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26/08/2018 às 07h32min - Atualizada em 26/08/2018 às 07h32min

Ambulantes passam a ocupar cada vez mais espaços no centro

Informalidade como último recurso; comércio reclama da concorrência

VINÍCIUS LEMOS
Mesmo sem dados oficiais, crescimento de ambulantes é perceptível no Centro de Uberlândia | Foto: Vinícius Lemos
“Tá explicado tudo aí para a senhora [no rótulo], mas eu vou reforçar: uma colherzinha de chá em um copo de água de manhã, depois do café, um depois do almoço, e outro depois da janta. Não use carne de porco, não use galinha de quintal, não use peixe de couro, como bacalhau, surubim, bagre, pirarucu, nem use pimenta nem cachaça, porque aí a senhora fica ‘zonzinha’. Eu passo a dieta, porque se não der para a senhora levar, a senhora não leva.”

A prescrição é sobre uma das dezenas de raízes e produtos naturais que Jorge Páscoa de Jesus, o Jorge Raizeiro, vende. Ele mesmo deu as instruções a uma de suas várias clientes em uma banca montada quase na esquina da avenida Afonso Pena com a rua Coronel Antônio Alves Pereira, no Centro de Uberlândia.

Se por um lado, o Raizeiro é só mais um vendedor de rua do comércio informal de Uberlândia, que tem se multiplicado a olhos vistos na região central da cidade, ainda que não haja qualquer tipo de levantamento oficial sobre esses trabalhadores, por outro, Jorge é uma exceção, primeiro porque ele nunca teve um emprego de carteira assinada, e, em segundo lugar, porque ele foi o único dos vários ambulantes entrevistados pelo Diário de Uberlândia que disse estar satisfeito com a fiscalização que existe na cidade em relação a esse tipo de trabalho. “Os fiscais de Uberlândia não trabalham com deslealdade. Se for para tirar, tira todo mundo do lugar, mas nunca perdi mercadoria”, afirmou.

Questionada, a Prefeitura de Uberlândia informou, por meio de nota, que “como se trata de uma atividade irregular, não há um levantamento preciso do número de ambulantes na cidade”, ou seja, também é difícil calcular quanto o Município perde em impostos. O que é possível dizer é que a perda de arrecadação com tributos e taxas é crescente, mesmo que não tenha sido informado a velocidade com que isso ocorre.

Em um pequeno passeio pela praça Tubal Vilela, é possível ver dezenas de barraquinhas de vendedores de itens, que vão de tapiocas a pulseiras, próximo aos pontos de ônibus em frente à avenida Afonso Pena. Se cada um ali tivesse uma empresa formal, haveria redução dos números de desemprego na cidade e elevação de ganhos para a Prefeitura, que no último mês disse estar com o cinto apertado por causa das dívidas internas e da falta de repasses do Estado, que chegam a R$ 140 milhões.

A informalidade para Maxwell Isidoro, vendedor de meias e acessórios para celular, veio nos últimos seis meses, depois da perda do emprego no setor da construção civil. “O aluguel não para e a gente precisa correr atrás. Esse é o único jeito de ganhar dinheiro. Dá para comer. Não dá para ganhar dinheiro para comprar um carro ou uma casa, mas ganha algum”, se justificou.

Uberlândia encerrou os sete primeiros meses de 2018 com um saldo de 373 vagas de empregos fechadas em todos os setores. A construção civil, que antes empregava o Maxwell, fechou 2017 também com saldo negativo de 785 vagas.

Maxwell Isidoro divide espaço com uma série de barracas, na avenida João Pessoa, e luta por clientes bem em frente a comércios populares formalizados. Ele contou que, por vezes, os próprios comerciantes se irritam com a presença deles. O que também aconteceu com Francisco Ferreira de Assis, quando ele ainda vendia laranjinhas ou geladinhos no bairro Luizote de Freitas. Ele era impedido, por vezes, de frequentar feiras no local. Passou, então, a oferecer meias em uma pequena banca montada por perto das mesmas feiras, o que também não foi aceito. “Começaram a fiscalizar. Eu não podia ficar a menos que 100 metros da feira”, afirmou Francisco de Assis. Há quatro meses ele está no Centro de Uberlândia, na avenida Afonso Pena, e disse que lá nunca teve problema com fiscais.

Também por meio de nota, foi informado pelo Município que a secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento Urbanístico “realiza fiscalizações em cumprimento à lei municipal 10.741/2011, do Código de Posturas, que proíbe o comércio irregular nos espaços públicos. Informa ainda que tem incentivado a regularização de atividades na cidade e orientado à população em relação à necessidade de formalização.”
 
FORMAL X INFORMAL
 
Setor lojista defende fiscalização mais rigorosa
 
É discutível que uma banca na rua faça frente a uma empresa estruturada e com faturamento consolidado. O comércio informal, por vezes, acontece apenas como uma alternativa, por tempo limitado, para quem está fora do mercado de trabalho. O setor lojista, entretanto, reclama que a quantidade de ambulantes é crescente e que essa multiplicação pode ser predatória por gerar concorrência desleal.

Em uma das bancas visitadas pelo Diário de Uberlândia na avenida Floriano Peixoto, uma réplica da marca de óculos Ray Ban, do modelo aviador clássico, custava R$ 25. Com negociação, o preço caiu para R$ 20. Uma pesquisa rápida mostrou que os mesmos óculos originais custariam até 13 vezes mais, com preço mínimo de R$ 270.

“Entendemos que existe crise e instabilidade política, o que leva a uma dificuldade de emprego. Se não tenho onde trabalhar, monto uma barraca e começo exercer a função de vender. Só que isso impacta diretamente nas empresas instaladas. Há muitos custos, como encargos trabalhistas, exigências municipais, e a banca vira uma concorrência desleal. A maior parte das empresas tem dificuldade de se manter, e, se fechar, piora ainda a situação do desemprego”, explicou o presidente da Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL) de Uberlândia, Cícero Heraldo Novaes.

Dessa forma, o mercado, na visão dele, tende a piorar, uma vez que empresas perdendo clientes tendem a fechar, o que causaria mais desemprego e mais informalidade.

Contra isso, Novaes defende uma fiscalização ainda mais enérgica do Município. “Solução é cumprir a Lei e ela é severa: é preciso que haja a repressão. Você não recolhe impostos, não tem procedência comprovada e está ilegalmente instalado em um local que não tem alvará”, afirmou.

AÇÃO

Ainda em fevereiro a Prefeitura de Uberlândia aderiu ao Movimento Legalidade, cujo objetivo era iniciar ações de combate à falsificação e Pirataria, com atuações intensificadas em cinco frentes: articulação de ações de combate ao comércio ilegal; movimento sustentável de aproveitamento das apreensões e descarte de produtos; educação do comerciante sobre práticas ilegais; simplificação de práticas e posturas e campanha de comunicação/mídia.

O Município informou que tem feito reuniões com a associação parceira para envolver as demais autoridades competentes no projeto, com foco na redução do contrabando, da falsificação e da pirataria na cidade.
 
SÓ NESTE ANO

Receita apreendeu R$ 24 milhões em mercadorias
 
O número de apreensões da Receita Federal na região cresceu em 2018 e chegou a R$ 24,277 milhões em mercadorias de descaminho ou contrabando. Isso representou um aumento de 17% em relação a 2017, quando R$ 20,634 milhões em mercadorias foram apreendidos. Esses valores foram levantados em 62 Municípios de responsabilidade da delegacia da Receita em Uberaba, que inclui a região de Uberlândia.

Segundo o delegado adjunto da receita em Uberaba, Sizenando Ferreira de Oliveira, a maior parte do material apreendido é formada por equipamentos eletrônicos e, principalmente, cigarros. No primeiro caso, são produtos de descaminho, que evitam o pagamento de impostos, enquanto na questão do tabaco, trata-se do crime de contrabando, com a chegada de produtos proibidos no Brasil. “O mercado dos cigarros ilegais cresceu por ser uma legislação mais branda do que o tráfico de drogas, por exemplo, e haver grande margem de lucro na venda na ponta final da cadeia”, afirmou.

Ele explicou que o grande mercado importador é o de São Paulo e que a maior parte dos produtos de descaminho apreendidos na região é trazida de lá. O ataque direto a comércios populares não rende grandes resultados, por isso, o alvo da Receita é o grande distribuidor, que é combatido com rastreamento e serviço de inteligência, de acordo com o delegado.

Mas isso, como se sabe, não impede a chegada dos produtos nas mãos de Francisco, do Maxwell ou de uma série de outros vendedores ambulantes. Da mesma maneira que os pequenos estoques de carregadores de celulares, meias made in China ou cortadores de vegetais de ambulantes, quando apreendidos, não resolvem a questão do emprego daquelas pessoas em particular.

Por essas e por outras que o Jorge Raizeiro continua sendo um comerciante de rua da exceção, com produtos naturais, sem atravessadores e de venda direta. Pelo menos nas histórias que ele conta. “Já curei tuberculoso, coqueluche, bronquite, boca que entortou por derrame de sangue. Uma vez um prefeito falou que eu iria ficar no local onde eu estava mesmo com a polícia falando que ia me tirar de lá, porque eu ajudei a curar um parente dele”, disse.
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