital de Clínicas da UFU. “Hoje o HC virou um centro de trauma. Pacientes oncológicos que eram prioritários perdem essa prioridade quando vai para o centro cirúrgico e chega outro paciente com trauma perfuro-contuso ou tiro. Esta é uma situação muito grave”, ressaltou.

MAIS CONQUISTAS
Neste ano, o Hospital do Câncer deve concluir as obras da enfermaria de cirurgia oncológica, que será dedicada exclusivamente a pacientes de câncer, no 3º andar. “Lá também teremos um centro de transplantes de medula óssea, para as quais temos uma demanda alta. Cerca de 100 pacientes por ano são encaminhados para outras cidades”, ressaltou.

No 4º andar está em fase de acabamento o centro cirúrgico dedicado ao paciente oncológico. “Com essa fase da obra concluída, o paciente do Hospital do Câncer será operado aqui. Teremos a UTI Oncológica também no 4º andar”, disse Barra.

Após a conclusão da parte física, é preciso equipar as áreas, essa é uma outra batalha que vai requerer – e muito – a colaboração da sociedade e dos órgãos oficiais. “Queremos esse centro cirúrgico em funcionamento em 2019 com mais profissionais técnicos de enfermagem, técnicos nos diferentes segmentos, mais cirurgiões, intensivistas. É um projeto que demanda tecnologia e recursos”, contou.

Ainda no que diz respeito à estrutura física, está sendo construída, com recursos do Luta Pela Vida uma terceira casamata (um espaço como um bunker) para abrigar o terceiro acelerador linear que já foi adquirido por notáveis US$ 1.815.000, já pagos. “É um aparelho de última geração, com altos recursos tecnológicos com capacidade para fazer radiocirurgia do sistema nervoso central e extracraniana. É um avanço importante pela evolução da radioterapia nos dias atuais. Trata os pacientes com a máxima complexidade e eficiência e minimiza ao máximo as reações, possibilitando mais qualidade à cura”, disse o médico, que explica ainda que a radiocirurgia é realizada quando a cirurgia tradicional não pode ser feita, como no caso dos tumores no sistema nervoso central.

RESPEITO
Para o doutor Barra, o Hospital do Câncer é referência na região e conquistou respeito em nível nacional por conta da transparência na prestação de contas e pelo corpo clínico. “De nossa equipe de médicos oncologistas, inclusive radioterapeutas, 80% já são formados aqui. Temos 16 formados na instituição e apenas três deles não trabalham aqui. Nossa evolução está embasada no ensino e no investimento na pesquisa”, contou.

Nesses 34 anos no Hospital do Câncer, Barra está feliz por ter o viés institucional da UFU e o apoio da ONG, da classe política e empresarial e do Ministério Público, um grande parceiro. “Temos recebido termos de ajuste de conduta que permitiram a compra de um tomógrafo de última geração. Esses apoios engrandecem muito o hospital fazendo com que seja respeitado pela dignidade dos serviços prestados e pela honestidade demonstrada.”

Barra afirma que os desafios não são poucos, mas esse patrimônio, que é o grupo de voluntários, é significante em todo o processo de acolhimento e apoio ao paciente. “É uma força magnífica. Esse grupo abraçou a causa e trabalha em prol da nossa instituição. Nosso objetivo é para fazer com que nosso paciente de câncer tenha atenção completa aqui. E esta filosofia está sendo conduzida para atender uma demanda crescente. Estamos trabalhando num dimensionamento para atender sempre sem preocupações até 2050.”

HOSPITAL DO CÂNCER EM 2017
7,5 mil pacientes em atendimento
287 profissionais
23.509 quimioterapias realizadas
75 mil procedimentos de radioterapia
4.650 tomografias realizadas
88.511 consultas realizadas
Site: hospitaldocancer.org.br

GRUPO LUTA PELA VIDA
500 voluntários
271 funcionários
R$ 260 mil arrecadados em bazar do grupo
R$ 317 mil arrecadados em vendas na loja
R$ 108 mil arrecadados no bazar Puro Doar
R$ 12 milhões em patrimônio ativo circulante em 31/12/2017

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