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16/07/2018 às 08h08min - Atualizada em 16/07/2018 às 08h08min

Número de assassinatos cai, perfil dos mortos se mantém

Jovens, negros ou pardos são maioria das vítimas de homicídio em Uberlândia

VINÍCIUS LEMOS - REPÓRTER
Homens, negros ou pardos, com idades entre 18 e 29 anos. Esse é o perfil da maior parte das pessoas assassinadas ou que sofreram um atentado contra a vida entre 2016 e o fim do primeiro semestre de 2018 no município de Uberlândia. Os números da Secretaria de Estado de Segurança Pública (Sesp) chamam mais atenção quando se percebe que mesmo com redução geral na quantidade de homicídios na cidade, na ordem de 44% neste semestre, não há mudança no perfil das vítimas de crimes violentos. Ainda que varie de ano a ano, a proporção se mantém muito próxima, quando se descrimina os registros de homicídios por cor da pele, gênero e idade.

O levantamento foi feito com base nos registros de ocorrências das polícias Militar (PM) e Civil (PC) de Minas Gerais, além de Corpo de Bombeiros e sistema prisional. Os dados atestam que no primeiro semestre de 2018 houve 31 mortes em Uberlândia, enquanto em igual período de 2017 houve 56 mortes. Contudo, a variação entre todo o ano passado no comparativo com 2016 foi de aumento de mortes, 106 em 2017 contra 89 no ano anterior.

Com relação ao perfil das vítimas, de 2016 até o fim de junho de 2018, 45% dos assassinatos foram contra pessoas descritas como pardas nos boletins registrados no Sistema Integrado de Defesa Social (Reds). Somados aos negros, que representam 15% das vítimas de mortes violentas, os dois grupos somam mais da metade dos homicídios consumados no Município nos últimos 30 meses. Pessoas descritas como brancas somam 25% dos mortos.

Em 2018, segundo a Sesp, dos 31 assassinados, 18 eram pardos ou negros, nove eram brancos e quatro tiveram a cor da pele ignorada nos registros. Enquanto isso, durante todo o ano de 2017, dos 106 homicídios registrados, 63 pessoas foram consideradas pardas ou negras. Ou seja, 59% do total. Ao todo, naquele período, 29 pessoas brancas e outras 14 com cor de pele indeterminada também foram mortas. Em 2016, essa proporção havia sido ligeiramente menor e representou 51% de negros e pardos como vítimas, somando 46 deles num universo de 89 homicídios.

Conjuntamente, os jovens são os que mais morrem. A maior parte das vítimas desde 2016 tinham entre 18 e 29 anos e representam quase 44% das vítimas. Em 2018, 10 pessoas nessa faixa etária foram mortas, sendo que no ano anterior foram 46 delas em 12 meses e mais 43 jovens com as mesmas idades haviam sido vítimas de homicídio.

Os dados sobre segurança do governo mineiro sobre Uberlândia mostram também que a população masculina representa aproximadamente nove em cada dez mortes violentas. Neste ano foram 28 homens assassinados, contra duas mulheres, sendo que houve também uma vítima sem a possibilidade de determinação de gênero. No ano passado foram 90 homens mortos contra 15 mulheres assassinadas. Em 2016, os registros de homicídios chegaram a 79 homens e nove mulheres.

Análise

Uberlândia segue lógica brasileira

O professor da faculdade de Direito da Universidade Federal de Uberlândia (Fadir-UFU) e especialista em segurança pública, Edihermes Marques Coelho, explicou que o perfil dos homicídios de Uberlândia segue a mesma lógica que em todo o País e, em sua maioria, tem origem nas relações entre pobreza e inserção no tráfico de drogas, seja ativamente ou apenas como consumidor. “Existe uma relação histórico-social de pessoas que padecem de contexto de inserção, o que facilita o acesso às relações de emprego ilícitas, como o tráfico ou crime organizado. Na verdade os homicídios e tentativas de homicídios no País, em sua maioria, estão ligados ao crime organizado e ao tráfico. Se desconectarmos desses tipos de crimes não teremos uma leitura efetiva do nível de violência do país”, afirmou.

Ao mesmo tempo, o professor faz uma ressalva que, mesmo que as comunidades pobres sejam mais vulneráveis à cooptação pela atividade criminal por uma questão de facilitação, não é possível supor que nas camadas mais abastadas da sociedade não haja a presença do mesmo tipo de crime.

Descriminalização e mais

Uma solução possível para reverter esse tipo de situação, de acordo com o Marques Coelho, seria a descriminalização das drogas e junto a isso criar um plano de legalização dos entorpecentes. Essa seria uma tentativa de seguir modelos de outros países que tiveram, segundo ele, resultados melhores que o atual modelo seguido no Brasil. “Isso, por si só, não representa que teríamos o mesmo quadro no Brasil, mas me parece que esse é um indicativo que deve ser discutido a sério, no mínimo para termos mais racionalidade no tema. Até porque um dos grandes dilemas é descriminalizar sem legalizar produção, comércio e uso, não representa nada”, afirmou.


Polícia tem patrulha para prevenção

Ainda que tenha o nome de Patrulha de Prevenção ao Homicídio (PPH), o grupo da Polícia Militar não trabalha apenas anteriormente aos assassinatos. Ao Diário de Uberlândia, o tenente Vitor de Souza Roque explicou que o os policiais envolvidos também buscam monitorar famílias ou grupos que tiveram ligação com vítimas de mortes violentas. “O PPH é um grupo restrito que trabalha em duas frentes: preventiva e repressiva, tentando reduzir sensação de impunidade. Fazemos um acompanhamento quanto à motivação, os bairros com maiores índices, vítimas que são alvos e a partir daí fazemos estratégias para prevenção”, afirmou.

O militar concorda que a ligação entre drogas e homicídios e as motivações são variadas neste sentido. Entre elas estão as disputas por pontos de venda de entorpecentes e a cobrança por dívidas de usuários. Na visão da PM, entretanto, há redução sensível nestes tipos de crimes. “Ressalto que o tráfico é mesma uma das causas dos homicídios, mas hoje os levantamentos mostram que não vêm sendo os maiores índices. Hoje, existem casos de desentendimentos, sejam de relacionamentos, comerciais ou brigas de vizinhos, e a questão passional, a qual é a mais difícil de prevenção”, disse tenente Vitor.

Perfil

Sobre o perfil das principais vítimas de homicídios em Uberlândia, o militar explicou que o grande problema é a inserção do jovem no mundo das drogas, seja no trabalho de venda propriamente dito ou para sustento do vício. Segundo o policial, a maioria dos casos segue o mesmo caminho, com adolescentes ou crianças recrutados por traficantes e que se perpetuam na atividade mesmo depois de detenções seguidas. Isso seria causado por uma legislação mais branda para atos ilícitos cometidos por menores de idade. Essa permanência, então, se levará à criação da vítima futura de crimes violentos, ainda com menos de 30 anos, normalmente.


Relatos passam pelas drogas

Foi por uma dívida de R$ 35 que Wilmar Florência de Oliveira teria sido assassinado em janeiro de 2017 no bairro Marta Helena, em Uberlândia. Usuário principalmente do crack por cerca de 20 anos, o mototaxista estava no trabalho quando foi assassinato a tiros pelo traficante a quem devia. O autor tinha uma criança que aparentava ter três anos de idade nos braços quando atirou contra a vítima.

Cerca de um ano e meio depois que o filho foi morto, Maria Aparecida Mendes de Oliveira se mudou do bairro por não suportar ver diariamente o local onde o crime aconteceu e agora tenta recompor a família e a si mesmo. “Eu tive que mudar, um dos três filhos dele começou a mexer com droga ainda adolescente. Saí de lá e consegui reverter isso. Mas ele (o assassino) destruiu minha vida. A ferida ainda tá aberta”, afirmou.

O homem que cometeu o crime está preso, mas a mãe ainda espera o julgamento, ao mesmo tempo que lamenta o problema pelo qual o filho sempre passou. Morto aos 37 anos, desde os 17 anos, pelo menos, ele era usuário de entorpecentes. A família sempre foi pobre e teve um pai alcoólatra, que morreu próximo do início do envolvimento do rapaz com o crack. “Tudo isso pode ter influenciado ele a entrar nesse mundo. Era um homem bom, com três filhos, humilde, mas mudava por causa da droga”, afirmou Maria Aparecida de Oliveira, que ainda lembrou que já teve que pagar outras dívidas do filho para que ele não fosse assassinado anteriormente.

Aos 24 anos

Há pouco mais de um mês, Fernando Lemos Silva, de 24 anos, estava em casa, no bairro Canaã, quando foi chamado na rua. Ao abrir o portão, ele foi baleado três vezes por uma pessoa desconhecida. O assassino fugiu de bicicleta. Ainda que a Polícia Militar à época tivesse ligado o crime ao envolvimento do jovem com o mundo do crime, sua mãe, Marcela Lemos, disse que o rapaz nunca havia cometido diretamente atos ilícitos. De qualquer maneira, ele não era muito de conversar com a mãe sobre o assunto, principalmente na acusação mais séria contra ele, um homicídio no bairro Jardim Célia que ele teria participado. “Ele foi inocentado, mas foi preso algumas vezes”, afirmou a mãe. Ele chegou a ser detido duas vezes ainda quando era adolescente e a última acusação era por receptação.

O crime ainda é investigado e Marcela Lemos contou que foi ouvida uma vez pela Polícia Civil. Ela contou não ter qualquer ideia do que pode ter levado ao assassinato do filho. “Fernando não comentava nada. Eu ainda dizia para ele: ‘você fica na rua e alguém passa e te dá um tiro’ e ele respondia ‘me dá um tiro? Eu não mexo com ninguém’. No dia que ele morreu, estava a família inteira em casa”, afirmou.
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